A gest�o do prefeito Fernando Haddad (PT) abandonou o projeto de uma ciclovia em linha reta na zona sul de S�o Paulo e implantou, duas quadras abaixo, uma faixa exclusiva para bicicletas repleta de desvios e remendos.

A troca, no ano passado, beneficiou a fam�lia do secret�rio de Transportes, Jilmar Tatto, que acumula o cargo de presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tr�fego), �rg�o respons�vel pela implanta��o das ciclovias.

O tra�ado adotado desviou a ciclovia de cinco im�veis de sobrinhos e irm�os de Tatto que seriam afetados pelo projeto original –ou pelo novo, caso fosse feito em linha reta.

Um dos setores mais cr�ticos ao avan�o das faixas para bicicletas s�o os comerciantes, que alegam preju�zo ao acesso dos estabelecimentos.

O projeto original, elaborado pela empresa TC Urbes, previa uma ciclovia de 2 km. J� a nova rota ganhou 400 metros a mais, al�m de quatro curvas e quatro travessias, que obrigam o ciclista a um zigue-zague entre carros.

Para implantar a ciclovia que desviou dos im�veis da fam�lia Tatto, a prefeitura precisou asfaltar um trecho de uma rua. A medida impermeabilizou a via, e a �gua da chuva passou a alagar garagens.

Moradores dizem que a ciclovia foi constru�da em tr�s dias, sem consulta. "Amanhecemos com a rua asfaltada sem saber o motivo", diz a empres�ria Renata D'Angelo, 42.

A Folha visitou os cinco im�veis da fam�lia Tatto. Em todos eles havia carros estacionados na porta, por onde passariam as faixas de bikes.

Sobrinho do secret�rio, Leonardo Jesus Tatto, 39, � s�cio de um pr�dio na rua Am�rico Brasiliense e diz que a ciclovia original teria prejudicado o com�rcio dele.

"Ela [ciclovia] deve continuar onde est�. Se ela vier para c�, vamos perder muitas vagas de estacionamento."

Ele afirma que o tio n�o influenciou na mudan�a. E defende as ciclovias. "Fiz at� vesti�rio para meus funcion�rios se trocarem ap�s chegarem de bicicleta", conta.

J� para Juliana Leandres, 30, nora de Anselmo Tatto (irm�o de Jilmar) e locat�ria de um im�vel dele na mesma via, a ciclovia n�o seria um problema. "Seria at� melhor, porque n�o uso carro, e as pessoas n�o poderiam parar aqui na frente. Assim, meu com�rcio teria mais visibilidade."

A nova ciclovia come�a na rua Alexandre Dumas, faz um brusco "desvio" pela rua Fernandes Moreira e retorna � primeira via na reta final.

Na manh� de quinta (17), a Folha viu s� cinco ciclistas nesse "desvio" em uma hora.

O balconista Gabriel Muniz, 26, diz que usa a ciclovia, mas s� os trechos da Alexandre Dumas. "Por que eu entraria naquela rua estreita ["desvio"]? N�o faz nenhum sentido aquilo ali", diz.

O diretor da Associa��o Comercial de SP, Luiz Augusto Barbosa, diz que a prefeitura n�o procurou comerciantes e moradores para implantar o novo trajeto. "A gente tinha um estudo t�cnico. A prefeitura n�o apresenta o estudo que baseou a nova decis�o. Est�o criando uma guerra entre quem quer andar de bicicleta e usar com�rcios e quem � prejudicado pelas
ciclovias."

	Editoria de Arte/Folhapress

PROJETO ENGAVETADO

Respons�vel pelo projeto original da ciclovia, o fundador da empresa TC Urbes, Ricardo Corr�a, afirma ter demorado anos para projetar 123 km de ciclovias em Santo Amaro. Parte disso, diz, foi descartado pela prefeitura.

"O projeto come�ou em 2006. Discutimos muitas vezes com o subprefeito, moradores e comerciantes. A ideia era que o bairro servisse de teste para a malha a ser implantada na cidade, porque � uma regi�o complexa."

Ele diz ter reunido um grupo de pessoas e pedalado pelas ruas do bairro para definir os melhores trajetos. Priorizaram, segundo ele, os de menores aclives e que interligavam o maior n�mero de meios de transporte e pontos de circula��o de pessoas.

Estudioso de ciclovias h� 20 anos, Corr�a � autor de dois livros sobre o tema e mestrando em Planejamento Urbano e Regional na USP.

Para ele, a ciclovia da rua Alexandre Dumas � um erro. "Tem desperd�cio de dinheiro, para asfaltar a rua, e de energia do ciclista, que pedala mais." Para ele, o ciclista � consumidor e tem de passar por ruas de com�rcio, n�o residenciais. "De repente, o cara que fez [o novo projeto] pensou algo bom para ele. � um erro."

OUTRO LADO

O prefeito Fernando Haddad negou, na manh� desta sexta (18), que a mudan�a tenha ocorrido para favorecer a fam�lia do secret�rio.

"A CET [Companhia de Engenharia de Tr�fego] � que toma esse tipo de decis�o. Jamais uma decis�o como essa seria de natureza pol�tica", disse o prefeito em Santana, zona norte.

Na quinta (17), a prefeitura disse em nota repudiar "qualquer insinua��o" de que a rota da ciclovia implantada na zona sul de S�o Paulo "atenda interesses privados ou familiares de qualquer autoridade".

Segundo a administra��o, os crit�rios adotados foram t�cnicos e Jilmar Tatto, secret�rio municipal de Transportes, n�o acompanhou a implanta��o dessa ciclovia e desconhece o estudo com tra�ado diferente feito em 2012.

O trajeto demarcado pela CET em 2014, diz a gest�o, levou em considera��o principalmente "a conex�o com outros meios de transporte".

De acordo com a prefeitura, a rota implantada desvia de interfer�ncias locais, como linhas de �nibus, e permite conex�o direta com a esta��o Granja Julieta da CPTM.

A gest�o diz que a proposta anterior n�o previa essa liga��o com a parada de trem, embora fosse em linha reta.

Nos im�veis da fam�lia Tatto que acabaram poupados na nova ciclovia funcionam um bar, uma empresa de servi�os administrativos, dois escrit�rios de contabilidade e um de certifica��o digital.

O novo tra�ado, ainda segundo a prefeitura, valoriza a conex�o com os bairros Alto da Boa Vista e Ch�cara Santo Ant�nio e cruza avenidas importantes como Santo Amaro, Adolfo Pinheiro e Vereador Jos� Diniz, al�m do parque Severo Gomes.

O desvio para a rua Fernandes Moreira, de acordo com a gest�o Haddad, foi necess�rio para evitar interfer�ncias da rua Alexandre Dumas –como linhas de �nibus e equipamentos de sa�de.

A prefeitura diz ainda que a rede ciclovi�ria foi apresentada publicamente em reuni�es do Conselho Municipal de Transporte e Tr�nsito e do Conselho do Fundo Especial do Meio Ambiente e que todas "tiveram a participa��o de membros do governo municipal e sociedade civil".

Segundo a gest�o, outras ruas que receberam ciclovias passaram reformas no asfalto, poda de �rvores e opera��o tapa buraco.

A CET afirmou que pode fazer, se for necess�rio, mudan�as no trajeto de qualquer ciclovia, incluindo a da Alexandre Dumas, que custou cerca de R$ 430 mil.