• Opini�o

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    Editorial: 1964

    30/03/2014 03h00

    O regime militar (1964-1985) tem sido alvo de merecido e generalizado rep�dio. A consolida��o da democracia, nas �ltimas tr�s d�cadas, torna ainda mais not�ria a viol�ncia que a ditadura representou.

    Viol�ncia contra a popula��o, privada do direito elementar ao autogoverno. E viol�ncia contra os opositores, perseguidos por mero delito de opini�o, quando n�o presos ilegalmente e torturados, sobretudo no per�odo de combate � guerrilha, entre 1969 e 1974.

    Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade –o socialismo revolucion�rio e a economia de mercado. Polarizadas, as for�as engajadas em cada lado sabotavam as f�rmulas intermedi�rias e a pr�pria confian�a na solu��o pac�fica das diverg�ncias, essencial � democracia representativa.

    A direita e parte dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e impuseram um governo ileg�timo. Alegavam fazer uma contrarrevolu��o, destinada a impedir seus advers�rios de implantar ditadura ainda pior, mas com isso detiveram todo um impulso de mudan�a e participa��o social.

    Parte da esquerda for�ou os limites da legalidade na urg�ncia de realizar, no come�o dos anos 60, reformas que tinham muito de demag�gico. Logo ap�s 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos advers�rios, uma ditadura comunista no pa�s.

    As responsabilidades pela espiral de viol�ncia se distribuem, assim, pelos dois extremos, mas n�o igualmente: a maior parcela de culpa cabe ao lado que imp�s a lei do mais forte, e o pior crime foi cometido por aqueles que fizeram da tortura uma pol�tica clandestina de Estado.

    Isso n�o significa que todas as cr�ticas � ditadura tenham fundamento. Realiza��es de cunho econ�mico e estrutural desmentem a no��o de um per�odo de estagna��o ou retrocesso.

    Em 20 anos, a economia cresceu tr�s vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunica��es se ampliou e se modernizou. A infla��o, na maior parte do tempo, manteve-se baixa.

    Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a taxa de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965, caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais at� chegar a 15,3 em 2011).

    No atendimento �s demandas de sa�de e educa��o, contudo, a ditadura ficou aqu�m de seu desempenho econ�mico.

    Sob um aspecto importante, 1964 n�o marca uma ruptura, mas o prosseguimento de um rumo anterior. Os governos militares consolidaram a pol�tica de substitui��o de importa��es, via prote��o tarif�ria, que vinha sendo a principal alavanca da industrializa��o induzida pelo Estado e que permitiu, nos anos 70, instalar a ind�stria pesada no pa�s.

    A economia se diversificou e a sociedade n�o apenas se urbanizou (metade dos brasileiros vivia em cidades em 1964; duas d�cadas depois, eram mais de 70%) mas tamb�m se tornou mais din�mica e complexa. Metr�poles cresceram de modo desordenado, ensejando problemas agudos de circula��o e seguran�a.

    O regime passou por fases diferentes, desde o surto repressivo do primeiro ano e o interregno moderado que precedeu a ditadura desabrida, brutal, da passagem da d�cada, at� uma demorada abertura pol�tica, iniciada dez anos antes de sua extin��o formal, em 1985.

    As crises do petr�leo e da d�vida externa desencadearam desarranjos na economia, logo traduzidos em perda de apoio, inclusive eleitoral. O regime se tornara estreito para uma sociedade que n�o cabia mais em seus limites. Dissolveu-se numa transi��o negociada da qual a anistia rec�proca foi o alicerce.

    �s vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vig�ncia, tornando-se um dos ve�culos mais cr�ticos na metade seguinte. N�o h� d�vida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro.

    Este jornal deveria ter recha�ado toda viol�ncia, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais.

    � f�cil, at� pusil�nime, por�m, condenar agora os respons�veis pelas op��es daqueles tempos, exercidas em condi��es t�o mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevit�vel naquelas circunst�ncias.

    Visto em perspectiva, o per�odo foi um longo e doloroso aprendizado para todos os que atuam no espa�o p�blico, at� atingirem a atual maturidade no respeito comum �s regras e na ren�ncia � viol�ncia como forma de lutar por ideias. Que continue sendo assim.

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