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    Sina Weibo, Twitter chin�s, veta termos sexuais e pol�ticos

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

    11/01/2015 03h15

    RESUMO O sino-americano Jason Ng, professor de ativismo digital na Universidade Columbia, em Nova York, criou um software que, 24 horas por dia, ao longo de dois meses, detectou quais palavras ca�am na malha fina da internet chinesa. Alguns termos s�o bloqueados apenas durante per�odos cr�ticos.

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    Quem manda na internet chinesa? Boa pergunta. O sino-americano Jason Ng, professor de ativismo digital na Universidade Columbia, em Nova York, ainda n�o sabe como respond�-la. "Seria simplista dizer 'ah, foram aqueles comunistas do partido'. � mais complexo do que isso."

    Mas uma coisa � certa para Ng: quem quer que d� (ou tire) a palavra final, n�o tem muito senso de humor ou tem at� demais. O que talvez explique por que j� foi imposs�vel buscar por "fetiche por p�", "meia-cal�a" e "toucinho peludo" no Sina Weibo, a rede social predileta num pa�s com cerca de 600 milh�es de conectados -tr�s vezes a popula��o do Brasil.

    Em 2013, Ng compilou 150 termos "proibid�es" no livro "Blocked on Weibo: What Gets Suppressed on China's Version of Twitter and Why" (Bloqueado no Weibo: o que � suprimido na vers�o chinesa do Twitter e por qu�; The New Press).

    O pesquisador selecionou 700 mil palavras em mandarim a partir do Wikipedia, "uma base melhor do que o dicion�rio por incluir apelidos e termos coloquiais". Criou ent�o um software que, 24 horas por dia, ao longo de dois meses, detectou quais palavras ca�am na malha fina da internet chinesa.

    Chegou a 1.000 express�es (0,14%) e explorou as 150 que julgou mais simb�licas. Na pr�tica, as palavras podem ser postadas pelo internauta, mas uma busca por elas levaria a zero resultados e ao recado: "Com base em leis e regulamentos chineses, os resultados da pesquisa n�o foram mostrados".

    Os termos n�o s�o exilados para sempre. �s vezes, s� ficam bloqueados em per�odos sens�veis. Pr�ximo ao anivers�rio do massacre da pra�a da Paz Celestial, por exemplo, a rede social baniu refer�ncias a "6/4" (4 de junho em ingl�s), "LXIV" (64 em algoritmos romanos) ou "oito ao quadrado" (64). At� o videogame Nintendo 64 entrou no balaio. "Mas isso provavelmente foi s� algu�m fazendo cagada", afirma Ng.

    PROIBID�O

    No quesito sexo, os censores do Weibo parecem ter sido selecionados pelo RH da Liga das Senhoras Cat�licas. O que � considerado pervers�o pode acabar no limbo virtual. Da� banirem temporariamente express�es como "li�nz�" (podolatria), "zhao xiaojie" ("procurando por uma garota", eufemismo para prostitui��o), "mimi" (onomatopeia do miado e tamb�m sin�nimo para "tetas") e "k�w�" (meia-cal�a, considerada sexy demais).

    "W�m�o", que em portugu�s significa "sem pelos", entrou no �ndex como coisa de quem est� atr�s de genit�lias depiladas. J� "hairy bacon" (toucinho peludo) � um assunto cabeludo por outro motivo. Trata-se de um pseud�nimo para o corpo embalsamado de Mao Tse-tung (1893-1976), explica Ng enquanto morde um sandu�che de presunto no Hungry Ghost, caf� no Brooklyn nova-iorquino.

    Ao contr�rio do que o Ocidente pensa, o dia a dia n�o se resume a uma incessante ca�a de gato e rato entre governo e ativistas, diz Ng. Na maioria das vezes, a decis�o de bloquear esta ou aquela palavra para seus usu�rios vem do pr�prio Weibo.

    "A censura � bem menos �bvia do que parece e muitas vezes parte das pr�prias empresas. Assim como o Facebook contrata gente para saber que tipo de conte�do deve ser deletado", explica o pesquisador.

    BABYGATE

    Chineses adoram um bafo. Em 2011, por exemplo, o de Baby Guo Meimei, uma linda menina de 20 anos, era t�o saboroso quanto delet�vel. Baby, que lembra a Mulan da Disney no guarda-roupa da Miley Cyrus, exibia sua vida "V-Vip" (very, very important people) para quase dois milh�es de seguidores no Weibo.

    Ela postava selfies num closet para bolsas da grife Herm�s. Posava com seu "pequeno touro", o Lamborghini laranja que dirigia no Sul. O Maserati branco para as tardes de Pequim era o "pequeno cavalo".

    N�o demorou para Baby cair desse cavalo. Ao mesmo tempo em que divulgava a filosofia "beijinho no ombro" de vida, dizia
    ser gerente na Cruz Vermelha chinesa. Um internauta apontou que a jovem, na verdade, era a amante bancada por um conselheiro da entidade.

    O Weibo n�o gosta de esc�ndalos. Sobretudo um que possa colocar o Partido Comunista Chin�s no olho do furac�o: cabe a ele regular a Cruz Vermelha, seriamente abalada ap�s as perip�cias de Baby.

    Saldo: volta e meia, a busca por "fu nu" (mulher rica) no Weibo volta zerada. O termo � usado pejorativamente para criticar a riqueza obscena de esposas, amantes e filhas de empres�rios e funcion�rios p�blicos.

    "Quando a prov�ncia Sichuan, dizimada por um grande terremoto em 2008, experimentou tremores mais mortais em 2013, o nome de Meimei reapareceu on-line. Sua corrup��o virou advert�ncia para quem quisesse doar a institui��es de caridade do Estado", diz Ng, um tipo magro que cultiva um ralo bigode sob os �culos de aro preto.

    Para Ng, a politiza��o em larga escala do Weibo � uma fantasia ocidental. A maioria dos internautas prefere compartilhar no Weibo ("microblog" em mandarim) pequenezas cotidianas, como o que comeu no caf� da manh� (macarr�o cozido � bem popular), imagens fofinhas de filhotes de gato e panda e fofocas sobre celebridades. N�o muito diferente do que se v� no Brasil.

    Boa parte da juventude chinesa, mesmo viciada em web, nunca viu a ocidentalmente famosa foto do homem que desafiou sozinho uma fileira de tanques em 1989 -Ng cita uma pesquisa informal em que apenas 15 de cem universit�rios de Pequim souberam identificar a imagem ic�nica. � como se, em 2026, men��es ao "9/11/2001" fossem t�o memor�veis para os Estados Unidos quanto um quadro do aspirante a pintor George W. Bush.

    O "Babygate", contudo, tinha sex appeal para envolver o "cidad�o comum" na cr�tica massificada ao governo.

    "Nem todos os internautas escrevem sobre pol�tica, mas a internet ainda pode ter um impacto pol�tico muito grande na China", diz Emily Parker, autora de "Now I Know Who My Comrades Are: Voices from the Internet Underground" (Agora eu sei quem meus camaradas s�o: vozes da internet underground; Sarah Crichton Books, 2014).

    "Mesmo sem fazer uma revolu��o, ela pode transformar a China. N�o vai criar instantaneamente a democracia, � claro, e os grupos nacionalistas tamb�m est�o on-line. Mas a internet est� proporcionando maior acesso � informa��o e a sensa��o de que voc� n�o est� sozinho."

    Em seu livro, Parker, ex-editora do "New York Times" e colaboradora do "Wall Street Journal", narra como a internet vem transformando a vida na China a partir de hist�rias como a de Zhao Jing.

    Em 1999, ele era o recepcionista que entreouvia nos corredores do hotel sobre o protesto de estudantes que o governo literalmente atropelara numa pra�a na capital do pa�s, dez anos antes -epis�dio que nenhum jornal gastara tinta para divulgar.

    Acabou chegando em suas m�os um dossi� com fotos e relatos do que aconteceu na pra�a da Paz Celestial. Sob o codinome Michel Anti, ele foi fundo no tema e acabou criando seu pr�prio blog com cr�ticas ao Partido -fechado em 2005 pela Microsoft, que o hospedava.

    "Perguntei-lhe por que a internet era importante na China, e ele disse: 'Porque agora eu sei onde meus camaradas est�o'", relata Parker.

    Em 2000, o ent�o presidente americano, Bill Clinton, comparou a censura imposta aos "camaradas" chineses � tentativa de pregar gelatina na parede.

    Quinze anos depois, a autocensura virou uma poderosa ferramenta para silenciar vozes dissidentes. Atinge o Sina Weibo, que prefere pisar em ovos a pisar no calo do governo, e tamb�m o internauta receoso de ser convidado para "tomar um ch�" com a pol�cia. Por ora, diz Jason Ng, "a China tem tido sucesso em manter a gelatina longe do ch�o".

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, 28, � jornalista da Folha. Assina o blog "Religiosamente" no site do jornal.

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