O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu nesta quinta-feira, em decis�o un�nime, a equipara��o da uni�o homossexual � heterossexual. O presidente do Supremo, Cezar Peluzo, deu o d�cimo e �ltimo voto a favor da uni�o gay por volta das 20h30, ap�s cerca de cinco horas de sess�o.
Leia a �ntegra dos votos dos ministros
Decis�o do Supremo corrige lapso na lei
Decis�o do STF facilita ado��o e pens�o para gays
Cidadania venceu, diz presidente da ABGLT
'Toda pessoa tem o direito de constituir fam�lia', diz ministro
Primeira certid�o de casamento gay � entregue em Jacare� (SP)
Justi�a oficializa 1� casamento entre mulheres em S�o Paulo
Sergio Lima/Folhapress |
![]() |
Ministros Ellen Gracie e Celso de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal); Supremo reconhece uni�o gay |
A decis�o tem efeito vinculante, ou seja, alcan�a toda sociedade. Os ministros foram autorizados a decidir processos pendentes individualmente.
Apesar de n�o falar em igualdade, mas em equipara��o --fazendo ressalvas, como os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes-- Peluso afirmou que a Constitui��o n�o exclui outras modalidades de entidade familiar, mas reconhece que h� lacuna normativa a ser preenchida.
Para Peluzo, assim como para Mendes, o Legislativo deve regulamentar a equipara��o com a uni�o est�vel heterossexual. Lewandowski havia falado anteriormente que existem alguns direitos que s�o exclusivos a uma rela��o formada por pessoas de sexo oposto, mas n�o especificou.
Na pr�tica, a decis�o viabiliza para os homossexuais direitos como pens�o, heran�a e ado��o.
Dez ministros votaram --apenas o ministro Dias Toffoli n�o participou da sess�o, pois se declarou impedido de se posicionar, j� que atuou no processo quando era da AGU (Advocacia-Geral da Uni�o).
A decis�o do STF n�o � equivalente a uma lei sobre o assunto. O artigo 1.723 do C�digo Civil estabelece a uni�o est�vel heterossexual como entidade familiar. O que o Supremo fez foi estender este reconhecimento a casais gays.
Agora, se um clube vetar o nome de um companheiro homossexual como dependente, por exemplo, o casal pode entrar na Justi�a e provavelmente ganhar� a causa, pois os ju�zes tomar�o sua decis�o com base no que disse o STF sobre o assunto, reconhecendo a uni�o est�vel.
VOTOS
O ministro Carlos Ayres Britto --que � o relator do caso-- reconheceu a rela��o entre pessoas do mesmo sexo como "entidade familiar" e foi o primeiro voto favor�vel, dado na quarta-feira (4).
A sess�o foi retomada nesta quinta com o voto do ministro Luiz Fux, que acompanhou o relator.
"Por que o homossexual n�o pode constituir uma fam�lia? Por for�a de duas quest�es que s�o abominadas pela Constitui��o: a intoler�ncia e o preconceito", afirmou. "Quase a Constitui��o como um todo conspira para a equaliza��o da uni�o homoafetiva � uni�o est�vel", disse.
O ministro ainda citou dados recentes do Censo, de que existem mais de 60 mil casais de pessoas do mesmo sexo vivendo juntos no Brasil, para dizer que "a uni�o homoafetiva � um dado da vida, � uma realidade social".
A ministra C�rmen L�cia foi a terceira a votar. Para ela, a Constitui��o abomina qualquer tipo de preconceito. "A discrimina��o � repudiada no sistema constitucional vigente", afirmou a ministra, ao dizer que o casal gay tamb�m forma uma "entidade familiar", com direitos e deveres reconhecidos pela legisla��o brasileira.
Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski fez ressalvas em seu voto favor�vel. Ele votou pelo reconhecimento da uni�o homoafetiva como uma "entidade familiar", mas criou limita��es, ao dizer que alguns direitos se aplicam apenas a rela��es heterossexuais.
No entanto, ele n�o detalhou em seu voto quais seriam esses direitos exclusivos de casais de pessoas do sexo oposto.
Joaquim Barbosa, o quinto ministro a votar, foi totalmente a favor. "Dignidade humana � a no��o de que todos, sem exce��o, t�m direito a uma igual considera��o", afirmou em seu voto.
De acordo com ele, a Constitui��o "estabelece, de forma cristalina, o objetivo de promover a justi�a social e a igualdade de tratamento entre os cidad�os".
O ministro Gilmar Mendes, s�timo a votar, tamb�m fez ressalvas.
Mendes afirmou que existe "uma s�rie de quest�es e diverg�ncias" e que seu voto n�o entraria no m�rito dos "desdobramentos" deste reconhecimento.
O ministro afirmou que seu voto se limita a reconhecer a exist�ncia legal da uni�o homoafetiva por aplica��o anal�gica do texto constitucional. "Pretender regular isso � exacerbar demais nossa voca��o de legisladores positivos, com s�rio risco de descarrilarmos, produzindo lacunas."
Em discurso breve, a ministra Ellen Gracie tamb�m votou integralmente a favor da equipara��o.
Ela afirmou que a evolu��o do direito que cabe aos homossexuais teve in�cio h� muito tempo, "j� no c�digo napole�nico, que descriminalizou a pr�tica homossexual, at� ent�o considerada um delito".
"Uma sociedade decente � uma sociedade que n�o humilha seus integrantes", afirmou.
O oitavo voto a favor foi do ministro Marco Aur�lio. "As garantias de liberdade religiosa e do Estado laico impedem que concep��es morais religiosas guiem o tratamento estatal dispensado a direitos fundamentais, tais como o direito � dignidade da pessoa humana, o direito � autodetermina��o, � privacidade e o direito � liberdade de orienta��o sexual", afirmou.
"Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da op��o livre e respons�vel de constitui��o de vida comum para promover a dignidade dos part�cipes, regida pelo afeto existente entre eles, ent�o n�o parece haver d�vida de que a Constitui��o Federal de 1988 permite seja a uni�o homoafetiva admitida como tal", disse o ministro durante o voto.
O ministro Celso de Mello deu o nono voto favor�vel. "Toda pessoa tem o direito de constituir fam�lia, independentemente de orienta��o sexual ou identidade de g�nero. N�o pode um Estado Democr�tico de Direito conviver com o estabelecimento entre pessoas e cidad�os com base em sua sexualidade. � inconstitucional excluir essas pessoas", afirmou.
Mello tamb�m lembrou que n�o se pode confundir quest�es jur�dicas com quest�es de car�ter moral ou religioso porque Brasil � um pa�s laico.
"A Rep�blica � laica e, portanto, embora respeite todas as religi�es, n�o se pode confundir quest�es jur�dicas com quest�es de car�ter moral ou religioso", disse.
O �ltimo voto foi do presidente do STF. Para Peluso, o julgamento � um "marco hist�rico, um ponto de partida para novas conquistas".
Eram necess�rios seis votos favor�veis para o reconhecimento da uni�o est�vel para casais homossexuais.
HIST�RICO
Esta � a primeira vez que o STF avalia se a uni�o entre pessoas do mesmo sexo pode ser enquadrada no regime jur�dico de uni�o est�vel e analisa se a uni�o homoafetiva pode ser considerada como entidade familiar.
Duas a��es est�o em pauta. A primeira, ajuizada em fevereiro de 2008, � do governador reeleito do Rio, S�rgio Cabral (PMDB). Ele pede que o C�digo Civil e que o Estatuto dos Servidores Civis do Estado n�o fa�am qualquer discrimina��o entre casais heterossexuais e homossexuais no que diz respeito ao reconhecimento legal da uni�o est�vel. A a��o afirma que posicionamentos discriminat�rios se chocam com princ�pios constitucionais como o direito � igualdade e � liberdade e o princ�pio da dignidade da pessoa humana.
A a��o tamb�m alega que a situa��o atual, com senten�as conflitantes no Estado e em todo o pa�s, contraria o princ�pio constitucional da seguran�a jur�dica. O governador afirma ter interesse na a��o porque no Estado existe grande n�mero de servidores que s�o parte em uni�es homoafetivas est�veis.
"Diante disso, colocam-se para o governador e para a administra��o p�blica quest�es relevantes relativas �s normas sobre licen�as por motivo de doen�a de pessoa da fam�lia ou para acompanhamento de c�njuge, bem como sobre previd�ncia e assist�ncia social", diz a a��o. O governador tamb�m afirma que, como h� numerosos casais homossexuais no Rio, se v� na obriga��o de pleitear o direito de parcela dos cidad�os do Estado.
A outra a��o em an�lise, da Procuradoria-Geral da Rep�blica, foi ajuizada em julho de 2009. O pedido � semelhante: que o STF declare obrigat�rio o reconhecimento, no Brasil, da uni�o de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Tamb�m pede que os mesmos direitos dos casais heterossexuais sejam estendidos aos casais homossexuais.
O processo, de 322 p�ginas, tramitava sob responsabilidade da ministra Ellen Gracie at� mar�o deste ano, quando foi redistribu�do para Ayres Britto por tratar de tema semelhante ao que j� estava sendo analisado pelo ministro.
-
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O que o Supremo Tribunal Federal julgou?
Os ministros do tribunal reconheceram que a rela��o homoafetiva � uma "fam�lia" e afirmam que um casal gay, numa uni�o est�vel, tem mesmos direitos de um casal heterossexual, numa uni�o est�vel.
Quais os direitos que poder�o ser reconhecidos?
Ado��o de filhos, pens�o/aposentadoria, plano de sa�de e heran�a s�o alguns dos exemplos. O casamento civil, no entanto, n�o foi legalizado com a vota��o de ontem no Supremo.
A mudan�a � autom�tica?
Em alguns casos, o direito poder� ser negado, e o casal ter� de recorrer � Justi�a para que seja reconhecido.
E na ado��o?
Segundo especialistas, ainda deve haver dificuldades para adotar crian�as. A decis�o do Supremo Tribunal Federal n�o define explicitamente esse direito, apenas reconhece direitos e deveres da uni�o homossexual.
Como ocorria at� hoje?
At� agora, cada juiz decidia sobre os direitos de casais homossexuais segundo o seu entendimento. As uni�es gays, at� ent�o, n�o eram aceitas juridicamente como uni�es familiares em alguns casos.
Com FELIPE SELIGMAN, DE BRAS�LIA