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    Est�nia e �ndia t�m disparada digital com esc�ner de olho e at� voto em casa

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A TALLINN (EST�NIA)
    CAROLINA OMS
    COLABORA��O PARA A FOLHA EM NOVA D�LI

    15/10/2017 02h00 - Atualizado �s 14h58

    O governo brasileiro lan�ou nesta semana a vers�o eletr�nica da CNH (Carteira Nacional de Habilita��o), que promete facilitar a vida dos motoristas mais esquecidos. Com ele, os brasileiros ter�o o documento em seus celulares. Basta estar cadastrado.

    A novidade, no entanto, est� dispon�vel apenas para Goi�s –cerca de 2,8% da popula��o do pa�s– mostrando como o Brasil ainda engatinha no uso da tecnologia para facilitar a vida do cidad�o.

    Aprovada em julho, a CNH-e, que ter� o mesmo valor jur�dico da vers�o impressa, deve chegar aos demais Estados s� em fevereiro de 2018.

    Ainda mais distante est� o Documento de Identifica��o Nacional, que vai substituir o RG, o CPF e o t�tulo de eleitor. Sancionado pelo presidente Michel Temer em maio, ele est� previsto para 2022, apesar de o governo federal discutir a implanta��o desde 1997.

    A Folha checou como funcionam os sistemas da Est�nia, que permite at� votar de casa, e o da �ndia, que tem o maior programa de identifica��o biom�trica do mundo.

    Na Est�nia, � poss�vel at� votar em casa

    A Est�nia colocou um "e" na frente de quase tudo. O pa�s transformou a pol�cia em e-pol�cia, a escola em e-escola e o cart�rio em e-cart�rio.

    A letra "e" vem de "eletr�nico", adjetivo hoje inescap�vel nessa diminuta na��o b�ltica de 1,3 milh�o de habitantes que se descolou da Uni�o Sovi�tica em 1991.

    � via internet que os cidad�os interagem com o governo, com acesso a 600 servi�os, chegando ao extremo de votar dentro de sua casa, sem ter que comparecer �s urnas.

    Eles t�m acesso a prescri��es m�dicas, hist�ricos escolares e antecedentes criminais. Na tela do laptop ou do celular, transferem os documentos de um ve�culo em minutos e pagam as multas.

    O governo local diz que essas solu��es desempacam a burocracia e extinguem as pilhas de papel. O c�lculo � de que uma pessoa economiza cinco dias de seu ano.

    Cr�ticos, por outro lado, rebatem afirmando que transferir o governo ao computador exclui quem n�o tem acesso �s m�quinas e que, por exemplo, � pouco seguro confiar em uma rede para tarefas fundamentais como eleger o Parlamento.

    Quando a Est�nia se tornou independente, os computadores sovi�ticos usados pelo governo eram obsoletos, o que foi vantajoso. O pa�s n�o herdou os v�cios da administra��o anterior.

    O sistema estoniano, desenhado do zero nos anos 1990, � baseado na identifica��o eletr�nica. Todo cidad�o recebe um n�mero quando nasce, que � seu �nico documento –em vez da combina��o entre RG e CPF no Brasil.

    Essa identifica��o � atualmente eletr�nica. Um estoniano carrega um cart�o de pl�stico com chip, como cart�o de banco. Basta inseri-lo no computador, com o adaptador USB, e digitar duas senhas para ter acesso a todos os servi�os, incluindo o voto.

    A seguran�a �, portanto, fundamental. Os cart�es carregam uma complicada tecnologia de certifica��es digitais. O uso � constantemente monitorado pelo governo, que j� trocou de sistema diversas vezes, ap�s falhas.

    Tamb�m � essencial que as leis acompanhem a tecnologia. O pa�s reformou o c�digo para se adequar a isso.

    Usar o cart�o em casa tem hoje o mesmo efeito de comparecer a uma ag�ncia de banco ou a uma esta��o policial e assinar um papel. O valor � inclusive legal, e um documento produzido assim pode ser usado no tribunal.

    SETOR PRIVADO

    Mas todo esse aparato eletr�nico teria pouco valor se as pessoas n�o usassem o cart�o –o que aconteceu em pa�ses como a Finl�ndia, que tentaram a mesma tecnologia antes mesmo da Est�nia.

    O segredo foi convencer a iniciativa privada, em especial bancos e operadoras de celular, a adotar o sistema.

    A teoria � de que, se um cidad�o usa o cart�o no dia a dia, se acostuma � tecnologia.

    "N�o pode ser utilizado apenas para interagir com o governo, o que acontece tr�s ou quatro vezes por ano", diz � Folha Arne Ansper, chefe de desenvolvimento da Cybernetica, companhia privada que criou parte dos sistemas do governo estoniano.

    "Se for um cart�o s� do governo, as pessoas se esquecem de como usar e n�o confiam. � preciso chegar a um grau de maturidade do usu�rio para que aceite, por exemplo, votar na internet."

    Mas a experi�ncia pode ser feita em qualquer lugar, inclusive no Brasil, afirma Arvo Ott, que esteve � frente da moderniza��o estoniana nos anos 1990. A tecnologia, afinal, n�o � cara ou complicada em si.

    Ott hoje lidera a e-Governance Academy, um think tank que treina empresas e governos para implementar suas estrat�gias virtuais.

    Mas n�o � uma adapta��o r�pida. "Seriam necess�rios anos para implementar, e os pol�ticos n�o gostam disso."

    O analista Anto Veldre, do Minist�rio de Economia e Comunica��o, por outro lado, tem suas ressalvas. Torce o nariz quando perguntado sobre adaptar o modelo ao Brasil.

    "� extremamente dif�cil dar in�cio a um projeto assim, e, �s vezes, � preciso redesenhar todo o sistema", diz. "H� uma fase inevit�vel, com problemas e bugs."

    Existe tamb�m um esfor�o alto para a manuten��o, que exige revis�o e substitui��o peri�dica da tecnologia. "� um trabalho duro", diz.

    O Brasil ainda n�o importa a tecnologia, mas ao menos um servidor p�blico esteve no pa�s para estudar as pr�ticas.

    Jo�o Augusto Sigora, do Minist�rio do Desenvolvimento Social, passou por treinamento na e-Governance Academy nas �ltimas semanas. Ele tem interesse em aplicar a experi�ncia quando voltar ao Brasil, neste m�s.

    "A governan�a digital d� ao Estado a possibilidade de se reconectar ao cidad�o e responder melhor a suas necessidades", diz.

    "O cidad�o se pergunta por que sempre que interage com o Estado � sempre t�o dif�cil. Por que fica na fila, apresenta o mesmo documento cinco vezes, em vez de ser como o Uber, apertando um bot�o."

    Entre os desafios brasileiros � implementa��o de um modelo como o estoniano, Sigora n�o acha que o empecilho maior seja a tecnologia. "� a vontade pol�tica para mudar uma l�gica fragmentada de implementa��o das pol�ticas p�blicas", diz.

    �ndia escaneou 2,2 bilh�es de olhos no pa�s

    S�o 1,1 bilh�o de indianos cadastrados, 11 bilh�es de digitais e 2,2 bilh�es de olhos escaneados. Os n�meros do Aadhaar, o maior programa de identifica��o biom�trica do mundo, impressionam tanto quanto as possibilidades que uma identidade biom�trica universal oferece.

    Recebimento de programas sociais, cadastro quase autom�tico em empresas e servi�os e pagamentos sem uso de cart�o ou dinheiro s�o apenas algumas das possibilidades da integra��o do programa com outras bases de dados privadas ou p�blicas.

    Lan�ado em 2009 pelo partido de oposi��o ao atual primeiro-ministro, Narendra Modi, a implementa��o do Aadhaar foi ampliada e intensificada durante o seu governo. O programa j� foi elogiado pelo economista-chefe do Banco Mundial como o sistema de identifica��o "mais sofisticado" que j� conheceu.

    Na �poca, o governo convidou o fundador de uma das maiores multinacionais indianas, a Infosys, Nandan Nilekani, para liderar a empreitada. A ideia era que setores p�blico e privado unissem esfor�os para trazer efici�ncia e desburocratizar. Seu objetivo inicial era garantir que benef�cios sociais como a entrega de gr�os atingissem os beneficiados sem intermedi�rios, fraudes e vazamentos –que se tornaram comuns no pa�s.

    Para Shankkar Aiyar, professor convidado no Instituto IDFC e autor de um livro sobre o Aadhaar, um instrumento para comprovar a identidade � cr�tico para o sucesso da redu��o da pobreza e de programas sociais. "Por d�cadas, o governo indiano tentou direcionar o gasto social com diferentes tipos de cart�es que se mostraram ineficientes devido ao uso de falsifica��es e duplicatas", diz.

    O programa est� sendo implementado com a ajuda de empresas que recolhem os dados de cada cidad�o e enviam para a Autoridade Indiana de Identifica��o �nica (Uidai, na sigla em ingl�s). Elas s�o remuneradas por cada cadastro realizado. At� agora, o Aadhaar custou 90 bilh�es de r�pias (U$ 1,4 bilh�o) aos cofres p�blicos.

    Radha Kizhanattam, diretora do Fundo de Venture Capital Unitus, afirma que uma identidade unificada resulta em in�meras oportunidades para empresas e empreendedores. "Uma start-up est� trabalhando no aluguel de bicicletas por meio da verifica��o biom�trica. Outra empresa come�ou a usar o Aadhaar para acelerar e intensificar a aprova��o de empr�stimos em bancos", exemplifica.

    O governo afirma que 364 milh�es de r�pias (U$ 5,7 milh�es) foram economizados ao estancar fraudes em programas sociais. Mas ONGs e oposi��o dizem que esta economia foi realizada �s custas de pessoas que teriam direito aos benef�cios, mas foram exclu�dos por falhas no sistema e problemas burocr�ticos.

    Sumit Mishra, professor de economia no Instituto para Gerenciamento de Finan�as e Pesquisa, avalia que a implementa��o do programa mudou objetivos iniciais.

    "A identifica��o deveria ser volunt�ria, agora � obrigat�ria at� para que crian�as almocem gratuitamente nas escolas p�blicas. O processo de cadastramento deveria ser simples, mas agora requer uma s�rie de outros documentos", diz Mishra.

    Para ele, tal concentra��o de informa��o em uma s� plataforma deixa cidad�os e governo vulner�veis a ataque de hackers e vazamentos.

    Teoricamente, o cadastramento do Aadhaar n�o � obrigat�rio. Mas seu uso crescente em in�meros servi�os p�blicos e privados, na pr�tica, obrigou a grande maioria dos indianos a se cadastrar. Al�m de programas sociais, a identifica��o � exigida para abrir conta em banco, declarar impostos e, em breve, obter a carteira de motorista.

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