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    Leonardo Padura

    Obama deixa legado abundante, mas algumas decis�es foram inflam�veis

    28/01/2017 02h00

    Renata Borges
    Renata Borges para Ilustrada de 28.jan.2017.

    O legado que o presidente americano Barack Obama deixou ao mundo depois de oito anos na Casa Branca � pol�mico e abundante, de propor��es universais, por ser o rastro das decis�es do pa�s mais poderoso e rico do mundo, aquele que influi sobre muitos destinos nacionais em todo planeta.

    Ser� a hist�ria quem dar� o veredicto mais ou menos definitivo sobre a qualidade desse legado global. O tempo e a perspectiva v�o permitir avaliar com mais certeza a obra desse pol�tico, o primeiro cidad�o negro a alcan�ar essa posi��o, homem carism�tico, de proje��o social indubit�vel, mas, como todos os pol�ticos, a��es marcadas por contradi��es.

    No caso espec�fico de Cuba, a administra��o Obama colocou a ilha entre suas prioridades, e a impress�o deixada por Obama foi especialmente not�vel, sem d�vida hist�rica em seus diversos alcances: o pol�tico, que diz respeito a todo o pa�s, mas sobretudo ao governo de Havana, e o social, que afeta a todos os cidad�os da ilha.

    Sem d�vida Barack Obama ser� recordado como o presidente americano que foi capaz de dar o passo (hist�rico) de conseguir, em 2015, ap�s meio s�culo de distanciamento, que Havana e Washington restabelecessem rela��es diplom�ticas e come�assem a trilhar um caminho de di�logo em lugar daquele j� seguido dos enfrentamentos e das tens�es, que em Cuba eram sofridas com maior virul�ncia.

    A finalidade �ltima desse gesto de distens�o nunca foi oculta: Obama decidiu abandonar a postura de hostilidade porque ela n�o alcan�ara seu objetivo de mudar o status pol�tico da ilha. Com o di�logo, a proximidade, as rela��es, o com�rcio, ele aspirava conquistar esse resultado maior de mudan�as em Cuba.

    Durante a visita que fez a Havana no in�cio de 2016, essas inten��es foram manifestas: ele conversou com as autoridades, mas tamb�m se aproximou da sociedade civil cubana, da qual, disse, poderiam nascer os agentes da transforma��o interna, algo que, acrescentou, caberia aos cubanos realizar, sem press�es externas.

    Essa �ltima inten��o e algumas de suas declara��es geraram um mal-estar previs�vel nas esferas oficiais da ilha, que qualificaram sua pol�tica como "interferente" e seu trabalho como incompleto, j� que Obama n�o conseguiu atender a reivindica��o maior de eliminar o embargo (embora o tenha enfraquecido), nem que a ilha pudesse usar o d�lar americano em suas transa��es comerciais internacionais e menos ainda a sempre reivindicada devolu��o do territ�rio nacional onde est� encravada a tristemente c�lebre base naval de Guant�namo.

    Enquanto isso, a sociedade civil cubana recebeu o interesse expresso por Obama com esperan�as. Mas com poucos benef�cios concretos. As ideias de Obama n�o se converteram em realidade palp�vel na pr�tica cotidiana, em boa medida porque s�o difusas e rom�nticas, incapazes de interpretar a verdadeira din�mica de uma sociedade como a cubana.

    Como ato de despedida de sua gest�o em rela��o a Cuba, Obama firmou com o governo um novo acordo migrat�rio que era pedido por Havana. Com essa medida ele eliminou os privil�gios que tinham os cidad�os cubanos interessados em se mudar para os Estados Unidos.

    O governo de Cuba pediu durante anos que fosse revogada a Lei de Ajuste Cubano e seu adendo mais ativo, a pol�tica de p�s secos/p�s molhados, que permitia a todo cubano que chegasse ao territ�rio americano ser aceito imediatamente no pa�s, com direito legal de resid�ncia. Sempre foi argumentado em Cuba que essa pol�tica incentivava a migra��o e estava na origem de atos de vandalismo, fomentando o tr�fico de pessoas e elevando os riscos da migra��o clandestina.

    Com seu decreto presidencial mais recente, Obama eliminou essa vantagem migrat�ria e colocou os poss�veis migrantes cubanos no mesmo n�vel em que se encontram os centro-americanos e sul-americanos que desejam ir para o pa�s do Norte.

    Embora esse instrumento migrat�rio parecesse ter seus dias contados com a chegada a Washington de uma administra��o que proclama a necessidade de cortar a migra��o, o fato de ter sido Obama quem o eliminou n�o deixou de provocar surpresa e, sobretudo, colocou centenas de potenciais migrantes cubanos em situa��o desesperadora.

    Tanto os que andam espalhados por diversos pa�ses da Am�rica Latina como os que ainda continuavam na ilha, procurando a via de sa�da, viram cair diante deles um muro semelhante ao que Trump pretende erguer. Centenas desses cubanos que venderam seus bens para financiar o traslado agora se veem com a porta fechada em sua cara, �s vezes com as fam�lias divididas, e criticando o acordo.

    Obama se foi e deixou seu rastro: o resgate das rela��es � uma vit�ria pol�tica, sem d�vida. O resto de suas decis�es forma uma mat�ria inflam�vel cujo efeito imediato � contradit�rio e que encerra consequ�ncias futuras ainda imprevis�veis, enquanto no presente alguns o acusam de interferente e outros o tacham de traidor.

    Tradu��o de CLARA ALLAIN

    leonardo padura

    Escreveu até mar�o de 2017

    Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.

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