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    Protestos precisam mais do que multid�es para ter sucesso, diz Occupy

    GIULIANA VALLONE
    DE NOVA YORK

    25/05/2015 12h47

    Atrair milh�es de pessoas para as ruas j� n�o garante o sucesso de um protesto, avalia Micah White, 33, um dos articuladores do Occupy Wall Street. Criado em 2011 em Nova York, nos Estados Unidos, o movimento n�o conseguiu sustentar o impulso depois de acender o debate sobre a desigualdade econ�mica no pa�s.

    Quase quatro anos depois do acampamento no parque Zucotti, ao lado do centro financeiro da cidade, White – que prepara-se para lan�ar, em 2016, o livro "The End of Protest" (O Fim do Protesto) – afirma que a luta contra o "1% mais risco" n�o funcionou porque se baseou em princ�pios ultrapassados.

    "O Occupy foi um exemplo perfeito de como os movimentos deveriam funcionar de acordo com as teorias dominantes sobre protesto e ativismo. E ainda assim, falhou", diz, em entrevista � Folha.

    Divulga��o
    Micah White, articulador do Occupy Wall Street
    Micah White, articulador do Occupy Wall Street

    White defende que o uso de viol�ncia em protestos � eficaz, mas apenas no curto prazo. E afirma que aprender a usar as redes sociais a favor dos movimentos � um dos maiores desafios do ativismo. "O maior risco � nos tornarmos espectadores dos nossos pr�prios protestos", diz.

    Vivendo em uma comunidade rural com cerca de 300 habitantes no Estado de Oregon, White tem hoje uma consultoria para movimentos sociais, cujo lema � "n�s vencemos as causas perdidas."

    Ele estar� no Brasil nesta ter�a-feira (26) para participar de evento de lan�amento da ag�ncia de comunica��o GUME. Leia os principais trechos da entrevista:

    *

    Folha - Como voc� analisaria o Occupy Wall Street hoje? O que deu errado?

    Micah White - Essa � a grande quest�o e � claro que venho pensando nisso desde o fim do Occupy. Para mim, ele foi fracasso construtivo, o que significa basicamente que foi um fracasso, mas nos ensinou algo sobre ativismo.

    Para mim, o real benef�cio do Occupy Wall Street � que ele nos ensinou que as ideias contempor�neas e as suposi��es que temos sobre protestos s�o falsas. O Occupy foi um exemplo perfeito de como os movimentos deveriam funcionar de acordo com as teorias dominantes sobre protesto e ativismo: foi um evento hist�rico, uniu milh�es de pessoas ao redor do mundo, de todos os tipos, em torno de uma s�rie de demandas, n�o havia viol�ncia. E ainda assim, falhou. Ent�o a minha maior conclus�o � que o ativismo tem sido baseado numa s�rie de suposi��es falsas sobre que tipo de comportamentos gera mudan�as.

    Que suposi��es s�o essas?

    Em primeiro lugar, a ideia central do ativismo contempor�neo: protestos urbanos, com grande n�mero de pessoas nas ruas, primariamente seculares, e que giram em torno de uma ideia ou demanda unificada. Essa ideia de: "Olha, se conseguirmos um milh�o, ou dez milh�es ou cem milh�es de pessoas nas ruas, finalmente vamos conseguir fazer com que as nossas demandas sejam atendidas." Se voc� olhar para os �ltimos dez, quinze anos, n�s tivemos os maiores protestos da hist�ria. E eles continuam crescendo em tamanho e frequ�ncia, mas n�o resultaram em mudan�a pol�tica.

    Como fazer, ent�o?

    O que aprendemos com o Occupy, e tamb�m com a Primavera �rabe, � que as revolu��es acontecem quando as pessoas perdem o medo. Ent�o eu acho que o principal gatilho para o movimento revolucion�rio � um tipo de energia contagiosa que se espalha pelo mundo e pela comunidade.

    Para mim, a principal coisa que vamos ver � as pessoas abandonando uma certa explica��o materialista da revolu��o, a ideia de que precisamos colocar as pessoas nas ruas, e come�ando a pensar em como espalhar esse tipo de energia, como enxergar o mundo de forma fundamentalmente diferente. � sobre isso, n�o sobre pressionar os nossos pol�ticos por meio de espet�culos p�blicos sincronizados.

    N�o � sobre pressionar os pol�ticos?

    N�o. Eu acho que o protesto se tornou parte do padr�o da pol�tica. � como se eles fossem esperados. E a chave � inovar constantemente o jeito de protestar porque, nesse momento, � como se eles fossem parte do roteiro. � esperado ter as pessoas nas ruas, e elas v�o se comportar de um certo jeito, e a� os policiais v�o aparecer e eles ser�o presos. � um padr�o, baseado na no��o falsa de que quanto mais gente voc� tem, mais chances de conseguir mudar algo.

    Pode explicar melhor o que est� propondo?

    O que eu estou propondo � um tipo de ativismo que se concentre em criar uma mudan�a mental nas pessoas. Basicamente, uma epifania. Em termos concretos, acho que h� muito potencial na cria��o de partidos pol�ticos populares, exigir comportamentos mais complexos das pessoas, como concorrer a um cargo pol�tico, buscar votos, participar da administra��o da cidade.

    O uso das redes sociais � bastante controverso entre os ativistas contempor�neos. Alguns dizem que � uma ferramenta fundamental para aumentar o alcance dos protestos, outros dizem que isso exp�e demais o movimento –especialmente para as autoridades. Qual a sua opini�o?

    Esse � um dos desafios fundamentais. As m�dias sociais s�o uma das ferramentas que os ativistas t�m, e � preciso us�-las de alguma maneira. Mas, de fato, isso tem um lado negativo, que vai al�m do monitoramento da pol�cia.

    Durante o Occupy, n�s vivenciamos isso: as coisas come�aram a parecer melhores nas redes sociais do que na vida real. Ent�o as pessoas come�aram a privilegiar as m�dias sociais e a se sentir mais confort�veis escrevendo no Twitter e no Facebook do que indo a um evento do Occupy. Esse para mim � o maior risco: nos tornarmos espectadores dos nossos pr�prios protestos.

    O que acha dos protestos que est�o acontecendo nos Estados Unidos desde o ano passado, fruto da tens�o racial no pa�s?

    � claro que eu apoio totalmente esse movimento, eu sou negro, passei pelas coisas de que eles est�o tratando a minha vida toda. Mas pensando de modo estrat�gico, acho que � muito importante nunca protestar diretamente contra a pol�cia. Porque a pol�cia �, na verdade, feita para isso –para que voc� proteste contra os agentes e deixe em paz as partes mais sens�veis do regime repressivo em que vivemos, os pol�ticos e as grandes corpora��es. � preciso protestar de forma mais profunda.

    O que voc� acha do uso da viol�ncia em protestos?

    H� estudos que sugerem que manifestantes que usam viol�ncia s�o mais eficazes do que aqueles que n�o usam. Eu acho que ela � efetiva, mas s� no curto prazo, porque voc� acaba desenvolvendo um tipo de estrutura organizada em que � f�cil a pol�cia se infiltrar. No longo prazo, � muito melhor desenvolver t�ticas n�o-violentas que permitem voc� crie um movimento social est�vel e duradouro.

    Mas a viol�ncia n�o afasta a opini�o p�blica dos movimentos?

    As pessoas se alienam e ficam amedrontadas quando veem a t�tica black bloc porque n�o entendem e nem conseguem se imaginar fazendo isso. E os movimentos funcionam quando inspiram as pessoas, quando s�o positivos, afirmativos e fazem as pessoas perderem seus medos.

    � um equil�brio dif�cil, porque voc� tamb�m n�o quer estar do outro lado e s� apoiar formas de ativismo que sejam mornas e tediosas –voc� tem que achar um meio termo que excite as pessoas e tamb�m as deixe com um pouco de medo. Ningu�m realmente tem uma solu��o para resolver o problema.

    Seu livro ["The End of Protest"] decreta o fim do protesto como conhecemos. � poss�vel reinvent�-lo?

    Ele � reinventado o tempo todo. Toda gera��o vivencia seus pr�prios momentos de revolu��o. A principal coisa que estamos vivendo agora � que as inova��es t�ticas est�o acontecendo com muito mais frequ�ncia, porque as pessoas podem observar o que as outras est�o fazendo ao redor do mundo e inovar em tempo real.

    Acho que esse processo come�a com as pessoas prometendo a si mesmas que nunca v�o protestar da mesma forma duas vezes. Isso � bem dif�cil para ativistas, porque eles gostam de seguir padr�es. Mas uma vez que n�s estejamos comprometidos com a inova��o, vamos ver formas totalmente novas de protestar. As pessoas n�o esperavam ver algo como o Occupy quando ele surgiu. Tamb�m n�o esperamos o pr�ximo grande movimento, mas ele vir�.

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