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    Leia a �ntegra da entrevista com Simon Reynolds

    ANDR� BARCINSKI
    CR�TICO DA FOLHA

    20/08/2011 07h50

    No livro "Retromania - Pop Culture's Addiction to its Own Past" (em tradu��o livre, retromania - a obsess�o da cultura pop por seu pr�prio passado), ainda in�dito no Brasil, o cr�tico musical brit�nico Simon Reynolds tra�a um panorama nada otimista da cena cultural do s�culo 21. Por que tanta m�sica nova parece c�pia de m�sica mais antiga?

    Leia abaixo a �ntegra da entrevista com Reynolds.

    Folha - No livro, voc� diz que tem um filho pequeno. Ele � f� de m�sica? Como voc� compara a sua pr�pria experi�ncia, crescendo como um f� de m�sica nos anos 70 e 80, � experi�ncia do seu filho?

    Simon Reynolds - Kieran tem 11 anos e n�o parece muito interessado em m�sica. Possivelmente, por ter um pai que � cr�tico de m�sica e que fica tocando m�sica o tempo todo e de todos os tipos, muitas vezes m�sica estranha. � como se m�sica fosse o "meu" neg�cio e ele estivesse em busca do neg�cio "dele'.

    Kieran adora videogames, diferentemente de mim, que nunca fui interessado nisso. E ele tamb�m adora qualquer coisa relacionada a computadores - e-mail, Youtube, Ebay. Ele cresceu como parte da gera��o conectada. Este � seu mundo.

    Acredito que, para a gera��o dele, m�sica � legal e divertido, mas n�o tem a mesma import�ncia que teve para a minha gera��o ou para a gera��o que sucedeu a minha, a juventude dos anos 90.

    N�s realmente v�amos a m�sica como a principal arena cultural, era o que nos explicava a n�s mesmos e parecia se conectar a todas as outras �reas da cultura e pol�tica. Se voc�, como eu, era ligado em punk e p�s-punk, ent�o lia certo tipo de livros, via certo tipo de filmes, tinha interesse em teoria cr�tica e outras coisas do tipo. Acho que a m�sica foi relegada a ser apenas uma pequena parte do horizonte cultural, e n�o a parte principal.

    Kieran gosta de algumas m�sicas em particular - como algumas faixas do Black Eyed pe�s, por exemplo - mas n�o acho que ele esteja disposto a explorar a m�sica como parte de sua forma��o de identidade. Talvez isso aconte�a quando ele for um adolescente e descobrir m�sica que tenha rela��o com sexualidade, ansiedade e toda a confus�o que vem com essa fase de transi��o na vida.

    M�sica tamb�m � ligada a diferen�as sociais e a ser descolado, � uma forma de socializa��o entre adolescentes, da mesma forma como Pokemon � hoje para Kieran. Ent�o, acho que, com o passar do tempo, ele vai ter um interesse maior por m�sica, quem sabe at� pela m�sica que o pai dele gosta.

    Minha filha Tasmin tem 5 anos e ama m�sica. Ela adora dan�ar, tem um bom senso r�tmico e � capaz de passos incr�veis, algo no meio do caminho entre o break e artes marciais. Ela tem artistas favoritos, como Pink, Justin Bieber, Ke$ha e Katy Perry. Basicamente, ela gosta de qualquer coisa que toque no r�dio e que pare�a uma vers�o pop do Techno e da house music que eu dan�ava nos anos 90. Ela curte melodia e ritmo, basicamente.

    Voc� acha que a facilidade em baixar m�sica tem, de certa maneira, desvalorizado a m�sica?

    Pessoas de tend�ncia liberal ou de esquerda muitas vezes t�m um reflexo anticapitalista de dizer: "Que bom que a m�sica � de gra�a agora, que n�o est� apenas enriquecendo corpora��es". Mas sou da opini�o que a de-commodification n�o tem funcionado muito bem para a m�sica.

    Claramente, � um desastre para os artistas e para a ind�stria. Mas tamb�m para ouvintes e f�s. Veja bem: quando a m�sica custava dinheiro e vinha numa forma s�lida, em que, para consegui-la, voc� tinha de ir a uma loja, e isso envolvia tempo e dinheiro, as pessoas davam mais valor a ela.
    A equa��o � simples: se voc� gastou dinheiro num bem cultural, seja um livro, revista, disco, etc., voc� vai gastar tempo tentando extrair o m�ximo dele. Se voc� gasta dinheiro com um CD, vai prestar aten��o nele quando toc�-lo, e vai toc�-lo mais vezes. Se voc� obt�m um CD de gra�a, na forma de downloads, voc� fica mais propenso a ouvir poucas vezes e de uma forma mais distra�da. Voc� vai ouvir a m�sica enquanto faz outras coisas no computador (chamam a isso de "s�ndrome de aten��o parcial"), e voc� muitas vezes nem vai ouvir o disco todo.

    Al�m disso, se voc� vive baixando muita m�sica, como as pessoas tendem a fazer quando conseguem m�sica de gra�a, � matematicamente mais prov�vel que voc� ou�a cada can��o menos vezes. E muitos discos s� come�am a se revelar totalmente depois de repetidas audi��es.

    Para responder � sua pergunta: sim, eu diria que a cultura digital se fundamenta na facilidade, e que a facilidade de acesso e o custo m�nimo de aquisi��o t�m levado a uma deprecia��o no valor da m�sica e � degrada��o da experi�ncia audi�fila.

    Mesmo os artistas novos que voc� elogia no livro - Ariel Pink, por exemplo - fizeram suas carreiras reinterpretando o passado. Voc� consegue enxergar algo realmente novo sendo feito hoje em dia?

    Sim, vejo um n�mero razo�vel de coisas que eu poderia descrever como relativamente novo ou vagamente inovador. Mas aquelas coisas que, de vez em quando, surgiam como "Uau! FUTURISTA!", essas sumiram, s�o cada vez mais raras.

    Nos anos 90, havia v�rios g�neros ou movimentos que pareciam grandes ondas de inova��o que se sustentaram por v�rios anos, ou por toda a d�cada: g�neros como jungle, R&B, street rap ou dancehall.

    Nos �ltimos dez anos, parece que os g�neros se tornaram quase est�ticos, mas, de vez em quando, no meio de tanta coisa banal e mundana, voc� via o brilho de algo realmente novo. Em R&B, por exemplo, uma vez ou outra voc� via algo realmente extraordin�rio como "Umbrella", da Rihanna, ou "Single Ladies", da Beyonc�.

    O dubstep me parece uma extens�o dos anos 90, como um tipo de vers�o adulta e lenta de jungle. Mas produz algumas coisas excitantes: o EP hom�nimo do Zomby e partes de seu novo �lbum, "Dedication", que saiu pelo selo 4AD, as faixas de Cooly G no selo Hyperdub, algumas coisas de James Blake e Ramadanman.

    Na m�sica eletr�nica tem gente fazendo coisas interessantes: Ricardo Villalobos, Actress, Tobias... Nomes como Oneohtrix, Point Never e Laurel Halo se inspiram muito no passado - m�sica anal�gica de sintetizadores dos anos 70 e 80, New Age, etc., mas � ineg�vel que fizeram coisas novas.

    Uma das �reas onde, acredito, coisas muito interessantes v�m aparecendo � a �rea de manipula��o de vozes: texturiza��o digital de vocais, acelera��o e redu��o de vocais, micro-edi��o de "samples" de voz. Voc� pode ouvir isso em m�sica eletr�nica extrema e underground (Burial, James Blake) e tamb�m no g�nero witch house (Salem, etc.), e at� na m�sica pop mais comercial (Black Eyed Peas, Ke$ha).

    Isso � excitante, embora, se voc� pensar bem, pode ser rastreado aos anos 90 e a coisas com vocais sampleados que produtores de house e jungle fizeram. Sem esquecer de Cher e de sua faixa "Believe", em 1999, com vocal manipulado via Autotune!

    H� algumas semanas, o Arctic Monkeys colocou na web seu novo �lbum para os f�s ouvirem. Cada faixa tinha um contador, que permitia ver quantas vezes havia sido ouvida. Mais de 75% das pessoas que ouviram a primeira m�sica n�o chegaram � �ltima. Voc� acha que isso pode ser explicado mais pelo d�ficit de aten��o do p�blico, ou pelo fim do LP como um formato de lan�amento vi�vel?

    Acho que se refere ao que escrevi sobre a deprecia��o no valor da m�sica e os efeitos da cultura digital na capacidade de aten��o do p�blico. O problema de ouvir m�sica via computador ou Iphone conectado � Internet � que o mesmo portal que est� conectando voc� � m�sica � tamb�m capaz de, simultaneamente, conect�-lo a milh�es de outras coisas. Ent�o, h� uma tenta��o irresist�vel a clicar em outra coisa e fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo - checar e-mails, baixar mais m�sica, etc. Ent�o voc� raramente est� imerso apenas na m�sica.

    Publica��es na web s�o criadas para desestimular o leitor a terminar de ler qualquer artigo, porque elas t�m uma s�rie de links coloridos e que chamam a aten��o. As publica��es n�o querem que voc� termine o artigo, porque querem o maior n�mero poss�vel de cliques. Quanto mais voc� pular de uma parte a outra, melhor para eles.

    Voc� acredita que a mesma vis�o que seu livro traz da m�sica pode ser estendida ao cinema? Me parece que, desde o surgimento de Tarantino, Robert Rodriguez e outros diretores criados � base de filmes velhos em v�deo e TV a cabo, o cinema tem se tornado cada vez mais uma colcha de retalhos de outros filmes.

    N�o me parece t�o cr�nico em cinema quanto em m�sica. Voc� est� certo sobre Tarantino, ele � o exemplo �bvio de um fen�meno que detalho em meu livro, que � o do "curador-criador". E se no rock existem as "bandas de colecionadores de discos", com m�sicos que trabalharam em lojas de discos (como Ariel Pink, por exemplo), o mesmo aconteceu com Tarantino, que foi balconista de uma locadora de filmes. Foi ali que ele criou todo seu conhecimento sobre filmes e sistematicamente dissecou a hist�ria do cinema. Ent�o faz sentido que seus filmes sejam baseados em v�rios estilos e repletos de piadas e sacadas com filmes antigos. O mesmo ocorre com Jim Jarmusch.

    Um fen�meno que pensei em explorar no livro foi o das refilmagens. Mas conclu� que as raz�es n�o eram t�o complexas quanto a retromania � para a m�sica. No caso das refilmagens, acho que s�o 100% motivadas por dinheiro: o reconhecimento, por parte do p�blico, de um filme antigo, pode garantir um certo n�mero de espectadores para a refilmagem. Conclu� que n�o havia muito o que investigar ali.

    Tenho uma filha de tr�s anos. Alguns dias atr�s, montei minha velha vitrola e toquei alguns discos para ela. Foi fascinante perceber a rea��o de algu�m que, nascida na era digital, teve, pela primeira vez, a chance de ver uma agulha tocando num peda�o de pl�stico e produzindo som. Voc� acha que esse aspecto t�til da m�sica, tanto no ouvir m�sica quanto na produ��o, est� mudando a maneira como a m�sica � percebida?

    � claro que existe algo de muito estranho na m�sica pop moderna, em que se simula a energia e o som de m�sica tocada ao vivo, mas onde toda a integridade da performance foi desvirtuada pelo uso de elementos de copy/paste que permitem mover a m�sica e torn�-la "perfeita". Voc� consegue perceber, quase subliminarmente, que o que voc� est� ouvindo n�o � real.
    N�o � de hoje que grava��es de rock t�m sido melhoradas por "overdubs" e erros t�m sido consertados por edi��es e substitui��es, mas hoje vivemos a era em que os sons se tornaram apenas uma massa que pode ser processada ou mudada a gosto. De uma certa forma, � exatamente como eu imaginava a m�sica com o p�s-rock, mas, em outro n�vel, tem uma certa fraudul�ncia no ar, j� que simula o som de uma banda tocando ao vivo. Depois, quando voc� adiciona tratamentos como compress�o e AutoTune, o resultado � algo realmente horr�vel de escutar.

    Em g�neros como hip hop, R&B e dance music, isso n�o parece importar muito, j� que s�o g�neros antinaturais, dependentes da tecnologia e onde n�o h� sequer a inten��o de simular "pessoas tocando juntas num est�dio".

    Como autor e algu�m que depende de seus livros e artigos para sobreviver, como voc� v� a troca de arquivos na Internet?

    Bom, � �timo poder achar aquele disco raro que eu sempre quis. Mas, de maneira geral, a troca de arquivos tem sido muito ruim para a minha aprecia��o de m�sica. Para uma pessoa como eu, que cresceu numa �poca em que m�sica custava dinheiro, ter m�sica de gra�a na internet � como ganhar a chave da maior loja de discos do mundo. O problema � que nosso tempo n�o � infinito.

    Eu adorei seu livro, mas tenho de confessor que me deixou triste, porque o futuro n�o parece muito promissor. Como a experi�ncia de escrev�-lo te afetou?

    Quando comecei, estava perplexo e ansioso pelo estado da m�sica e, embora eu tenha encontrado muitas explica��es no caminho, por meio de minha pesquisa e pensamentos sobre o assunto, terminei exatamente como comecei: perplexo e ansioso.

    Conclu� que h� muita coisa legal para ouvir, mas que a maioria envolve, de certa forma, a reinterpreta��o do passado. N�o tenho ouvido coisas que, na �poca, me pareceram t�o novas e radicais quanto "Remain in Light", do Talking Heads, por exemplo, um disco que, especialmente no segundo lado, parece conter em cada can��o uma nova dire��o para a m�sica.

    Tenho acompanhado o lado eletr�nico-techno-rave da m�sica, mas a primeira d�cada do s�culo 21 parece ter atingido um ponto em que as pessoas est�o experimentando com formas j� conhecidas ou criando h�bridos ao combinar coisas diferentes da pr�pria hist�ria da m�sica eletr�nica. Ent�o, tem sido dif�cil encontrar, hoje, a mesma sensa��o de novidade absoluta e energia que senti quando ouvi jungle, ou gabba, ou Techno minimal nos anos 90.

    Eu diria que o futuro n�o parece muito promissor, embora, muitas vezes, per�odos de estagna��o sejam pr�logos para algum tipo de erup��o cultural.

    Estou cautelosamente otimista sobre a nova gera��o de m�sicos que s� conheceram a Internet. No m�nimo, estou curioso sobre o que vai acontecer daqui por diante. Me parece que vivemos uma �poca interessante. A velha maneira anal�gica de fazer as coisas - a forma como a cultura funcionava - entrou em colapso, mas acho que alguma coisa vai surgir dessas ru�nas.

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