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    Leia cr�tica de "O Poder - Hist�ria Natural de seu Crescimento"

    MARTIM VASQUES DA CUNHA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/08/2011 07h55

    Quando era um dissidente pol�tico, o ex-presidente tcheco Vaclav Havel afirmava que, ao sair de casa, tinha de levar um "pacote de emerg�ncia" com cigarros, roupas de baixo, escova de dente e alguns livros, caso fosse preso sem aviso.

    Se algum dia eu precisar de um "pacote de emerg�ncia", entre os livros escolhidos estar� "O Poder - Hist�ria Natural de seu Crescimento", de Bertrand De Jouvenel.

    De Jouvenel foi uma figura pol�mica na Fran�a de seu tempo. Teve um caso com sua madrasta, ningu�m menos que a escritora Colette. Foi acusado de ser fascista. Depois, acusado de ser socialista. Em 1945, escreveu o livro apresentado nesta resenha, enquanto se refugiava da Ocupa��o alem� em um castelo abandonado com a esposa e os filhos.

    "O Poder" mostra as marcas do tempo da sua reda��o, mas vai al�m, muito al�m. Tornou-se tamb�m uma profecia dos nossos tempos.

    O livro destr�i qualquer esp�cie de ingenuidade que se possa ter a respeito desta palavrinha m�gica chamada "Poder". Gra�as � cumplicidade dos intelectuais e, claro, dos pol�ticos, o Poder - escrito em mai�scula, como se fosse uma entidade viva, com uma l�gica idiossincr�tica, qui�� misteriosa - cresceu exponencialmente no final do s�culo 19 e in�cio do 20.

    Antes ele queria apenas o seu dinheiro (atrav�s dos impostos), o seu sangue (atrav�s da guerra) e a livre-iniciativa (atrav�s da burocracia); agora, quer nada mais nada menos do que a sua alma.

    Como bom profeta, De Jouvenel mostra que isso aconteceu sem que ningu�m suspeitasse. Na verdade, o argumento mais perturbador � o de que deixamos o Poder invadir nossa vida �ntima porque gostamos disso.

    Usar o termo "gostar" � um eufemismo. A palavra certa � "idolatrar". � nesta distin��o que De Jouvenel supera, por exemplo, Elias Canetti em "Massa e Poder" e se iguala a Ortega y Gasset em "A Rebeli�o das Massas".

    Como Ortega, o escritor franc�s reconhece que o ser humano s� se torna pleno quando aceita a sua exist�ncia como um constante naufr�gio, repleto de incerteza. O Poder inverte as expectativas: d� a sua alma, ele diz, que darei a seguran�a que voc� precisa para continuar a sua vidinha com a paz e o conforto que merece.

    O homem democr�tico aceitou o pacto sem reclama��es. Entre a dor e o nada, em vez de escolher a primeira, ficou com o segundo, disfar�ado de grandes oportunidades e de sonhos jamais realizados.

    Parece um vatic�nio terr�vel, e �. Mas De Jouvenel mostra que a solu��o existe na capacidade do homem escolher e conquistar a sua pr�pria liberdade - e mant�-la sob constante vigil�ncia. O Poder quer permanecer a qualquer custo, independente das ideologias de esquerda e de direita; e o ser humano tamb�m, com a diferen�a de que ele sempre esteve acima de tudo isso.

    Afinal, se n�o fosse por esse bom combate, valeria a pena viver tal hist�ria? Ou ser� que j� escolhemos viver com "pacotes de emerg�ncia", um atr�s do outro, esperando a pris�o sem aviso?

    MARTIM VASQUES DA CUNHA � editor da revista "Dicta&Contradicta" e doutorando pela USP.

    O Poder - Hist�ria Natural de seu Crescimento
    AUTOR Bertrand de Jouvenel
    EDITORA Peixoto Neto
    QUANTO R$ 99,90 (480 p�gs.)
    AVALIA��O �timo

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