Conferência de Clima de Bonn 2024 – Imagem: Inesc/Tatiana Oliveira
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
A primeira semana da Conferência de Clima de Bonn deste ano (SB60) acabou de ser encerrada neste sábado sem muito progresso. As delegações têm até o dia 13 de junho para indicar uma base mínima de avanço para a COP de Baku.
Sem isso, o Brasil pode herdar um processo fragmentado e desacreditado para a Cúpula em Belém, em 2025.
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Dinheiro
O tema central da COP29 de Baku daqui a cinco meses é o financiamento climático, mas ainda não há consenso sequer sobre o significado do termo. Faltando menos de uma semana para o fim da Conferência de Clima de Bonn, na Alemanha, onde as bases para a negociação da COP são definidas, a divisão clássica entre países ricos e pobres se alargou em vez de diminuir. O impasse arrisca implodir a confiança no processo multilateral e as chances do mundo impedir um aquecimento global catastrófico muito acima de 1,5°C, meta do Acordo de Paris.
Dobrar a meta
Na Conferência de Clima de Bonn, o elemento central da discussão de financiamento climático é a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, da sigla em inglês), que substitui a meta de US $100 bilhões estabelecida em 2009, em Copenhagen. Embora haja debate sobre se a meta foi ou não alcançada (não foi!), as discussões na Alemanha estão estabelecendo ao menos um consenso: o processo anterior fracassou. E para que a NCQG não repita os mesmos erros, ela deve ser concessional (em forma de doação, não deve ser um empréstimo); acessível, previsível e efetiva. E há uma variedade de nomenclaturas para indicar essas características.
Acompanhe – Os briefing da WRI e do NRDC explica os elementos básicos da nova meta.
As delegações chegaram a Conferência de Clima de Bonn com um texto para NCQG que foi considerado por todos os negociadores como absurdamente longo – alguns se arriscaram a apostar que era um recorde em tamanho para um texto desta natureza na UNFCCC. A versão inicial, construída durante uma reunião técnica em abril, em Cartagena, na Colômbia, tinha 63 páginas e 654 parágrafos. Após as considerações desta semana, uma versão com 45 páginas e 521 parágrafos foi obtida para uma nova rodada de negociação neste sábado (8). Ninguém parece satisfeito ainda, e os diplomatas vão passar o domingo editando o texto.
Qualidade
Logo no começo da semana, o MRE se reuniu com a sociedade civil brasileira presente na Conferência de Clima de Bonn para ouvir demandas e, principalmente, deixar clara suas posições no tema de financiamento. Para o Brasil, o mais importante é definir o que é financiamento climático e se ele atenderá às necessidades dos países em desenvolvimento, isto é, se ele terá qualidade. O valor, embora dominante nas discussões, foi definido pelo Itamaraty como uma preocupação secundária.
“Se a meta de US $100 bilhões tivesse sido, quem sabe, de US $150 bilhões, faria alguma diferença? O fracasso da meta anterior não está em seu valor, mas nas indefinições que não queremos ver em NCQG”, disse Túlio Andrade, negociador chefe do Itamaraty em Bonn.
Quantum
Entretanto, o tema da escala do financiamento – que ganhou um novo jargão na Conferência de Clima de Bonn, o “Quantum” – tem dominado as negociações. A discussão está apoiada em estudos científicos, inclusive do IPCC, que indicam que a necessidade de financiamento climático já está na casa dos trilhões. Um estudo do think tank Climate Policy Initiative publicado em 31 de maio estima que as necessidades de financiamento climático podem chegar a US $ 8,5 trilhões em 2030.
Números
A Índia já sugeriu que a nova meta seja de US$ 1 trilhão por ano a partir de 2025. Esta semana, a Arábia Saudita, em nome do Grupo Árabe, sugeriu uma meta de financiamento público de US$ 441 bilhões mais a mobilização privada, igualando a quantia de US$ 1,1 trilhão por ano. Os sauditas calculam que trilhões poderiam ser gerados por um imposto sobre a indústria bélica em países desenvolvidos e por meio de um imposto sobre transações financeiras no mercado de capitais. Um documento do grupo G77 sugeriu um imposto sobre a moda. O grupo que representa os países-ilha, AOSIS, descreveu sua visão sobre o que poderiam ser parâmetros para uma nova meta – leia aqui.
Problema nosso
A escala dos impactos climáticos também cresce e assombra as salas de negociação. A própria anfitriã Alemanha estava vivendo chuvas extremas com enchentes generalizadas no sul do país na semana que passou – nada que se compare à escala de impactos que vivemos no Rio Grande do Sul agora ou à tragédia do Paquistão, em 2022. Entretanto, as nações mais ricas se uniram em um negacionismo sobre quem deve pagar e quem deve receber para mitigar a crise, se adaptar e compensar perdas e danos. Isso porque elas são as menos impactadas pelo problema por terem as melhores infraestruturas e o acesso mais facilitado aos recursos disponíveis no sistema financeiro internacional.
África
O Grupo de Negociadores da África e o grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs) estão defendendo um aumento significativo nos investimentos para as nações africanas e vulneráveis, tendo as finanças públicas como ponto central. Devido ao estresse econômico, às classificações de crédito e aos problemas de endividamento enfrentados pela África, os empréstimos e o dinheiro privado geralmente deixam os governos com enormes dores de cabeça a longo prazo. O Grupo África também contestará a decisão de sediar o novo órgão para gerir o fundo de Perdas e Danos da ONU na Suíça, em vez de no Quênia.
Do outro lado e mais unidos do que nunca, os EUA, a UE, o Reino Unido, a Austrália e a Noruega se manifestaram sobre incluir os países do Golfo e a China como contribuintes em dinheiro. Eles argumentam que o conceito de “países desenvolvidos” é dinâmico, já que a economia dos Estados está em constante transformação. E dizem que a classificação da UNFCCC de países que estão no Anexo 1 (países ricos) remete à realidade dos anos 90, completamente diversa da atual. Eles também querem que o aumento do financiamento para os países em desenvolvimento esteja atrelado ao aumento da ambição, isto é, a metas mais fortes para reduzir emissões. É sempre importante lembrar que a maioria dos países em desenvolvimento contribui com quantidades insignificantes para as emissões globais de gases de efeito estufa que estão causando a mudança climática.
Emergentes
A Argentina foi a primeira a falar na consulta sobre NCQG em nome do G77+ China, um grupo negocial que reúne países em desenvolvimento. Foi dito que NCQG não tem mandato para renegociar a Convenção de Clima (UNFCCC), onde está estabelecido o Anexo 1, nem o Acordo de Paris, de 2015, que diz que os países desenvolvidos devem liderar este financiamento com foco nas necessidades dos países em desenvolvimento. A China deixou claro que não é o momento de discutir a ampliação da base de contribuintes.
Outros países pobres e de renda média se manifestaram em concordância com o G77 e adicionando argumentos, inclusive o fato de que o fracasso dos países ricos em cumprir suas obrigações financeiras sob Paris não pode servir para onerar países em desenvolvimento que tiveram menor participação histórica na crise climática. A maioria deles também é contra a inclusão na meta de recursos privados que não podem ser verificados, nem cobrados.
EUA, Colômbia, Índia
Em um evento paralelo a Conferência de Clima de Bonn, o negociador líder de Financiamento Climático do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Kevin Adams, enfrentou os questionamentos trazidos pela negociadora e assessora para temas de Financiamento Climático e de Biodiversidade da diplomacia colombiana, Sofia Vargas-Lozada, e do embaixador aposentado da Índia Manjeev Singh Puri, além da sociedade civil. Habilidoso, Adams reconheceu que as necessidades de financiamento estão na casa dos trilhões e que NCQG precisa atender às necessidades dos países em desenvolvimento – é um bom começo!
Vargas-Lozada afirmou que países como a Colômbia já estão fazendo muito pelo clima, e sendo inclusive financeiramente penalizados por isso, e que a cobrança dos países ricos para que os países pobres tenham mais ambição é imoral. E Puri lembrou que a promessa de 100 bilhões em 2009 foi uma forma que os países desenvolvidos encontraram de trazer os países em desenvolvimento, já descrentes, para a mesa de negociação e que houve uma traição daquela boa fé.
Pressão no G7
A cúpula dos líderes do G7 começa na próxima semana, simultaneamente ao fechamento da Conferência de Clima de Bonn. Biden, Macron, Scholz e outros têm muito trabalho a fazer para reconstruir a confiança e ser transparentes sobre o que colocarão na mesa para apoiar os países em desenvolvimento na transição energética. A desconexão entre os Ministérios das Finanças, os Bancos Multilaterais e a realidade da crise climática permanece.
Financiamento climático, esse desconhecido
A discussão sobre financiamento climático vai além da NCQG e da própria COP, envolvendo atualmente todos os fóruns multilaterais. O tema vem aparecendo nos encontros, por exemplo, do G20, G7, BRICS, OCDE, Reuniões anuais de FMI e Banco Mundial, Navegação Internacional e COP da Biodiversidade. Outros elementos relevantes neste tema incluem:
- A crise da dívida dos países em desenvolvimento impede a ação climática – Entenda.
- Reforma dos bancos multilaterais, principalmente das instituições de Bretton Woods, FMI e Banco Mundial, pode desbloquear recursos para a ação climática. A proposta mais robusta neste sentido é a Agenda de Bridgetown proposta por Barbados e que acaba de ganhar uma atualização.
- Os diversos arranjos estabelecidos sob o Artigo 6 do Acordo de Paris (os famigerados mercados de carbono se incluem aí) poderiam gerar financiamento climático.
- O financiamento da Biodiversidade com vistas ao combate da crise climática será um tema importante na COP 16 em outubro. O Brasil tem sido pró-ativo nesta questão, indo além do Fundo Amazônia, de alcance apenas nacional, ao propor o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (ainda é apenas uma proposta) de alcance global.
- Taxação sobre grandes fortunas para financiar a ação climática está ganhando adesões de governos e organismos multilaterais.
Convenções do Rio
Uma sinergia está sendo construída para as chamadas Convenções do Rio. Muita gente desconhece que a Convenção de Clima (UNFCCC), a Convenção de Biodiversidade (CBD) e a Convenção contra a Desertificação (UNCCD) foram criadas no Rio de Janeiro em 1992, na chamada Cúpula da Terra, conhecida também como Eco 92 ou Rio 92.
Em Bonn, a Diretora de Clima do Itamaraty, Liliam Chagas, falou em nome da COP30 em reunião com representantes da próxima Cúpula de Biodiversidade na Colômbia (CBD COP16) e da última reunião sobre desertificação, na Costa do Marfim (UNCCD COP15), além de representantes da COP29 e dos dirigentes da ONU para cada uma das três Convenções, além da COP28, de Dubai, que criou em 2023 uma plataforma específica para essa sinergia. Declarações, iniciativas e eventos conjuntos são esperados para ocorrer na COP30 em Belém.
Transição para longe da carne
Outro assunto emergente em Bonn são as emissões oriundas dos sistemas alimentares. A TAPP Coalition apresentou uma carta endereçada aos países da OCDE e à China pedindo que eles taxem a carne para contribuição ao fundo de Perdas e Danos. Eles afirmaram que o documento já foi endossado por ministros de ambiente e finanças representando 30% dos países da África. Outros eventos em Bonn também abordaram o consumo excessivo de proteína animal como o principal tema de sistemas alimentares a ser levado para COP29 e COP30.
Belém em Bonn
Na sexta-feira (7), a presidência da COP29 no Azerbaijão fez uma apresentação formal aos delegados da ONU sobre seus planos para a conferência em Novembro (assista aqui). Muitas perguntas difíceis foram feitas pelos representantes dos países e da sociedade civil, inclusive sobre vistos (brasileiros precisam solicitar previamente), custos altos de hospedagem, dificuldades de deslocamento, segurança e condições para o engajamento da sociedade civil.
Em junho de 2025 será a vez do Brasil indicar como Belém está pronta para receber a COP30, e é esperada alguma transparência sobre esses planos já na COP29, em novembro de 2024.
Confira o que disseram alguns especialistas:
Taily Terena, membro do Conselho Internacional de Tratados Indígenas e representante do Coletivo Inamatí Xané – Juventude do Povo Terena
“A agenda da Agricultura ainda é um tema com pouca visibilidade dentro das negociações da UNFCCC, apesar do sistema alimentar industrial ser um dos principais emissores de gases de efeito estufa no mundo (mais de 30%). Como indígena do Povo Terena, da região do Mato Grosso do Sul, onde o agronegócio predomina, espero ver dos países uma ambição maior nestas negociações. A ciência indígena com seus diversos padrões de plantio, a seleção de sementes e os sistemas alimentares tradicionais que promovem solos e águas saudáveis, são a resposta para uma transição justa que não promove o aquecimento da Terra. Precisamos de uma rota de ação climática mais ambiciosa e concreta até a COP30 no Brasil.”
Stela Herschmann, Especialista em Política Climática do Observatório do Clima
“Estamos nos aproximando do final da primeira semana e, até agora, o que vimos foram países reforçando posições conhecidas. Ainda não houve um debate substancial nesta reunião sobre o que realmente importa, como, por exemplo, o que é realmente o financiamento climático e de quanto estamos falando. Os países, especialmente os desenvolvidos, precisam parar de se esquivar e apresentar propostas e números claros, ou dificilmente faremos algum progresso concreto nesta reunião, com consequências preocupantes para a COP deste ano e para o nosso caminho até Belém.”
Letícia Carvalho, Advogada e assessora internacional do Instituto Alana
“Durante a primeira semana da SB60, pela primeira vez em mais de 30 anos de história da UNFCCC, aconteceu um diálogo de especialistas sobre criança e clima. Foram mais de 60 países debatendo os impactos e as medidas necessárias para protegê-las, que são as mais vulneráveis às mudanças climáticas hoje. É o início de uma negociação para que entre a COP29 e COP30 seja possível definir como considerar as crianças em todas as agendas de negociação e criar o legado de uma COP das Crianças.”
Juliana Marcussi, Consultora Sênior em Mercados de Carbono da LACLIMA
“Quanto às negociações sobre os instrumentos do Artigo 6, as partes estão discutindo as regras de procedimento que ainda precisam ser alinhadas para que os mercados de carbono previstos no artigo sejam operacionalizados. Em muitos momentos, vários países, incluindo o Brasil, se mostram engajados em maximizar os esforços para agilizar o consenso e o funcionamento dos instrumentos. No entanto, em outras ocasiões, retomam discussões em relação a pontos já decididos nas COPs anteriores, que deveriam estar superados.
Apesar das oscilações no rumo das negociações, o que é natural desse processo, os facilitadores da agenda estão empenhados em sair de Bonn com uma recomendação de minuta de decisão a ser negociada na COP em Baku. Durante essa semana, colocaram na mesa os principais pontos de divergência que impediram que uma decisão fosse tomada em Dubai. Para a próxima semana, o objetivo será mergulhar no alinhamento do conteúdo e linguagem das cláusulas do texto.”
Leticia Leobet, Socióloga e Assessora Internacional de Geledés – Instituto da Mulher Negra
“Temos um duplo desafio. O primeiro é tensionar a garantia de recursos diante da pressão dos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo temos a importante missão de garantir que a população afrodescendente seja priorizada nas negociações e nas implementações futuras. A população afrodescendente não é nem citada nominalmente nos documentos de negociação – há uma resistência explícita sobre isso –, mas seguimos pressionando. A gente não separa gênero e raça nas pressões aos governos, por isso essa exigência por explicitar no texto segue como nossa prioridade. E é fundamental que o nexo gênero e raça seja de fato um compromisso do Estado brasileiro.”
Sofia Vargas-Lozada, negociadora e assessora de Financiamento Climático e de Biodiversidade do Ministério das Relações Exteriores da Colômbia
“Segundo dados da OECD mais de 80% do financiamento climático que a Colômbia recebe é empréstimo. Essa é a história de muitos países em desenvolvimento. Os países estão recebendo financiamento climático a taxas de mercado. E como as agências de risco estão punindo os países que querem abandonar a exploração de combustíveis fósseis, como a Colômbia, os países em desenvolvimento têm que decidir se eles vão pagar suas dívidas ou seguir para um desenvolvimento sustentável. E o financiamento climático está muito concentrado em poucos países, notadamente os países desenvolvidos. Como vamos fazer para que financiamentos concessionais funcionem para países em desenvolvimento e para o Acordo de Paris, sem deixar ninguém para trás?”