Agricultura de alto rendimento movida a ciência
O que sustenta a agricultura de alto rendimento é o uso correto das tecnologias geradas e recomendadas pela pesquisa agropecuária brasileira, não importando o tamanho e o negócio da propriedade.
Por Sérgio Abud e Breno Lobato*, especial para NEO MONDO
É inegável: por trás dos resultados dos campeões de produtividade em grãos e fibras do Brasil existe a adoção de um conjunto de boas práticas agrícolas que envolvem gestão e manejo. E quem gera as tecnologias embarcadas nessas práticas, que garantem alta eficiência agronômica do preparo do solo à colheita, é a pesquisa científica conduzida pela Embrapa e outras instituições brasileiras.
Em algumas regiões do País, há grandes perdas devido à baixa eficiência climática anual, caracterizada pela menor disponibilidade de água. Mas quando se fala nos campeões de produtividade, constata-se uma alta eficiência agronômica. Isso porque esses produtores investem mais em tecnologia, obtendo altas produtividades e elevado lucro mesmo em condições menos favoráveis.
Tomando-se a cultura da soja como exemplo nesta discussão, a atual média colhida em áreas comerciais conduzidas com alta tecnologia está acima de 90 sacas por hectare (sc/ha). A média brasileira, por outro lado, é pouco mais de 50 sc/ha, ou seja, cerca de 40 sc/ha a menos, devido não apenas aos fatores climáticos, mas também a alguns aspectos da gestão e do manejo das lavouras.
A eficiência agronômica está relacionada a tudo o que o produtor faz na lavoura. Ele deve usar todas as tecnologias disponíveis para garantir os componentes de rendimento, ou seja, muitos grãos com peso elevado, no caso da soja. Assim, se cada produtor melhorasse a eficiência agronômica, a média nacional de produtividade seria tranquilamente aumentada. E se o ano agrícola tiver alta eficiência climática, a produtividade seria melhor ainda.
Modelos matemáticos estimam que uma lavoura de soja poderia alcançar produtividade de 250 sc/ha. Essa seria a produtividade potencial da cultura, num cenário em que todas as variáveis – água, nutrientes, radiação solar, temperatura, genética, arranjo de plantas etc – estariam controladas.
Até o momento, a produtividade máxima em soja alcançada por um produtor foi de 192 sc/ha nos Estados Unidos, sendo que no Brasil foi de 150 sc/ha, cerca do triplo da média nacional. Esses valores têm a ver, principalmente, com a disponibilidade de água para as plantas. No Brasil, esse fator é regulado pelos anos de El Niño, de La Niña e anos neutros, que determinam quando e o quanto vai chover.
Mesmo na estação de chuva, ocorrem períodos sem precipitações (os veranicos), cuja duração pode variar de uma região para outra. Dependendo da capacidade de armazenamento de água no solo, o veranico pode ser muito limitante. Num solo sem impedimentos físicos, quimicamente bem construído, com alta qualidade biológica e profundidade, essa capacidade será maior e a planta poderá suprir sua necessidade de água.
Mesmo com a irrigação, que pode eliminar a limitação de água, há fatores redutores no manejo da lavoura, como a escolha da variedade adaptada à condição irrigada e o manejo da área, que contempla o manejo da irrigação e do solo.
No caso do produtor de sequeiro, a intensidade do uso de tecnologias influencia diretamente a produtividade. Portanto, assim como na agricultura irrigada, o manejo da cultura é um fator que, se negligenciado, reduz a produtividade.
Os campeões de produtividade sabem disso e se atentam especialmente a quatro pilares do manejo que contribuem para os altos rendimentos: a construção e manutenção do perfil do solo, o uso de cultivares geneticamente adaptadas, o adequado arranjo de plantas e o desenvolvimento de plantas produtivas até o final do ciclo da cultura.
Construção do perfil do solo
Em grande parte do território brasileiro, os solos são rasos, com sistema radicular muito superficial. Poucos dias sem chuva podem indisponibilizar a água para a planta, causando o déficit hídrico e reduzindo a produtividade. A construção e manutenção do perfil do solo proporciona um ambiente de alta qualidade química, física e biológica, permitindo o aprofundamento das raízes das plantas, estratégia fundamental para o desenvolvimento das culturas e o enfrentamento dos períodos com limitação de água.
Para construir o perfil do solo, os produtores dispõem de uma série de tecnologias para correção do solo e disponibilização de macro e micronutrientes para as plantas. A correção do solo é feita com o calcário e o gesso agrícola, que auxilia na melhoria do perfil do solo e no aprofundamento das raízes. Para evitar a compactação ou impedimento físico do solo, que dificulta o aprofundamento do sistema radicular da cultura, deve ser usado um mix de plantas de cobertura que fornecem palhada para cobrir o solo e raízes para estruturá-lo.
O uso de plantas de cobertura, entre elas o capim braquiária, vai garantir a construção do perfil do solo com boa disponibilidade de macro e de microporos, descompactando o solo e proporcionando maior penetração das raízes e maior absorção de água e nutrientes. Isso permite que o metabolismo da planta funcione bem, de modo que ela se desenvolva e produza muitos grãos pesados.
A tecnologia da Integração Lavoura-Pecuária (ILP), adotada por cada vez mais produtores, tem proporcionado esses benefícios. Com o uso do capim junto com o milho, a produtividade da safra de soja subsequente tem aumentado em mais de 10 sc/ha, segundo pesquisas na área.
Essas medidas aportam matéria orgânica ao solo, o que permite à biomassa microbiana criar um ambiente mais propício para o equilíbrio dos microrganismos do solo. Quando se melhora a disponibilidade e a biodiversidade desses organismos, a competição entre eles pode inibir a multiplicação de fungos, bactérias e nematoides causadores de prejuízos às plantas.
Escolha da semente
Os produtores de alto rendimento têm escolhido sementes com genética adequada ao ambiente de produção. A Embrapa e outras instituições, por meio dos programas de melhoramento genético, desenvolvem cultivares com alta adaptabilidade e estabilidade de produção nos diversos ambientes e aos diferentes tipos e características de solo do Brasil.
A pesquisa já disponibilizou variedades resistentes a determinados nematoides, por exemplo. Essas variedades também podem ser geneticamente resistentes a doenças como a ferrugem asiática da soja, além de serem menos preferenciais para alguns insetos-pragas, como a soja Block, tolerante a percevejos. Há, ainda, materiais genéticos com genes específicos, como o RR (Roundup Ready) e o Bt (extraído da bactéria Bacillus thuringiensis). Pode-se dizer, portanto, que a semente é como um chip, com diversas tecnologias embarcadas.
Além de melhorada geneticamente, a semente deve ter alto vigor e alta capacidade de germinação. O vigor ajuda no arranque inicial da planta e proporciona o desenvolvimento rápido das raízes e da parte aérea, além de maior acúmulo de matéria seca logo no início da lavoura.
Arranjo de plantas
Os altos rendimentos são obtidos com o plantio de sementes devidamente tratadas com agrodefensivos que assegurem a germinação e o desenvolvimento da plântula. No caso da soja, a semente deve ser inoculada com um rizóbio (bactéria fixadora de nitrogênio), tecnologia da Embrapa que garante a produção sem o uso de adubação nitrogenada, reduzindo custos. Também podem ser adicionadas, no processo chamado coinoculação, bactérias do gênero Azospirillum, indutoras de enraizamento.
Antes do plantio, os recordistas de produtividade observam a população de plantas recomendada para a variedade. Ela é determinada pelo obtentor da genética da semente, de modo a garantir uma arquitetura de planta que facilite os tratos culturais.
Esses produtores utilizam plantadeiras que garantem uniformidade na distribuição vertical (em profundidade) e horizontal (entre as sementes), evitando a competição entre plantas e garantindo a plantabilidade para a definição do arranjo de plantas.
Um dos problemas nessa etapa é a alta velocidade das plantadeiras, que pode interferir na distribuição espacial das sementes. Essa velocidade pode variar com o modelo e com a distribuição que o equipamento permite, e de acordo com as características da topografia e da palhada do solo.
É importante lembrar que o plantio deve ser em solo com umidade adequada, observando-se as datas de semeadura com menor risco climático. Plantar no solo seco ou “no pó” pode interferir no vigor, na germinação, e, consequentemente na população de plantas, reduzindo a produtividade.
Desenvolvimento de plantas produtivas
Para que a planta se desenvolva até o final do ciclo e com alta produtividade, os produtores de alto rendimento adotam medidas para proteger a parte aérea. Assim, as folhas conseguem finalizar a translocação dos compostos produzidos na fotossíntese para os grãos no estágio de enchimento, garantindo-lhes maior peso e teor de proteína e óleo desejáveis.
Dentre as práticas protetivas, o controle de plantas invasoras evita a competição por água, nutrientes e luz com as plantas da cultura. O produtor de alto rendimento faz o manejo integrado e rotacionado, de preferência com planta de cobertura, não deixando o solo no pousio. As plantas de cobertura na ILP competem com a planta daninha, inibindo seu desenvolvimento e reduzindo o uso de herbicidas.
Outra medida é manejar insetos-pragas na lavoura, que se alimentam da raiz, do caule, das hastes, das vagens e das folhas. Entre os principais insetos, destacam-se a mosca branca, que além de sugar a seiva das plantas também transmite viroses; as lagartas, que causam desfolhas; e os percevejos, que sugam os grãos, causando prejuízos.
Para controlá-los, os produtores utilizam o Manejo Integrado de Pragas, recomendado pela Embrapa. A prática alia todas as possíveis táticas de manejo, como a eliminação de alimentos para as pragas na entressafra; uso de cultivares de menor predileção por parte dos insetos-pragas; variedades geneticamente modificadas; e controle biológico, com insetos predadores e parasitoides, além de vírus, fungos e bactérias que causam doenças nos insetos-pragas, sem afetar os seres humanos. Além dessas práticas, quando necessário, são aplicados inseticidas, preferencialmente os que causam menor impacto ao meio ambiente.
Há ainda um complexo de doenças que comprometem as raízes, folhas, hastes e os grãos. No caso da lavoura de soja, a doença com maior potencial de dano é a ferrugem asiática, foco de grande parte dos produtos desenvolvidos no mercado. Mas os recordistas de produtividade atentam para o controle de todo o complexo de doenças, não se restringindo à ferrugem asiática.
Observa-se que nas áreas de altas produtividades os produtores se preocupam com a proteção de toda a planta, incluindo o terço inferior (ou baixeiro), onde são produzidos 20% ou mais dos grãos. O baixeiro da planta proporciona um microclima favorável ao desenvolvimento de doenças que resultam na desfolha e na consequente redução da produtividade.
Uma recomendação seguida por esses produtores é de que toda pulverização deve ser feita com alta tecnologia de aplicação, que garante a correta deposição dos produtos fitossanitários no alvo, na quantidade necessária e de forma econômica, com o mínimo de contaminação de outras áreas devido à deriva dos produtos.
No caso da cultura da soja, observados esses quatro pilares, há ainda uma última questão: a dessecação pré-colheita deve ser feita quando a maioria das plantas estiver madura, com as folhas amareladas, quando há uma infestação de plantas daninhas no final do ciclo ou quando ocorrer retenção de folhas verdes. Nesses casos, a dessecação vai uniformizar a lavoura e facilitar a colheita. É uma prática interessante, mas que não deve ser feita muito cedo, pois jogar folhas verdes no chão é como provocar uma doença nas plantas, causando perda de produtividade.
Fica evidente, portanto, que não há segredo para o sucesso nas lavouras de grãos e fibras. O que sustenta a agricultura de alto rendimento é o uso correto das tecnologias geradas e recomendadas pela pesquisa agropecuária brasileira, não importando o tamanho e o negócio da propriedade.
Com o uso de alta tecnologia, os recordistas de produtividade no Brasil têm reduzido os desperdícios e obtido rentabilidade, alcançando quase um real de lucro para cada real aplicado na lavoura. Além disso, eles têm garantido a sustentabilidade do negócio, poluindo menos o meio ambiente e contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do País e a segurança alimentar mundial.
* Sérgio Abud é biólogo, supervisor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados