• Ilustr�ssima

    Saturday, 03-Aug-2024 03:26:20 -03

    A arte da queda: Emanoel Araujo ou como voltar a levantar

    THAIS BILENKY
    DE S�O PAULO

    24/02/2013 08h01

    A Folha retra�a a trajet�ria do artista, colecionador e curador Emanoel Araujo, conhecido tanto pelo temperamento explosivo como pelo empreendedorismo. Este retrato do diretor do museu Afro Brasil permite ver, al�m da figura geniosa, um personagem que faz da atividade na cultura uma causa pessoal.

    *

    Na v�spera de seu anivers�rio de 72 anos, Emanoel Araujo foi trabalhar, trope�ou ao entrar em sua sala e caiu, batendo o rosto na mesa. Foi socorrido, levado ao hospital S�rio-Liban�s, submetido a uma batelada de exames e liberado horas depois.

    No dia seguinte, 15 de novembro de 2012, comemorou a data um pouco baqueado, depois de uma jornada de trabalho normal, cantando "Parab�ns a Voc�" com funcion�rios do museu Afro Brasil, do qual � diretor-curador.

    N�o havia tempo para repousar. Na semana seguinte, no Dia da Consci�ncia Negra, 20 de novembro, o museu receberia o evento com que o governo federal lan�aria os editais do Minist�rio da Cultura para criadores negros.

    Chegando, na ocasi�o, ao pr�dio que abriga a institui��o no parque Ibirapuera, a ministra Marta Suplicy (PT) notou que ele est� "cada vez mais recheado". "� ele, n�?", disse, apontando o diretor.

    Foi Marta quem assinou o decreto de cria��o do museu Afro Brasil, em seu �ltimo ano como prefeita de S�o Paulo, em 2004.

    Com isso, permitiu que o artista pl�stico e curador realizasse um projeto que parece ter cultivado a vida inteira. Das 5.000 pe�as do acervo, 3.000 foram doadas oficialmente por ele. Outras 1.500, j� cedidas em comodato, poder�o ter o mesmo destino.

    O manancial � farto. Emanoel Araujo organizou um evento no dia 25 de janeiro, 459� anivers�rio da cidade, para oficializar outras doa��es, al�m daquelas que j� est�o no museu: as 60 obras de "Retratos sem Parede" e as cerca de cem de "Iconografia de S�o Paulo", exposi��es inauguradas na data.

    Ao longo dos anos, ele estima ter doado por volta de 2.000 obras a outras institui��es, entre as quais a Pinacoteca do Estado, que dirigiu por uma d�cada. Sua casa, no Bexiga, bairro tombado na regi�o central de S�o Paulo, � ela pr�pria um museu, com cerca de 300 pe�as expostas.

    De fato, foi Marta quem instituiu o museu, mas, diz Araujo, "n�o adianta criar e esquecer". Por isso o diretor dedica maior gratid�o a Jos� Serra (PSDB), sucessor da petista na Prefeitura de S�o Paulo.

    Em 2006, meses depois de Serra deixar a prefeitura, o ent�o secret�rio municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, revogou o decreto que criou o museu e estabeleceu um conv�nio com o Afro Brasil enquanto institui��o privada. Calil diz que o museu havia sido criado sem "previs�o de cargos ou de or�amento".

    A secretaria na �poca tinha uma d�vida de R$ 20 milh�es, afirma. "Em meio a essas dificuldades, Emanoel Araujo se recusou a doar a sua cole��o � prefeitura, inviabilizando a oficializa��o desse museu no plano municipal." O conv�nio estabelecia que a prefeitura pagasse R$ 1,8 milh�o por ano ao museu.

    Araujo relata que o per�odo foi complicado. "Calil sacaneou. Impediu que o museu se formalizasse. Precisava de concurso p�blico, plano de carreiras e sal�rios. Ele abortou tudo", lembra. Funcion�rios do Afro Brasil dizem que o diretor chegou a pagar sal�rios tirando dinheiro do pr�prio bolso.

    Em 2009, Serra, ent�o governador, transformou o museu em OS (Organiza��o Social), submetendo sua gest�o ao Estado de S�o Paulo e quintuplicando seu or�amento.

    Paulo Monteiro/Reprodu��o
    Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista pl�stico Paulo Monteiro para a edi��o de 24/2/13 da Ilustr�ssima
    Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista pl�stico Paulo Monteiro para a edi��o de 24/2/13 da "Ilustr�ssima"

    VULC�O

    Durante a campanha para a elei��o municipal de 2010, o ex-governador falou que o curador � um homem "vulc�nico e explosivo". Pudera. Hoje, Emanoel Araujo declara voto "emocional" ("n�o por convic��o ideol�gica") em Serra. Mas, h� oito anos, ele pediu a Serra demiss�o da Secretaria Municipal de Cultura, tr�s meses depois de assumi-la, de maneira "vulc�nica" e, tamb�m, "explosiva".

    Em carta aberta ao ent�o prefeito, Araujo foi taxativo: "O senhor pensa mesmo que isso � cultura? Deixo a secretaria porque o senhor n�o tomou conhecimento desses cem penosos dias de administra��o em que, gra�as a poucos e abnegados servidores, conseguimos realizar muitos projetos e a��es, inclusive o cat�logo 'Brasileiro, Brasileiros', no qual encontra-se inserido um texto seu e a cujo lan�amento, ontem, o senhor n�o compareceu, como programado".

    Na mesma carta, ainda cutucou a ent�o secret�ria estadual da Cultura, Claudia Costin. Ela havia recusado projeto que ele elaborou, por mais de ano, para instalar um Museu do Imagin�rio do Povo Brasileiro no pr�dio do antigo Dops (Departamento de Ordem Pol�tica e Social). As celas dariam lugar � Esta��o Pinacoteca. "Museu n�o � butique. J� disse isso � secret�ria Claudia Costin, quando ela quis instalar o Museu do Imagin�rio do Povo Brasileiro na Casa das Rosas."

    Costin pediu demiss�o dois meses depois do ocorrido. "O or�amento da pasta � �poca era reduzido e n�o havia recursos para implantar o projeto e adquirir o acervo do Estado", justifica ela hoje.

    Naquele momento, Serra respondeu, reservadamente, que havia posto um "ourives" --profiss�o do pai de Ara�jo-- em uma "pedreira". Hoje, ele diz que o artista "deixou a secretaria por sua �nica e exclusiva vontade", decis�o que "em nada abalou" a rela��o entre os dois, que Serra qualifica como �de amizade e confian�a". Para o ex-governador, Araujo � "um grande artista, um formid�vel organizador", uma pessoa de "bom gosto e opini�es definidas". "� um patrim�nio cultural, deveria ser tombado", brinca. Talvez o fato de ter aceitado a secretaria de Serra seja um gesto grandioso de amizade --Araujo diz ter recusado convite semelhante de Marta.

    "Isso � coisa pol�tica de voc�s", esbravejou o diretor-curador para a assessora da hoje ministra da Cultura na antessala de seu escrit�rio no museu, minutos antes de o evento da Consci�ncia Negra come�ar. Ele estava inconformado com o folder do edital, que n�o incluiu o logotipo do Estado de S�o Paulo. A assessora garantiu que o projetaria no tel�o.

    Mas j� era tarde. Araujo armava a express�o pela qual � conhecido: revira os olhos, arrebita o nariz e vira o rosto num �ngulo de 180 graus, tudo ao mesmo tempo. O interlocutor fica sem ter para onde olhar ou com quem falar. O curador espia a rep�rter, d� uma piscadinha e discretamente sorri. "� muito au�."

    NO QUARTO

    O c�modo em que dorme Emanoel Araujo fica no segundo andar de uma casa constru�da por um escultor italiano. De frente para sua "linda cama" de estilo dom Jo�o 6�, do s�culo 19, feita de madeira jacarand� da Bahia, fica uma tela vermelha com uma figura de "m�e preta", de Di Cavalcanti. Na cabeceira � direita, h� uma foto de seu pai, Vital, consertando uma coroa de ouro de Santo Amaro da Purifica��o, enquanto conversa com o pai de Caetano Veloso e Maria Beth�nia, Zezinho. O escultor, o compositor e a cantora nasceram, em 1940, 42 e 46, respectivamente, na cidade do Rec�ncavo Baiano.

    "Tenho uma imagem muito v�vida de Seu Vital, pai dele, com a imensa fam�lia, no [bairro do] Sacramento. N�o era preto como Emanoel. Era o que a gente chamava de 'cabo-verde': a pele era escura, mas n�o tinha o cabelo pixaim", conta Caetano Veloso.

    Os dois estudaram juntos no ensino fundamental. "Emanoel foi um dos meus colegas mais queridos no gin�sio Teodoro Sampaio, em Santo Amaro. E fiquei para sempre amigo dele. Hoje quase n�o nos vemos, mas sinto a amizade inabal�vel. Na porta da minha casa em Salvador, tem uma escultura dele, gigante, protegendo", afirma Caetano, que conta ainda que o artista pl�stico era ent�o "f� de �ngela Maria, fascinado por Adalgisa Colombo e n�o apenas gostava de desenhar: queria dedicar-se a desenhar". "Como eu j� desenhava figuras humanas com certa facilidade, ele me fazia perguntas. Gosto de dizer que o ensinei a desenhar. Ele responde, com gra�a, que me ensinou a cantar."

    Sobre a c�moda, tamb�m de jacarand�, Araujo colocou em um porta-retratos uma fotografia de Tomie Ohtake, 99. "Eles se amam", diz Ricardo Ohtake, filho da artista. O anivers�rio dela � seis dias depois do de Araujo, e todo ano Tomie liga, ou intenta ligar, para lhe dar os parab�ns.

    SARAPATEL

    A amizade entre eles come�ou na segunda metade da d�cada de 1960. Para sua inaugura��o, o Museu Regional de Feira de Santana, na cidade baiana, havia convidado alguns artistas, entre os quais estava o par. Ent�o com 20 e poucos anos, Emanoel Araujo aproveitou para chamar Tomie, j� com mais de 50, para almo�ar em sua casa, em Salvador, embora eles mal se conhecessem. E ainda arriscou oferecer � japonesa um sarapatel --iguaria nordestina feita � base de v�sceras de porco e sangue coalhado. "Ela n�o s� comeu um prato como repetiu", conta o filho.

    Emanoel Araujo costuma cozinhar --sempre pratos baianos-- para receber seus convidados. � o polo agregador da turma, segundo Charles Cosac, s�cio e editor da Cosac Naify. S�o seus frequentadores, al�m de Cosac, o engenheiro Hubert Alqu�res, o jornalista Claudio Leal e o tucano Jos� Henrique Reis Lobo, entre outros. Sua casa � o palco dos encontros, e suas obras de arte guardam hist�rias dos amigos. Uma das mais not�veis � a de um pav�o empalhado.

    H� alguns anos, Charles Cosac passeava por Londres quando viu na vitrine de uma loja de luxo duas aves da esp�cie empalhadas e se "apaixonou". Assim que pisou no Brasil, localizou um taxidermista em Porto Alegre, a quem encomendou duas c�pias dos originais ingleses. Pagou cerca de R$ 10 mil pelos exemplares, o primeiro dos quais, t�o logo ficou pronto, foi entregue na casa de Emanoel Araujo.

    "Eu quero saber o que significa algu�m mandar um pav�o para a casa do outro!", reagiu o artista, exaltado. "Eu falei: 'Bem, para mim n�o significa nada'", relembra Cosac. N�o adiantou. O amigo cancelou o segundo pav�o e mandou buscar o de Manuca, como o chama. Acontece que, no meio tempo, um outro amigo visitou Araujo e, quando viu o pav�o, tamb�m se apaixonou --e encomendou um para si, com o mesmo taxidermista.

    Manuca mudou de ideia e resolveu que ficaria com o bicho. Como a outra pe�a tinha acabado de ganhar um novo dono, Charles acabou ficando sem nenhum.

    "Ah... Tem que aceitar, n�? Eu n�o reclamei, sou muito educado. �s vezes, mas sou. N�o sei se ele queria me chamar de pav�o, mas eu n�o me pavoneio. Um dia mando de volta", diverte-se Araujo.

    N�o h� espa�o desocupado na casa do artista, embora nenhum dos medalh�es, telas do s�culo 19, maquinetas, esculturas e outros apetrechos --como um trof�u Coca-Cola Light Plus-- seja de sua autoria. At� mesmo o banheiro � decorado.

    "Minha aposentadoria est� aqui, nessas paredes. Eu tenho pavor do vazio. Talvez seja por car�ncia afetiva", ri, numa tentativa v� de explicar por que mant�m a cole��o exc�ntrica --mesmo quando vivia com seu companheiro (foram duas longas rela��es, a �ltima encerrada h� 20 anos), as paredes eram lotadas.

    TRIO

    Emanoel Araujo foi o primeiro de 11 irm�os. Na d�cada de 1980, no intervalo de dois anos, perdeu a m�e, o pai e duas irm�s, com as quais formava um trio. Olga fez uma cirurgia para tirar um tumor no c�rebro e n�o resistiu. Com sua morte, Let�cia teve um "surto psiqui�trico" e "se fechou", lembra pausadamente o primog�nito.

    "N�o gosto de fam�lia. � um mal necess�rio. Sempre gostei de ser s�. N�o sei se � porque �ramos muitos. Sou um p�ssimo ser dom�vel", diz, circunspecto.

    Ele n�o fala propriamente em trauma, mas suas rela��es o deixaram com m� impress�o sobre a intimidade. "� infernal conviver com uma pessoa." Sabendo-se detentor de uma opini�o explosiva em tempos em que "tudo � homofobia", o artista ironiza o casamento gay e se diz contra a ado��o de filhos por casais do mesmo sexo. Embora ressalve que n�o � alheio aos casos recentes de ataques homof�bicos, n�o retira seu parecer.

    "Uma vez que uma pessoa se determina numa op��o sexual, n�o pode voltar atr�s. Se queria ser pai, por que n�o virou h�tero, n�o pegou sua mulher e fez seu filho? Que � isso, gente? Sou homossexual, vou querer ter uma filhinha? Isso realmente � meio canalha. Tamb�m acho um absurdo algu�m que queira se casar e vai ao altar ou ao juiz. Pode casar e descasar no dia seguinte. Muito bonito, superemocionante ter seu dia de princesa, seu belo vestido, flores, flores e flores." A� para, sorri e conclui: "Depois dessa, vou ter que sair da cidade".

    PAULISTANO

    Mas em S�o Paulo est� e em S�o Paulo ficou. Trinta anos ap�s desembarcar na capital paulista, Emanoel Araujo recebeu em 1994 o t�tulo de cidad�o paulistano do ent�o vereador Marcos Mendon�a --e � como paulistano que se apresenta.

    Antes de se tornar secret�rio municipal, tocou, de 1992 a 2002, uma das mais importantes institui��es culturais paulistas, a Pinacoteca do Estado. Quando seu nome foi anunciado, enfrentou resist�ncia da alta sociedade local. "Mas tinha que ser um baiano?", artistas comentavam na cerim�nia e posse. "E preto e homossexual", emendava ele pr�prio.

    "Sempre haver� pedras no caminho. O sucesso incomoda", assevera. "Outro dia me disseram que sou ego�sta. Fico pensando: me desviei do meu ateli� para contribuir com gest�es culturais, dediquei 40 anos � atividade p�blica, doei obras. Onde est� o ego�smo?" Ele acha que seu temperamento pode influenciar o julgamento alheio, mas que sem ele n�o teria realizado o que realizou. "Voc� n�o me v� em coquetel badalado. Para que as pessoas n�o perguntem o que aquele negro est� fazendo aqui �prefiro nem estar presente�, diz. �O Brasil � um pa�s racista, menina."

    Desafiado pela descren�a, fez uma gest�o at� hoje tida como inovadora � frente da Pinacoteca. Com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, botou o pr�dio do museu abaixo, integrou seu p�tio ao jardim da Luz, contrariou ordem da prefeitura e removeu uma escada da fachada, arrancou eucalipto na calada da noite --e assim por diante. Movimentou p�blico recorde � �poca, 150 mil visitantes em 38 dias, com a exposi��o de esculturas de Auguste Rodin, em 1995.

    Marcos Mendon�a, que ent�o j� havia se tornado secret�rio estadual da Cultura �cargo que exerceu at� 2002�, conta que formou uma equipe s� para viabilizar os projetos mirabolantes do diretor. "A gente acreditava na genialidade fant�stica dele", lembra. E conta: "Um dia, Emanoel me descobre um coreto que seria demolido, numa cidadezinha da Bahia. Como a gente faz para adquirir um coreto?". L� foram Mendon�a e equipe dar um jeito de trazer a pe�a, que est� no jardim da Luz at� hoje.

    Enquanto o pr�dio estava em reforma, exposi��es da Pinacoteca foram montadas no pavilh�o Padre Manoel da N�brega, que hoje � a sede do museu Afro Brasil. Nic�a Camargo, ex-Nic�a Pitta, ent�o primeira-dama paulistana, tentando chegar � abertura de uma delas, se perdeu na imensid�o do parque.

    "Ela ficou muito nervosa, desesperada. Fui procur�-la", lembra Araujo. "N�o tem sinaliza��o", ela resmungou. "A culpa � do seu marido [Celso Pitta, ent�o prefeito]", ele respondeu. "Mas n�o me diga o senhor que � Deus", desafiou Nic�a. "Eu sou! Meu nome quer dizer 'o Senhor est� conosco'." Passada a raiva, conta o curador, acabou ganhando a simpatia de Nic�a.

    Deixar a Pinacoteca n�o foi f�cil. Emanoel Araujo diz que n�o pisou mais no museu, e pessoas que o circundam dizem que ele tem m�goas de Marcelo Araujo, seu sucessor, pelo rumo que este deu, por exemplo, ao antigo Dops. Ambos negam. "Foi um imenso privil�gio assumir a dire��o daquela institui��o ap�s a gest�o de Emanoel, que foi o respons�vel pelo maravilhoso processo de restauro e revitaliza��o. Encontrei um museu dotado das melhores condi��es t�cnicas e com grande visibilidade p�blica", afirma Marcelo Araujo, hoje secret�rio de Estado da Cultura, inst�ncia � qual se reporta o museu Afro Brasil. Os gastos da institui��o superam seu or�amento anual, de R$ 9 milh�es, impedindo que se realize a primeira reforma do pavilh�o, erguido 60 anos atr�s. Marcelo Araujo diz que a verba � "compat�vel com as metas previstas".

    COTAS

    Se at� agora as diverg�ncias entre os dois Araujo n�o foram escancaradas, n�o se pode dizer o mesmo quando a quest�o � a das das cotas para negros. "Ao mesmo tempo em que [o negro] precisa de protagonismo, n�o pode ter monop�lio. � complicado", afirmou o Araujo Marcelo durante o evento de lan�amento do edital de acesso a negros na cultura de Marta.

    J� o Araujo Emanoel assume posi��o exatamente contr�ria. "N�o sei muito bem por que as pessoas s�o contra a cota. Ferreira Gullar, Caetano Veloso, eles n�o t�m mais filho nenhum concorrendo a universidade nenhuma", provoca.

    Caetano responde: "Seu caminho do Sacramento a postos como a diretoria da Pinacoteca deve ter lhe mostrado aspectos das entranhas da sociedade brasileira que o levaram a dar car�ter pol�tico ao pertencimento negro-africano que ele j� desenvolvia na dimens�o cultural em suas gravuras. Apaixonado como sou pelo mito da originalidade brasileira, fiz algum coro � rea��o contra a americaniza��o da conversa sobre ra�a no Brasil. Mas, al�m de ser mais apaixonado por Emanoel do que por qualquer mito, considero as cotas raciais um assunto que deve ser visto com circunspec��o e respeito. Se Emanoel quiser me convencer, fico a favor das contas sem nuances".

    Para Araujo, "as cotas n�o tiram o m�rito". "Ningu�m vai l� [e diz] 'sou negro, vou entrar'. Elas s�o um numeral reservado para essas pessoas, como tamb�m tem um reservado para os brancos. N�s, os negros, pagamos impostos, por que temos que ser sempre escravos? O que � muito estranho � que os afrodescendentes estudam numa escola p�blica e, na hora de ir para a universidade, t�m que ir para uma particular. E muitos param, porque n�o podem pagar."

    Ele continua. "A ambiguidade corre neste pa�s. N�o se pode falar em ra�a, porque a palavra n�o existe mais, `ra�a � a ra�a humana', os antrop�logos dizem. Mas tem racismo! Onde � que est�o os embaixadores negros no Brasil? A� algu�m fala que tem Joaquim Barbosa [presidente do Supremo Tribunal Federal]. Mas Joaquim Barbosa � um elemento. E os outros? Pel� � um. E da�? Vai ficar com a bandeira de que o rei do futebol � negro. E da�? N�o justifica dizer que as cotas v�o trazer racismo. O pa�s j� � racista, discriminat�rio. Um pouquinho a mais, um pouquinho a menos, que diferen�a faz?"

    O compositor Paulinho da Viola, amigo de Emanoel Araujo desde os anos 1980, afirma que ele � "proeminente na defesa da causa do negro no Brasil". "Uma figura de ponta. Todo o seu trabalho, por si s�, j� o demonstra. Essa coisa do museu n�o � brincadeira, � algo muito importante para todos n�s, negros, e para todo o nosso povo", comenta o sambista. "Al�m de ser uma pessoa extremamente culta e muito inteligente, � um artista excepcional. � um agitador cultural."

    SONHO

    Para Charles Cosac, "Emanoel � escravo de si mesmo". "Ele n�o para nem dormindo. Acho que o sonho dele � tudo museu, museu, exposi��o, curadoria", diverte-se F�tima P�dua, sua secret�ria h� 17 anos, que passa 12 horas por dia a seu lado, se diz "suspeita" para falar. "Emanoel � envolvente e carism�tico. Ele tem aquele jeito de querer afastar, parece que quer dar um choque. Mas � s� fachada, porque ele tem um cora��o muito grande." Ela acha que o ritmo de trabalho de Emanoel Araujo intensificou-se no �ltimo ano. "Ele disse que n�o pensa na morte. Mas outro dia falou que o av� morreu aos 72 anos."

    "� t�o estranho ver um museu vazio", dizia o curador numa tarde cinzenta de fraco movimento em novembro, alguns dias antes daquela queda em sua sala. Foram precisas apenas duas semanas para o contra-ataque. No Dia da Consci�ncia Negra, o diretor-curador recebeu um dos maiores p�blicos do museu Afro Brasil desde sua abertura: cerca de 5.000 visitantes. Emanoel Araujo pode at� cair, mas sempre encontra um jeito de levantar.

    Paulo Monteiro/Reprodu��o
    Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista pl�stico Paulo Monteiro para a edi��o de 24/2/13 da "Ilustr�ssima"
    Retrato de Emanoel Araujo feito pelo artista pl�stico Paulo Monteiro para a edi��o de 24/2/13 da "Ilustr�ssima"

    Fale com a Reda��o - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024