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    Tela de C�zanne no Masp � revista como manifesto contra escravid�o

    SILAS MART�
    DE S�O PAULO

    25/07/2015 02h30

    Quando a tela "O Negro Cipi�o", de Paul C�zanne, chegou ao Brasil e entrou para o acervo do Masp, em 1950, o jornal "Di�rio de S. Paulo" noticiou que os "senhores da casa grande", em refer�ncia aos patronos do museu, mostrariam o "famoso esquivo negro c�zanniano � sociedade".

    Era comum naqueles anos de forma��o da cole��o que se fizessem festas em torno da entrega de cada obra, tendo como anfitri�es os ricos doadores por tr�s da aquisi��o.

    Mesmo ir�nico, o tom do artigo da �poca tinha uma raiz hist�rica. Nos �ltimos anos, a tela exposta agora num novo recorte do acervo de arte francesa do Masp vem sendo revista � luz da luta abolicionista, tendo pesquisadores j� chegado � conclus�o de que, nesse quadro, C�zanne, morto aos 67, em 1906, fazia mais do que retratar um negro qualquer.

    Divulga��o
    Imagem 'As Costas A�oitadas', que inspirou tela de Paul C�zanne, 'O Negro Cipi�o'
    Imagem 'As Costas A�oitadas', que inspirou tela de Paul C�zanne, 'O Negro Cipi�o'
    Divulga��o

    Seu "Negro Cipi�o", tela de 1866, seria uma alus�o expl�cita ao retrato de um escravo a�oitado nos Estados Unidos publicada na revista "Harper's Weekly" tr�s anos antes de ele ter feito sua pintura.

    Em plena Guerra Civil americana, essa imagem da dupla McPherson e Oliver, hoje na cole��o do Metropolitan e reproduzida agora no Masp, causou como��o, chegando aos c�rculos ilustrados de Paris, onde o debate abolicionista ent�o entrava em ebuli��o.

    Na opini�o de pesquisadores, C�zanne, que ent�o vivia na capital francesa, s� n�o teria visto a imagem, alvo de debate e s�mbolo do movimento contra a escravid�o, se estivesse vivendo numa caverna.
    Seu marchand � �poca, Ambroise Vollard, contava que o negro Cipi�o de C�zanne era um modelo vivo que costumava posar para artistas na Acad�mie Suisse, em Paris, a escola onde C�zanne estudou.

    Na fotografia americana, batizada de "Costas A�oitadas", o retratado era conhecido como o negro Gordon, um escravo que fugiu do Mississipi, no sul do pa�s, para se juntar �s fileiras dos soldados do norte, ent�o em guerra contra os Estados escravocratas.

    Em detalhes, o texto narrava que Gordon conseguira escapar � persegui��o ao longo de dias pelos p�ntanos do Mississippi e da Louisiana porque esfregou uma cebola no corpo, despistando os c�es de ca�a de seus capatazes.

    No quadro do Masp, C�zanne revisita a pose de Gordon, que parece se apoiar sobre um monte de algod�o, em alus�o ao trabalho dos escravos nas planta��es do sul americano.

    Nicholas Mirzoeff, da Universidade de Nova York, escreveu um livro em que compara as duas imagens.

    "Essa pintura exagera o comprimento das costas do negro, demonstrando grande semelhan�a com a fotografia", afirma Mirzoeff. "A textura da tela, com um vermelho que sugere sangue, tamb�m parece evocar os ferimentos de Gordon, enquanto o branco pode ser lido como um monte de algod�o, o que d� a dimens�o americana dessa imagem, que deve ser entendida no contexto do debate abolicionista."

    Mesmo lan�ado h� quatro anos, o estudo de Mirzoeff encontra resson�ncia maior agora que conflitos raciais voltaram a pautar a obra de artistas contempor�neos, em especial no rastro de assassinatos de negros pela pol�cia americana.

    ALEGORIA DA LIBERTA��O
    Jan Asante, uma designer brit�nica, tamb�m escreveu um artigo no ano passado em que enxerga o quadro de C�zanne como uma "alegoria da escalada dos movimentos pela liberta��o nas col�nias".

    "Este debate � recente e est� inserido nas discuss�es sobre identidade, negritude e hist�rias reprimidas", diz Fernando Oliva, um dos curadores do Masp. "E a forma como esse quadro foi mostrado aqui desde os anos 1950 tamb�m traz esse debate para o pa�s."

    Oliva fala do artigo que apresentava "O Negro Cipi�o" como "esquivo", contando que o quadro "cativo" seria exibido por "senhores brancos interessados em sua captura para o patrim�nio dos brasileiros".

    ARTE DA FRAN�A
    QUANDO de ter. a dom., das 10h �s 18h; at� 25/10
    ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3251-5644
    QUANTO R$ 25

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