Em 18 de janeiro de 2009, a cantora de soul Bettye LaVette se juntou a Jon Bon Jovi para um dueto diante das escadarias do monumento a Lincoln, em Washington.
Acompanhados por uma orquestra, eles entoaram os versos: "Tem sido um longo, um longo tempo esperando/ Mas eu sei que uma mudan�a vir�, sim, ela vir�". O evento era a posse do presidente norte-americano Barack Obama e a m�sica escolhida era "A Change is Gonna Come".
Composi��o do "soulman" americano Sam Cooke, a can��o foi o grande hino das lutas pela igualdade de direitos civis nos Estados Unidos dos anos 1960 e foi lan�ada dias depois da morte do cantor, em 11 de dezembro de 1964.
Michael Ochs/Getty Images | ||
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O cantor Sam Cooke em foto feita nos anos 1960 |
Aos 33 anos, Cooke foi assassinado por Bertha Franklin, gerente de um hotel onde ele havia se hospedado em Los Angeles. As circunst�ncias em que o crime aconteceu at� hoje s�o controversas -Franklin alegou leg�tima defesa e n�o foi condenada pelo crime.
Meio s�culo depois, os protestos que tomaram as ruas dos EUA em 2014 por conta de mortes igualmente controversas de jovens negros pela pol�cia mostram que ainda falta muito para que a mudan�a pedida por Cooke chegue.
Em termos musicais, por�m, o alcance dos falsetes do cantor, considerado um dos fundadores do soul, atingiu propor��es poderosas.
Pouco conhecido no Brasil, Cooke influenciou toda uma gera��o que o sucedeu -de Bobby Womack, cantor de quem foi amigo, � ainda adolescente Aretha Franklin, que o venerou desde que o ouviu cantar, com o conjunto The Soul Stirrers, na igreja de seu pai, em Detroit.
"Ele e Ray Charles permitiram a explos�o do soul. Basicamente, tiraram o som que tocava nas igrejas e levaram o gospel para o secular", explica Peter Guralnick, autor da biografia "Dream Boogie: The Triumph of Sam Cooke" (Little Brown, US$ 9,99 no iTunes).
Publicado pela primeira vez em 2005, o livro acaba de ganhar uma vers�o digital. A nova edi��o inclui extras, como v�deos do autor dirigindo por Chicago com L.C. Cooke, irm�o de Sam, e uma s�rie de entrevistas in�ditas com Womack, morto em junho.
Sem tradu��o prevista no Brasil, o t�tulo contempla tamb�m a faceta de pioneiro na ind�stria musical. "Ele n�o s� foi o primeiro artista negro a gerir a pr�pria carreira, mas o primeiro a criar seu pr�prio selo, a controlar seus direitos autorais e a produzir seus pr�prios discos", conta Guralnick.
SUSPIROS
O porte de gal� -Aretha Franklin relatou ao bi�grafo que o cantor arrancava suspiros por onde passava-, a voz aveludada e a postura de astro de rock no palco faziam de suas apresenta��es de m�sica gospel nas igrejas americanas eventos de histeria coletiva nada comportados.
A passagem definitiva para o pop veio com a can��o "You Send Me", de 1957, primeiro lan�amento solo de Cooke. O compacto vendeu quase 2 milh�es de c�pias.
A receita do sucesso, para Guralnick, � a simplicidade da melodia: "Ela foi feita para atrair p�blico al�m das fronteiras raciais". A m�sica al�ou o cantor ao estrelato, a ponto de Elvis Presley saber de cor parte do repert�rio do "soulman".
Outra f� � a cantora Martha Reeves, uma das divas do soul. "'You Send Me' � a m�sica de amor mais bonita j� escrita. Sam Cooke sempre foi o meu preferido, ao lado de Marvin Gaye", disse Reeves, em entrevista � Folha.
As ra�zes de "A Change is Gonna Come", que gravaria Cooke na hist�ria, por�m, est�o al�m do g�nero que ele ajudou a pavimentar.
Ele ficou intrigado quando ouviu "Blowin' in The Wind", de Bob Dylan, em 1963. Sentiu-se envergonhado por n�o ter escrito nada parecido com a letra do m�sico folk, enquanto os discursos de Martin Luther King inflamavam a luta pelos direitos civis nos EUA.
Assim que a can��o ficou pronta, Cooke pediu que Bobby Womack fosse at� a sua casa ouvi-la. "Ele disse que colocou naquela letra cada sentimento que j� sentiu na vida", relatou Womack a Guralnick, em �udio da nova edi��o.
O bi�grafo retrata Cooke como um tipo que n�o baixava a cabe�a para ningu�m. "N�o permitia que ningu�m o desrespeitasse. Talvez seja essa a raz�o por que foi assassinado."
Para o autor, o discurso de "n�o revidar" ainda circula nos EUA. "N�o faltam negros reclamando que n�o podem responder ou v�o levar um tiro, que tem que aprender a aguentar ofensas para serem aceitos", diz. "De algum modo, ele ignorou esses conselhos."