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Lula muda o alvo e troca Bolsonaro pelos juros e BC

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Um troco para Lula

O presidente Lula tem falado menos o nome de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Mencionou o adversário nominalmente só três vezes por mês neste ano. Em compensação, as expressões "juros" e "Banco Central" não saíram da boca do petista em junho.

Um político não vive sem seu adversário e, se Bolsonaro não estava servindo aos propósitos de Lula, ele tratou de fazer do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, seu alvo preferencial.

Literalmente: "Eu estou há dois anos com o presidente do Banco Central do Bolsonaro", Lula disse. Assim, o presidente mantém o alvo, mas repaginado. Atualiza o bolsonarismo associando-o a Campos Neto.

Dispara contra a política monetária e a taxa de juros, para ter a quem se contrapor, a quem atacar e a quem culpar pelos problemas do país.

A análise está no episódio #2 do podcast A Hora, apresentado por Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, e produzido pelo UOL.

Uma ferramenta criada pela equipe do podcast permite o monitoramento das palavras ditas por Lula em discursos e entrevistas. O levantamento mostra que as críticas a Campos Neto voltaram a se intensificar em junho.

Lula falou as palavras juros, Banco Central e Campos Neto 98 vezes apenas no mês passado. É 20 vezes mais do que em maio. E continuou em julho. Ainda mais forte. Foram mais 51 citações só nos primeiros 4 dias do mês.

Os ataques causaram prejuízos, mas podem também trazer ganhos ao presidente. As declarações contribuíram para a disparada do dólar, o que poderia pressionar a inflação e forçar o Banco Central a aumentar a taxa de juros. Seria o efeito contrário do pretendido por Lula.

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Por isso, Lula recuou nesta quarta-feira (3), disse que tem compromisso com a responsabilidade fiscal e autorizou o ministro da Fazenda a anunciar que vai cortar gastos.

Os ganhos do presidente ainda precisarão ser testados. Ele pretende falar com uma parte da população que se sente prejudicada pela política monetária.

Segundo levantamento da consultoria Arquimedes, o tema mais frequente das postagens de Lula no Instagram ao longo deste terceiro mandato foi "povo e emprego". Depois, aparecem "desenvolvimento e combate à fome" e "educação e saúde".

Mas, apesar das milhões de interações geradas, a comunicação do governo não tem conseguido pautar o debate. Tem muita bateção de cabeça e, às vezes, "sabotagem" do próprio Lula, que dispara a falar de juros no dia de lançamento de um programa importante do governo em educação.

Não existe elogio grátis

Lula nunca falou tanto de Fernando Haddad. No segundo trimestre deste ano, o presidente mencionou seu ministro da Fazenda em 31 discursos e entrevistas, mais do que o dobro do que no trimestre anterior. Um recorde. É bom ou ruim?

Em tese, quando Lula fala muito de alguém do seu time, isso é positivo. Uma década e meia atrás, Lula, então na reta final do seu segundo mandato, começou a citar cada vez mais a então pouco conhecida ministra Dilma Rousseff. O "Lulômetro" acabou por revelar, antes mesmo do anúncio oficial, que Dilma era a candidata do presidente à sua sucessão em 2010.

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Desta vez, Lula é o candidato de Lula à própria sucessão. Mas já disse para Haddad que ele é seu "plano B". Se Lula não puder ou mudar de ideia sobre se recandidatar, apoiará Haddad. Também por isso, Haddad é o ministro citado por Lula em mais ocasiões. Mais do que o rival dele, Rui Costa (Casa Civil), e mais do que sua própria esposa, Janja. Mas não é só por isso.

O aumento nas menções a Haddad foi simultâneo à explosão de falas de Lula sobre taxa de juros, Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto. Essas declarações foram exploradas para intensificar um ataque especulativo ao real: o dólar subiu além do esperado, com risco de aumentar a inflação.

Lula não recuou, mas mudou de tática. Começou a falar mais bem ainda de Haddad - e de suas propostas de equilíbrio fiscal. Tudo como forma de contrabalançar os ataques repetidos aos juros altos e ao "presidente do Banco Central que herdei do Bolsonaro". Ou seja, falar bem de Haddad foi também um jeito de Lula dar uma satisfação ao mercado sem se retratar.

Por fim, os elogios recordes do presidente a Haddad tiveram um preço. Coube ao ministro e não a Lula anunciar os cortes de R$ 25,9 bilhões de reais no orçamento do governo federal em 2024, além de um "pente fino" nos programa sociais. As críticas nos grupos petistas nas redes focaram no ministro, não no presidente. Haddad virou escudo para Lula.

Não existe elogio grátis.

Muita seca e pouca verba

O número de multas aplicadas pelo Ibama teve queda no primeiro semestre deste ano. Foram 4,3 mil multas aplicadas pelo instituto até junho, ante 10,2 mil no ano passado no mesmo período.

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A quantidade de autos de infração aplicados é semelhante ao que foi aplicado nos anos de pandemia, durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro (cerca de 4,5 mil, tanto em 2020 quanto em 2021).

A queda é reflexo da falta de recursos e de pessoal que afeta o órgão. Servidores do Ibama decidiram, nesta sexta-feira (5), acatar decisão judicial e suspender a greve iniciada na segunda-feira.

Representantes dos servidores afirmam que irão recorrer da decisão. A apresentadora do podcast A Hora e colunista do UOL Thais Bilenky afirmou no programa que a decisão causou revolta. Havia expectativa de um tratamento melhor do que o recebido no governo Bolsonaro, quando foram constantemente perseguidos.

Alexandre Gontijo, da diretoria da Ascema, entidade que representa os grevistas, afirma que, no governo Bolsonaro, servidores respondiam aos ataques com ainda mais trabalho. Com a entrada de Lula no governo, diz ele, havia a expectativa de melhoria na carreira, já que o novo presidente foi eleito com a bandeira de preservação do meio ambiente.

Wallace Lopes, fiscal do Ibama que atua no órgão desde 2009, em Palmas (TO), disse que vive uma situação que disse ser extenuante, com jornadas de trabalho longas, exaustivas e arriscadas. "Um dos grandes problemas que impedem hoje de a gente entregar um bom serviço de proteção ambiental para a sociedade é a falta de estrutura e pessoal. O Ibama inteiro conta com estrutura com apenas 800 fiscais. Isso para proteger todos nossos biomas, inclusive a Amazônia Legal, que sozinha tem o mesmo tamanho de toda a Europa Ocidental."

A crise entre governo e fiscais acontece em um momento crítico, em meio a um aumento inédito e precoce dos focos de incêndio no Pantanal. O número de focos de incêndio em junho foi recorde: 16 vezes maior do que a média dos anos anteriores. E a tendência é aumentar nos próximos meses, se acompanhada a série histórica.

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Comparativo dos dados do ano corrente com os valores máximos, médios e mínimos, no período de 1998 até 03/Jul.
Comparativo dos dados do ano corrente com os valores máximos, médios e mínimos, no período de 1998 até 03/Jul. Imagem: Inpe

Segundo especialistas, a maior parte desses casos é intencional, o que ensejará investigação e aplicação de multas. Neste ano, até junho, o Ibama realizou menor número de autuações ambientais - 4,3 mil, menos da metade do que tinha sido aplicado no primeiro semestre do ano passado (10,2 mil) e inferior até mesmo ao período da pandemia.

O presidente do Ibama Rodrigo Agostinho disse à Bilenky que 5% da área total do Pantanal já foi queimada, com mais de 700 mil hectares. Ele disse que há mais de 500 pessoas do Ibama, ICMBio, Marinha e Polícia Federal na área - os brigadistas não podem entrar em greve. Ao menos 29 grandes incêndios já foram extintos.

A cifra da semana: 10 mil reais

Foi quanto o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte empenhou para investimento este ano. Foi o menor valor entre todos os ministérios.

A cifra é uma fração do salário do ministro Márcio França, que recebe R$ 44 mil por mês, ou cerca de meio milhão por ano.

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Até setembro do ano passado, França era ministro dos Portos e Aeroportos, que empenhou R$ 250 milhões em 2023. Trocou de cargo na reforma ministerial.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados de manhã.

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