Imagem: Divulgação
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Quando o assunto é conservar o meio ambiente, o interesse das mulheres na busca por capacitações e inclusão nas atividades do campo tem aumentado significativamente. Pelo menos foi isso que mostrou na prática uma parceria entre a Conservação Internacional (CI-Brasil) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (IPAM), para restaurar áreas degradadas, promover a recuperação e a conservação de bacias hidrográficas por meio de sistemas agroflorestais e manejo sustentável.
Leia também: Edição Especial da revista NEO MONDO – JORNADA BRASIL ODS 2030
O objetivo do projeto, que também teve apoio financeiro da General Motors, foi capacitar agricultoras e agricultores para a coleta de sementes e produção de mudas da região, estimulando o intercâmbio entre produtores das áreas de Sistemas Agroflorestais (SAFs) para atuar fortemente na restauração e plantio de 5 mil árvores nativas ou frutíferas em áreas degradadas. Das três capacitações realizadas nas comunidades, que envolveram 73 agricultores no fim do ano passado, a participação mais marcante foi das mulheres, que totalizaram 63% desse público.
Segundo Karoline Marques, gerente de projetos na Amazônia da CI-Brasil , esse é o retrato de uma interessante mudança na dinâmica de gênero familiar, onde não só o homem é o provedor de renda, mas mulheres coletoras também fazem parte do processo. “Além de ajudarem a conservar o patrimônio genético conseguem se inserir como provedoras de renda para a família, seja na venda direta dessas
sementes, como na produção de mudas ou na fabricação de artesanatos e biojóias que agregam valor aos produtos e podem ajudar a criar grupos de interação, ajudando a fortalecer essa rede”, afirma Karoline.
Selma Ferreira é um bom exemplo. Integrante desde 2015 da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra (Amabela), aos 55 anos, ela tem uma rotina de trabalho pesada. Seu dia começa às 5h da manhã e se estende até as 20h. Neste período, dá conta da criação de galinhas caipira, plantas e sementes – em um ambiente junto à natureza, onde ela acompanha o ciclo da terra: planta e colhe, em um sistema de agroecologia que aprendeu com o projeto de Restauro do Tapajós, da Conservação Internacional.
“Essa iniciativa foi fundamental para fortalecer as mulheres e para que cada uma mostrasse a sua força de trabalho. Depois de passarmos pelas capacitações, tivemos liberdade para escolher a forma como íamos trabalhar. Por isso eu acredito que deu tão certo.”
Selma entrou na associação quando foi fundada por um grupo de mulheres interessadas em conhecer a agroecologia, vender artesanatos, lutar pela autonomia e pela defesa dos territórios ocupados pelos Assentamos Moju I e II, na região de Mojuí dos Campos, no Pará. “Hoje, meu trabalho aqui consiste em incentivá-las a plantar e a vender nas feiras para que se empoderem”, afirma. Por isso, atribuiu ao projeto o impulso para as mulheres do assentamento saírem do casulo, como ela diz, e terem força para realizar seus sonhos.
“É gratificante acompanhar a transformação de algumas delas, que nunca lidaram com a terra e atualmente se dedicam tanto. Temos o exemplo de uma professora de 70 anos que desconhecia sistemas de cultivo e hoje tem uma das hortas mais bonitas e produtivas da região. Ela se tornou um exemplo para todas e isso só foi possível com o projeto Tapajós, que proporcionou encontros, oficinas, aulas de agroecologia, viagens e intercâmbios entre os integrantes do projeto.
Sobre o projeto
O Projeto de Restauração da Floresta Amazônica no Tapajós contou com três fases e envolveu a Associação dos Agricultores Familiares da Batata (ASAFAB), Associação dos Moradores do Areia (AMA), Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra (AMABELA) e Casa Familiar Rural de
Belterra. Cada oficina foi realizada em um desses pólos, em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), por meio do Laboratório de Sementes Florestais (LSF), e coordenação do professor Everton Almeida.
O objetivo do projeto foi a prestação de serviços de consultoria especializada para implantar Unidades Demonstrativas de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e Recuperação de APPs (áreas de preservação permanente), prestando assistência técnica para formar a rede de sementes e viveiros do Tapajós, desenvolvida nos municípios de Belterra, Itaituba, Mojuí dos Campos e Trairão, todos no Pará.
As principais sementes usadas no projeto são as típicas da região, como açaí, acerola, andiroba, cacau, cedro, copaíba, cupuaçu, graviola, ipê, jacarandá e urucum, entre outras. Nas oficinas, os participantes tiveram a oportunidade de visitar viveiros de mudas e de sementes das comunidades vizinhas, como as de Tomé-Açu, Irituia e Maracanã. Além disso, os materiais criados para os cursos ajudaram a dar suporte às práticas do campo para que os agricultores se sentissem mais seguros sobre as atividades e contassem com uma espécie de “manual” em caso de dúvidas.
A ideia era mostrar para eles a importância de formar coletores de sementes e produtores de mudas florestais, estimulando, principalmente, o cadastramento e credenciamento dos viveiros, existentes ou futuros, no site do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Alguns tópicos abordados nas capacitações, que contou com uma apostila e o livro “Manual de Sementes Florestais do Oeste do Pará: coleta, beneficiamento e análise”, dos pesquisadores s Everton Almeida, Breno Rayol e Fátima Mekdece, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), contemplou: planejamento de coleta, introdução às sementes florestais, beneficiamento, secagem, armazenamento, aspectos legais, viveiros florestais – definição, localização e implantação -, além da produção de mudas, em suas diversas etapas, para implantação de uma área de coleta de sementes (ACS).
Mão na massa
Manipulando sementes e mudas, os agricultores tiveram a chance de conhecer os nomes científicos de algumas espécies e relacioná-los aos nomes que eles conhecem tão bem. “Apesar de ter esse momento teórico, que é importante para contextualizar e nivelar os envolvidos, o curso também foi conduzido com a aplicação de exercícios de fixação e práticas, o que proporciona um engajamento e interação maior. E isso ajuda a fixar o conhecimento para que seja repassado posteriormente para quem não participou”, explica Karoline.
As orientações recebidas nos cursos tinham o propósito de melhorar o que já vem sendo feito, como enriquecer o substrato, ajustar o sistema de irrigação e ensinar como usar as ferramentas corretas, como o GPS para georreferenciar as árvores matrizes, por exemplo. “Esse trabalho é extremamente importante para mostrar que áreas com perda significativa de árvores matrizes podem ser restauradas por meio de SAFs ou da Regeneração Natural. Assim, espécies tão ricas que um dia existiram podem ser recuperadas”, diz Marques.
Além de visitas a viveiros de plantas e sementes, foi possível levar os participantes para uma área de cultivo no Sistema Agroflorestal (SAF), apoiada pelo projeto em Tomé-Açu, para aprender técnicas que ajudam melhorar as condições de desenvolvimento e resistência das plantas e garantem frutos mais rapidamente e de mais valor. Apesar da visita rápida, os agricultores do Tapajós conseguiram coletar importantes informações sobre restauração florestal, áreas degradadas, sistemas agroflorestais e boas práticas de cultivo.
A proposta do intercâmbio entre os agricultores ajudou a trocar experiências e aprendizados sobre erros e acertos em relação ao cultivo, à produção e ao trabalho em comunidade. Foi possível orientar sobre as etapas de implantação dos sistemas, reforçado a necessidade de cada família destinar em média uma área de 0,5 hectares para fins de restauro com SAFs e 1,5 para Regeneração Natural com enriquecimento. A seleção das áreas que participaram do projeto considerou diferentes fatores, como: aspectos ambientais, histórico de manejo, condições socioambientais dos beneficiários e preferências relacionadas aos cultivos e manejo. Essas informações também ajudaram a definir o tipo de restauro que seria promovido – se SAFs ou regeneração natural.