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O BRASIL E O ODS 8
Por – Carlos A. Primo Braga*
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o trabalho decente como aquele que emprega produtivamente homens e mulheres em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. O trabalho é considerado decente se: (1) está associado a um salário justo; (2) caracteriza-se por condições de trabalho seguras; (3) oferece oportunidades e tratamento iguais para todos; (4) inclui proteção social para o (a) trabalhador(a) e a sua família; (5) oferece oportunidades para o desenvolvimento profissional e fomenta a integração social; e (6) permite liberdade de expressão e de organização para os trabalhadores.
A “Agenda do Trabalho Decente” foi formulada pela OIT em 1999. Em 2005, governos participando na Reunião de Cúpula Mundial da ONU apoiaram os princípios do trabalho decente como necessários para uma globalização justa. Em 2008, a Assembleia Geral da ONU definiu pleno emprego e trabalho decente como tópicos centrais para os esforços de erradicação da pobreza. E em 2015, quando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram apresentados, substituindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, trabalho decente e crescimento econômico foram identificados como o ODS 8, entre os 17 ODS.
O ODS 8 tem como metas “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos”. Diferentes governos e instituições tendem a adotar ênfases distintas para a implementação do ODS 8. Agências da ONU, por exemplo, enfatizam direitos humanos como referência central para a promoção dessas metas. Já instituições que privilegiam uma ótica baseada em eficiência econômica (como o Banco Mundial) tendem a dar prioridade a um foco mais específico, com ênfase nas camadas sociais mais pobres, como estratégia para se utilizar com eficiência os recursos limitados de orçamentos públicos.
O ODS 8 inclui uma série de metas ambiciosas com relação ao crescimento econômico, ao emprego e à produtividade (para detalhes veja https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html). Essas variáveis estão interrelacionadas pois o crescimento do PIB é por definição a soma da expansão da força de trabalho e o crescimento da produtividade do trabalho. No caso do Brasil, como discutido no ebook Produtividade e o Futuro da Economia Brasileira (Imagine Brasil (fdc.org.br)), a evolução da produtividade do trabalho tem sido medíocre nas últimas décadas. No período 1950-80, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu cerca de 4% ao ano em média. Desde então, no entanto, a média de crescimento anual tem sido inferior a 1% ao ano. É bem verdade que existe um setor da economia que continua a apresentar um desempenho substantivo em termos de crescimento da produtividade. O crescimento da produtividade agrícola nesse milênio tem posicionado o Brasil como líder mundial nessa área.
Instabilidade macroeconômica, um ambiente complexo para se fazer negócios e investir, as fragilidades do sistema educacional e do ecossistema de inovação no país são os fatores usualmente mencionados para explicar esse desempenho. A discrepância entre as metas de crescimento oficial para renda per capita associada com a ODS 8, no caso do Brasil (1,6% a.a. entre 2016-18 e 2,55% a.a. entre 2019-30) e a realidade das últimas décadas (no período 1980-2022, a taxa de crescimento da renda per capita brasileira foi de 0,7% a.a.) ilustra as dificuldades de se alavancar o crescimento econômico sem que ocorra um aumento significativo da produtividade do trabalho.
Um dos fatores estruturais por trás do desempenho medíocre da produtividade do trabalho no Brasil diz respeito ao tamanho do setor informal na economia. Uma das metas (8.3) da ODS 8 inclui incentivar a formalização do mercado de trabalho. No mundo, cerca de 2 bilhões de pessoas atuam no setor informal sem terem acesso a salários protegidos por legislações trabalhistas e sem participarem de sistemas de previdência social (cerca de 60% da força de trabalho). No caso brasileiro, o IBGE estimava que 46,4% da força de trabalho operava em 2022 sem carteira de trabalho ou por conta própria, uma proxy para o tamanho do setor informal.
Há uma extensa literatura sobre o papel do setor informal na economia. Uma vertente “romântica” considera o setor informal como uma reserva subutilizada de empreendedorismo. Os trabalhos de Hernan de Soto, por exemplo, capturam essa perspectiva argumentando que a diminuição dos custos para se fazer negócios no setor formal (burocracia, complexidade da legislação, impostos… ) e um acesso mais amplo a direitos de propriedade teriam um impacto significativo na formalização da economia. Uma outra vertente da literatura, porém, enfatiza o aspecto negativo do setor informal. A tese é de que as empresas informais atuam como “parasitas” do setor formal. Existem evidências de que a produtividade do trabalho de firmas no setor formal que enfrentam a competição de firmas informais é inferior àquela observada por empresas formais que não enfrentam esse tipo de competição.
Mas é o dualismo econômico que caracteriza economias em desenvolvimento que ilustra de forma evidente os desafios da informalidade. Nessas economias, o setor informal fornece bens e serviços de baixa qualidade para os segmentos mais pobres da população. A produtividade do trabalho no setor informal é uma fração daquela observada em empresas formais (no caso brasileiro, o valor adicionado por trabalhador em empresas informais é na média de cerca de 29% do valor observado em empresas formais) e dificilmente essas empresas se formalizam. Evidentemente a melhoria no ambiente de se fazer negócios ajudaria, mas não existem soluções mágicas. O crescimento econômico com estabilidade macroeconômica e o acesso à educação são variáveis críticas para a diminuição da informalidade no longo prazo.
* Carlos A. Primo Braga é atualmente Professor Associado da Fundação Dom Cabral, Brasil. Ele é também Professor Visitante do IMD, Suíça e do El Colégio de México. No período 2012-15, ele foi professor de Economia Política Internacional no IMD e Diretor do Evian Group@IMD. Anteriormente como funcionário do Banco Mundial (1991-2012), atuou como Representante Especial e Diretor para a Europa, Relações Externas (2011-12); Diretor, Política Econômica e Dívida (2008-2010); Vice-Presidente e Secretário Corporativo Interino do Grupo Banco Mundial (2010); Secretário Executivo Interino do Comitê de Desenvolvimento do FMI/Banco Mundial (2010); e Administrador do programa infoDev (1997-2001). Foi também “Fulbright Scholar” (1988-89) e professor visitante (1988-98) na Paul Nitze School of Advanced International Studies, The Johns Hopkins University; Professor Assistente de Economia, FEA/USP (1984-91); e pesquisador senior da FIPE, São Paulo. Ele tem títulos de Ph.D., Economia, University of Illinois at Urbana-Champaign (1984), Mestrado, Economia, USP (1980), e Engenharia Mecânica, ITA (1976).
**As opiniões expressas no artigo não necessariamente expressam a posição de NEO MONDO.