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ARTIGO
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Por – *Pedro Abel Vieira e *Antônio Márcio Buainain, especial para Neo Mondo
Com a previsão de atingir um recorde de 230 GW em instalações eólicas e solares em 2024, a China lidera o mercado global de energias renováveis, uma as principais fontes de crescimento da economia no país. A energia limpa foi escolhida como um dos vetores para manter o dinamismo da economia chinesa, que vem apresentando problemas desde que os setores que lideraram o crescimento local na ultima década apresentaram sinais de exaustão, em especial a construção civil. Em 2023 as atividades de energia limpa acrescentaram pouco mais de 2,2 pontos percentuais ao PIB, elevando a taxa de crescimento de três para 5,2%. Em 2023, o investimento chinês em energia limpa alcançou valor próximo ao investimento global em combustíveis fóssil, e o país tornou-se líder mundial em investimentos no exterior em energia renovável, notadamente na América Latina e no Caribe, a região com a maior concentração de projetos de geração de energia limpas de origem chinesa. Além dos investimentos na produção de energia limpa, a China caminha para se tornar o maior mercado de carros elétricos do mundo, e parte de seu sucesso agora está se espalhando para o exterior.
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As preocupações mundiais quanto aos planos energéticos da China vão muito além dos carros elétricos. Os EUA já manifestaram preocupação com a possibilidade de exportações baratas de energia limpa pela China, que poderiam ser impulsionadas pelo aumento da capacidade produtiva ociosa em relação ao consumo interno. Autoridades de outras grandes economias também se referem a uma potencial inundação global de produtos chineses dedicados à produção de energia limpa. São temores bem fundados porque não há dúvidas de que a China está à frente na capacidade tecnológica. E isso tem suscitado comentários sobre subsídios chineses para alavancar o setor na onda global da transição energética.
Ao que parece, não é apenas a China que tem lançado mão de subsídios e medidas protecionistas para promover o crescimento rápido das atividades associadas à energia limpa. Em meio à crescente preocupação com o avanço chinês, os Estados Unidos da América (EUA) aprovaram leis (Lei da Redução da Inflação e Lei CHIPS e Ciência) destinando subsídios para a produção local de produtos e equipamentos de energia limpa. Com o argumento de apoiar investimentos para combater a mudança climática e reduzir os custos com a saúde no país, a Lei de Redução da Inflação (IRA) destina incentivos fiscais, subvenções e garantias de empréstimos para reforçar a indústria de transformação nos EUA, notadamente as relacionadas às baterias. No caso da Lei de CHIPS, a intenção dos EUA é promover um ‘renascimento’ da indústria local de semicondutores reduzindo a dependência externa, notadamente de Taiwan, um território alvo de conflitos com a China. A União Europeia (UE) manifestou preocupação com o IRA alegando que EUA e UE são ‘parceiros com ideias semelhantes’. Além de se defender do IRA, a UE está preocupada com a China, notadamente o protagonismo mundial que os veículos elétricos chineses vêm ganhando. Coreia do Sul e Japão também implementaram ações próprias que incluem subsídios e incentivos para veículos elétricos e baterias. As principais empresas de baterias e semicondutores de ambos os países estão planejando novas fábricas nos EUA de modo a garantir os subsídios americanos indicando uma estratégia dupla que abrange os incentivos disponíveis no âmbito do IRA, ao mesmo tempo que implementam suas próprias políticas de subsídios nacionais para proteger setores-chave.
Qualquer avaliação econômica de custos e benefícios desses programas de subsídios enfrenta a dificuldade de contabilizar os resultados que não são estritamente econômicos. Existe o risco de os países, especialmente os EUA e a China, adotarem definições cada vez mais amplas do que constitui um setor estratégico, suscitando uma nova guerra global de subsídios no setor energético. Tanto pior para os países sem espaço fiscal para competir em setores ‘estratégicos’ como é o caso do Brasil. Por outro lado, o Brasil tem ativos importantes no setor da energia limpa, a ponto de ser considerado como a ‘potencia ambiental do planeta’, que o capacita a ser um ator importante na onda da transição energética.
Uma primeira observação para o Brasil quanto à estratégia chinesa de energia limpa é sustentabilidade ambiental. A produção e a utilização de energia limpa chinesa, a exemplo das células fotovoltaicas e das baterias, envolvem questões ambientais (mineração e reciclagem) ainda indefinidas. Essa é uma questão a ser explorada pelo Brasil, o país com a maior capacidade mundial de produzir energia a partir da biomassa atualmente. Não foi por acaso que, durante sua visita ao Brasil, a ministra Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, afirmou que o Brasil poderá ser líder global na geração de energia com hidrogênio verde(1), além dos biocombustíveis que são mais sustentáveis econômico e ambientalmente quando comparados às demais fontes energéticas da atualidade.
Nessa direção, o Brasil tem condições objetivas de ser uma liderança planetária na transição energética a partir da biomassa. O Brasil não é mais um país do futuro, mas um presente lastreado na ecologia e na energia renovável, afinal, produzir alimentos e energia que retiram carbono do ar, em importante meio para controlar os problemas climáticos, além de criar empregos e renda. É verdade que na substituição da energia suja pela limpa, em um primeiro momento, há destruição de empregos, mas, no final, o balanço é positivo. Estudo recente mostra que o Brasil já possui cerca de 1,2 milhão de empregos gerados por energias renováveis e que esse montante aumentará de modo exponencial com novos investimentos em agricultura cada vez mais sustentável, a exemplo da conjugação de lavoura, pecuária e floresta em uma mesma área. Adicionalmente, essas atividades estimulam a indústria, o comercio e os serviços, permitindo, a um só tempo, limpar a atmosfera, alimentar o mundo, produzir energia limpa, criar empregos e gerar renda de forma sustentável. Subsídios à energia limpa pode ser um problema para muitos países, porem, no caso do Brasil, pode ser uma oportunidade. Ainda não é possível estimar o quanto as commodities energéticas verdes poderão agregar à economia do país, contudo, é certo que o Brasil tem boas condições para a produção bioenergia que, cada vez mais, atrai a atenção de outros países. O interesse por bioenergia, que tem como principal característica um processo produtivo não danoso ao meio ambiente, aumentou ainda mais por conta do risco de segurança energética pelo qual passa o continente europeu no atual cenário de guerra.
É chegada a hora de o Brasil passar de coadjuvante para sujeito no contexto energético global. E isso exige uma definição clara do Estado brasileiro, em todos os segmentos, começando pela indústria automotora. Pode ser que a ‘invasão’ dos elétricos chineses tenha fôlego curto, mas não parece fazer sentido para o Brasil não optar pela tecnologia híbrida, tendo como base o biocombustível que já envolve três cadeias importantíssimas para a economia brasileira: a sucroenergética, a de grãos e proteína animal.
(1)-A transformação do gás hidrogênio em combustível demanda uma grande quantidade de energia que pode ser de diferentes ‘cores’, conforme a fonte de energia usada para produzi-lo. Há o hidrogênio cinza, produzido a partir de combustíveis fósseis, e o hidrogênio verde, produzido com fontes renováveis de energia a exemplo da biomassa.
*Antônio Marcio Buainain – professor no Instituto de Economia da Unicamp.
*Pedro Abel Vieira – pesquisador na Embrapa.