No país do Agropop tem gente com fome | Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo
Por – Juliana Arini, para Greenpeace Brasil / Neo Mondo
A ONU deve escutar os cientistas e fazer escolhas para garantir soberania alimentar e um planeta habitável. Ceder aos apelos do agronegócio só agrava a fome, a desigualdade e a emergência climática
“0” é o principal compromisso da Cúpula de Sistemas de Alimentos (Food Systems Summit, ou UNFSS, sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas, ONU. A reunião integra parte da “década de ação” da ONU para atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e enfrentar conjuntamente as crises de pobreza, desigualdade e mudanças climáticas – causada pela emissão de gases que aquecem o planeta devido a queima de combustíveis fósseis, sobretudo nas atividades econômicas humanas.
O último desses encontros aconteceu entre 23 e 24 de setembro, em Nova Iorque, EUA. Mas, ao invés de atacar a raiz do problema, a Cúpula desperdiçou um excelente oportunidade de atuar para resolver a fome e a crise climática. Durante a reunião as promessas de pecuária sustentável e o aumento da monocultura, bases do atual sistema perverso que estimula o crescimento exponencial da fome, estiveram onipresentes na maioria dos discursos posando como soluções mágicas.
As garantias de que o mesmo sistema que nos levou ao atual cenário de fome arcará com os custos das soluções foram pouco debatidas. Dúvidas compartilhadas pelos principais cientistas do campo da alimentação do mundo, e, também, por grande parte dos movimentos sociais.
Não é de se surpreender que a porta-voz das promessas de uma nova pecuária “sustentável” e do aumento de produção com base em tecnologia foi Thereza Cristina Corrêa da Costa, a ministra brasileira da agricultura e pecuária. Em sua fala na ONU, Tereza Cristina anunciou a construção da Coalizão sobre Crescimento Sustentável da Produtividade, uma aliança entre Brasil e EUA.
Avião lança agrotóxicos sobre plantação em Riachão das Neves. Esta região é conhecida como “Anel da Soja”, e reúne diversas fazendas, processadoras e centros de distribuição de soja e corta os municípios de Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto e Barreiras, no Cerrado do oeste baiano – Foto: Divulgação
A ministra esqueceu de mencionar que esse sistema “sustentável” de aumento da produção agropecuária é regado a veneno. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Apenas na gestão de Tereza Cristina foram liberadas mais de 967 substâncias antes proibidas. O Lobby dessas empresas no Brasil é tão forte que o país pretende aprovar mais flexibilização de novas substâncias tóxicas, o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno é uma das Leis que pode ser votada a qualquer momento.
Para os países agrários do Hemisfério Sul, o modelo atual de produção agroexportadora de commodities também significa a destruição da auto suficiência alimentar doméstica, a chamada soberania alimentar. A grande maioria dos agricultores familiares acabam engolidos por um sistema voltado para exportações de commodities – quando o que deveria ser comida vira produto do mercado financeiro. Muitos são impedidos de vender sua produção por falta de incentivos para se produzir e consumir localmente. Um exemplo disso no Brasil foi o recente veto presidencial ao PL 823/21, que servia de apoio à agricultura familiar.
Agroecologia e soberania alimentar
Sem transformar o atual sistema em uma nova agricultura é impossível lutar contra a erradicação da fome e enfrentar as mudanças climáticas. Precisamos apoiar uma produção de alimentos promovida pelos agricultores familiares, livre de veneno e com sistemas tradicionais de cultivo de sementes nativas. Uma produção que garanta soberania alimentar a todos e que reduza os impactos ambientais que estão nos empurrando para uma grave crise climática.
Os movimentos sociais também exigiram que a Cúpula integre outros modelos de produção de alimentos no combate à fome. O encontro resultou em um documento com nove demandas por alimentos e direitos para todos os povos.
“O retorno a uma agricultura baseada na diversidade e com sementes nativas é a grande transformação que se espera nas lutas contra a fome, a crise ambiental e a climática. Algo que apenas a agroecologia, principalmente a praticada pela agricultura familiar, pode garantir, e não a indústria de alimentos e o agronegócio, que até hoje só agrava esses problemas”, afirma Adriana Charoux, coordenadora da campanha “Agroecologia contra a Fome”, do Greenpeace Brasil.
É a agroecologia e não o agronegócio a solução para as atuais crises da fome e do clima. Se seguirmos ignorando essa verdade, o nosso legado será deixar o planeta ardendo enquanto crianças e velhos seguem na fila por restos e ossos.