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    Guerra Fria surgiu da disputa por dom�nio mundial ap�s 1945

    IAGO BOL�VAR
    da Folha Online

    06/11/2009 09h26

    Materializada com o passar dos anos no Muro de Berlim, nas cercas da fronteira ocidental da Tchecoslov�quia e na corrida armamentista, a divis�o do mundo em dois lados rivais durante metade do s�culo 20 foi sendo percebida aos poucos pelo p�blico em geral, enquanto a rec�m-encerrada Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e suas consequ�ncias imediatas ainda concentravam muitas das aten��es.

    Mas alguns enxergaram logo que os aliados que se uniram para derrotar a Alemanha nazista inevitavelmente come�ariam a disputar o dom�nio do mundo que emergira do conflito. E essa vis�o, com as a��es que demandava, tamb�m alimentou o distanciamento.

    Winston Churchill, o ent�o ex-primeiro-ministro que assumira o poder no in�cio dos anos 40 com a determina��o de enfrentar Adolf Hitler, depois de anos de pol�tica pacifista de Neville Chamberlain, foi o mais expl�cito em mais uma vez apontar o dedo para o inimigo. Em um discurso nos Estados Unidos em 1946, ele tentou despertar os aliados americanos para a realidade que enxergava: um mundo partido ao meio.

    Governo Americano
    Churchill, Roosevelt e St�lin discutem o futuro da Europa na Confer�ncia de Ialta, meses antes do fim da Segunda Guerra
    Churchill, Roosevelt e St�lin discutem o futuro da Europa na Confer�ncia de Ialta, meses antes do fim da Segunda Guerra

    "De Stettin no B�ltico a Trieste no Adri�tico, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atr�s dessa linha est�o todas as capitais dos antigos estados da Europa Central e Oriental. Vars�via, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e S�fia, todas estas cidades famosas e as popula��es em torno delas se encontram no que devo chamar a esfera sovi�tica, e todas est�o sujeitas, de uma forma ou de outra, n�o s� � influ�ncia sovi�tica, mas a um muito elevado e, em muitos casos, crescente controle de Moscou", discursou Churchill.

    As declara��es foram uma das seguidas tentativas de Churchill de chamar a aten��o do parceiro transatl�ntico, que planejara desmobilizar em dois anos as tropas enviadas � Europa, ceder � ex-Uni�o sovi�tica a primazia pol�tica sobre o Leste Europeu e se desvencilhar rapidamente de um conflito para o qual fora arrastado a milhares de quil�metros de seu territ�rio.

    EUA

    Ainda durante a guerra, quando a derrota dos nazistas era vista como cada vez mais prov�vel, o presidente americano resumira sua posi��o nas confer�ncias dos aliados para decidir o que fazer ap�s o conflito de uma forma que desesperava o primeiro-ministro brit�nico, para quem a amea�a sovi�tica chegava cada vez mais perto do seu pa�s.

    "Eu acho que se eu lhe der [ao ditador sovi�tico Joseph St�lin] tudo o que possa sem pedir nada em troca, 'noblesse oblige', ele n�o tentar� anexar nenhum territ�rio e trabalhar� comigo em favor de um mundo de democracia e paz", disse Franklin Delano Roosevelt, sobre as futuras negocia��es para definir o mapa da Europa.

    O presidente dos EUA via muito da tradi��o imperial brit�nica nas tentativas de Churchill de manter a guerra latente, mas a inflexibilidade sovi�tica nas negocia��es e a recusa sovi�tica em realizar elei��es de modo ocidental --"livres", para os americanos, "burguesas para St�lin-- na Pol�nia fizeram-no mudar seu entendimento poucos dias antes de morrer, em 1945: "Ele [St�lin] quebrou todas as promessas feitas em Ialta".

    Para St�lin, as negocia��es definiam muito da sobreviv�ncia da ex-Uni�o Sovi�tica. O pa�s fora o que mais sofrera baixas durante a guerra --cerca de 20 milh�es de mortos-- e a presen�a de um cintur�o de conten��o entre seu pa�s e a Europa ocidental era considerada vital desde o czarismo. Havia pouco mais de um s�culo, Napole�o tentara o mesmo que Hitler e avan�ara contra a R�ssia imperial.

    St�lin e Churchill tamb�m perceberam com anteced�ncia que as formas de organiza��o social e econ�mica dos aliados de leste e oeste eram, por natureza, antag�nicas, e que a mensagem de universalismo que o capitalismo liberal e o comunismo de Estado incorporavam n�o seria contida em um acordo de cavalheiros.

    Amea�a comunista

    No curso das negocia��es, a posi��o dos aliados ocidentais acabou se invertendo, enquanto a sovi�tica permanecia firme. Churchill foi derrotado nas elei��es de 1945 pelos trabalhistas, ansiosos pela paz e convencidos de que as d�vidas do pa�s tornavam necess�rio um trabalho de reconstru��o, sem preocupa��es b�licas como prioridade. Enquanto isso, a morte de Roosevelt levou � Presid�ncia americana seu vice, Harry Truman, que foi sendo convencido da amea�a comunista e partiu para a a��o.

    Um dos pontos seminais da inflex�o americana foi o que ficou conhecido como "longo telegrama", escrito pelo embaixador dos EUA na Uni�o Sovi�tica. Ele via uma "preocupa��o neur�tica" do Kremlin com a seguran�a e uma perseveran�a em expandir o comunismo e o controle do pa�s para al�m do Leste Europeu, aproveitando o processo de descoloniza��o que se divisava.

    8.jan.1951/AP
    Truman defende Guerra da Coreia; ele se empenhou em evitar expans�o do comunismo
    Truman defende Guerra da Coreia; ele se empenhou em evitar expans�o do comunismo

    "Em dire��o �s �reas coloniais e aos povos dependentes, a pol�tica sovi�tica, mesmo no plano oficial, ser� direcionada para o enfraquecimento do poder e da influ�ncia e contatos dos pa�ses ocidentais avan�ados, e, na suposi��o de que essa pol�tica seja bem sucedida, ser� criado um v�cuo, que vai favorecer a penetra��o comunista sovi�tica", escreveu o diplomata americano George Frost Kennan, em 22 de fevereiro de 1946. "Elementos 'democratas progressistas' no exterior ser�o utilizados ao m�ximo para fazer press�o sobre os governos capitalistas em linhas agrad�veis aos interesses sovi�ticos."

    � medida que a influ�ncia sovi�tica sobre os pa�ses ocupados pelo Ex�rcito Vermelho se mostrava n�o de hegemonia, mas de controle estrito, com elimina��o de advers�rios e constitui��o de regimes-t�teres, os EUA come�aram a agir tendo em vista um rival poderoso e potencialmente beligerante.

    Reconstru��o

    Truman lan�ou uma estrat�gia de reconstru��o da Europa por meio de financiamentos americanos --o Plano Marshall--, que foi rejeitado pelos pa�ses do leste sob press�o sovi�tica, ordenou a acelera��o do programa nuclear, em uma �poca em que s� os EUA possu�am bombas at�micas e manteve tropas e bases nos pa�ses da Europa ocidental. Ao mesmo tempo, os americanos come�aram a press�o contra elementos vistos como potenciais agentes do poder sovi�tico, como o Partido Comunista da It�lia.

    Em mar�o de 1947, o presidente enviou ao Congresso uma mensagem que ficaria conhecida como "doutrina Truman", vista por muitos como uma declara��o formal de um novo conflito, uma guerra mundial de baixa intensidade que logo ganhou o nome de Guerra Fria.

    "Eu acredito que deva constituir a pol�tica dos Estados Unidos apoiar os povos livres que estejam resistindo �s tentativas de sujei��o por minorias armadas ou press�o externa", escreveu o presidente. "N�s devemos ajudar os povos livres a seguir seus pr�prios destinos da maneira que escolherem."

    Impl�cita na mensagem estava a ideia de que a escolha pelo comunismo estava vetada por constituir, em si, uma press�o dos grupos identificados como ileg�timos.

    Seja pelo cansa�o da guerra, pela falta de recursos humanos e materiais na Europa ou pela deten��o nuclear -os sovi�ticos conseguiram sua pr�pria bomba at�mica em 1949-- as divisas da Segunda Guerra foram respeitadas, e a "cortina de ferro", separou as fronteiras dos pa�ses sob cada lado e a Alemanha ao meio.

    Guerras

    Governo dos EUA/Paul Halverson
    Soldados americanos carregam colega ferido na Guerra do Vietn�; EUA falharam em impedir que comunistas vencessem o conflito
    Soldados americanos carregam colega ferido na Guerra do Vietn�; EUA falharam em impedir que comunistas vencessem o conflito

    Apesar de toda a ret�rica dos presidentes americanos que se seguiram a Truman, a divis�o europeia era vista como um fato consumado, como revelaram a falta de apoio ocidental expressivo �s tentativas de liberaliza��o na Hungria (1956) e na Tchecoslov�quia (1968), reprimidas violentamente pela Uni�o Sovi�tica. Enquanto isso, as duas pot�ncias aumentavam seus arsenais militares, convencionais e at�micos, tornando uma guerra um potencial suic�dio coletivo, e se engajavam em uma corrida espacial, cuja principal raz�o de ser era exibir superioridade tecnol�gica.

    Mas, como divisara o "longo telegrama", os imp�rios coloniais europeus e a pr�pria hegemonia ocidental sobre a �sia e a �frica come�aram a desabar, e a disputa passou a se dar em campos ao longo do planeta.

    Os conflitos significativos envolvendo diretamente um dos dois l�deres da nova ordem bipolar --EUA e Uni�o Sovi�tica - e pa�ses apoiados pelo outro lado foram apenas tr�s em 50 anos: as guerras da Coreia (1950-53 - empate); Vietn� (anos 60 e 70 - derrota americana) e Afeganist�o (1979-89 - derrota sovi�tica).

    Mas in�meras "guerras por procura��o", travadas entre grupos apoiados por um lado e o outro, aumentaram a partir de meados da d�cada de 60 toda a d�cada de 70 a temperatura do confronto na �frica, a exemplo da Guerra Civil de Angola, na �sia, como no Cambodja, e as disputas pelo controle dos pa�ses latino-americanos, expressas por meio de amea�as de revolu��es comunistas ou a elei��o de l�deres socialistas que acabaram contidas por golpes militares que deixaram quase todos os pa�ses ao sul do M�xico sob governos autorit�rios apoiados pelos EUA.

    Cuba

    A exce��o nessa regi�o foi Cuba, a ilha caribenha que funcionara desde o fim do s�culo 19 como uma semicol�nia americana e sucumbiu a uma revolu��o armada no fim dos anos 50. A natureza comunista do novo regime foi se revelando claramente ap�s a tomada do poder por Fidel Castro, com desapropria��o de propriedades privadas e aproxima��o com a Uni�o Sovi�tica. A ilha permaneceria como um vizinho inc�modo, apesar da frustrada tentativa de invas�o da ba�a dos Porcos por cubanos apoiados pelos EUA (1961).

    Cuba foi tamb�m o palco da Crise dos M�sseis, o momento mais tenso de perigo nuclear durante a Guerra Fria, quando os sovi�ticos tentaram instalar m�sseis bal�sticos na ilha, iniciativa abandonada em meio a negocia��es confusas que resultaram tamb�m na retirada de m�sseis americanos da Turquia.

    17.abril.1961/AP
    Fidel Castro em um tanque militar na praia Gir�n, durante a invas�o da ba�a dos Porcos por cubanos apoiados pelos EUA, em 1961
    Fidel Castro em um tanque militar na praia Gir�n, durante a invas�o da ba�a dos Porcos por cubanos apoiados pelos EUA, em 1961

    Em meio �s perturba��es no Terceiro Mundo, uma pol�tica ocidental de "d�tente" (conten��o) ajudou a melhorar a rela��o entre o fim dos anos 60 e o final dos 70. Acordos de redu��o de armas nucleares, uma miss�o espacial conjunta, e a ajuda econ�mica dos EUA e seus aliados europeus a pa�ses do bloco sovi�tico, constitu�ram uma esp�cie de tr�gua nas �reas centrais dos dois dom�nios.

    Essa iniciativa foi abandonada com a invas�o do Afeganist�o pela ex-Uni�o Sovi�tica em 1979, e um novo per�odo de tens�es. O governo de Ronald Reagan apoiou com armas e dinheiro os rivais isl�micos dos sovi�ticos no Afeganist�o e expandiu os gastos militares, arrastando a Uni�o Sovi�tica para uma corrida armamentista para a qual o regime comunista j� n�o tinha f�lego.

    A estagna��o econ�mica das economias planificadas, disfar�ada em parte pela abund�ncia de petr�leo russo enquanto o Ocidente sofria com a crise do petr�leo dos anos 70, tornou-se insustent�vel. O bloco europeu comunista transformou-se em um fardo para Moscou, e um novo l�der sovi�tico, Mikhail Gorbatchov, come�ou um trabalho de reformas liberalizantes que fugiu ao seu controle e significou a capitula��o pac�fica do bloco comunista, simbolizada na queda do Muro de Berlim, mas tamb�m na falta de rea��o da Uni�o Sovi�tica � defec��o de um sat�lite fundamental.

    Dois anos depois, a pr�pria Uni�o Sovi�tica deixou de existir, exaurida sob o pr�prio peso.

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