Institui��es estudam rever acesso a acervos
Casas como Academia Brasileira de Letras e Funda��o Joaquim Nabuco buscam se adequar aos 'novos tempos'
Doa��es de arquivos de personalidades s�o regidas por leis federais como a de acesso e a de direitos autorais
Os maiores segredos da Funda��o Casa de Rui Barbosa, no Rio –cartas, di�rios e outros manuscritos h� d�cadas inacess�veis ao p�blico–, t�m sido escrutinados nas �ltimas semanas por uma equipe de quatro pesquisadores.
Eles formam um grupo de trabalho que a institui��o, ligada ao Minist�rio da Cultura e que det�m acervos pessoais de autores como Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, criou para avaliar documentos guardados sob o status de "reservados".
A iniciativa decorreu de um rev�s para a institui��o. Em junho, ela foi obrigada pela CGU (Controladoria-Geral da Uni�o) a liberar acesso a uma carta de M�rio de Andrade a Manuel Bandeira, de 1928 –a �nica correspond�ncia entre os dois na Casa de Rui que permanecia fechada, por conter coment�rios sobre a sexualidade do modernista.
A CGU, �rg�o que zela pela transpar�ncia em �mbito federal, entendeu que a Casa de Rui tinha extrapolado o prazo de reserva da carta. Em 1978, quando o acervo de Bandeira chegou � institui��o, definiu-se que a carta seria liberada em 1995.
Aquele n�o era o �nico documento lacrado na casa. No primeiro semestre, enquanto debatia com a CGU contra a abertura –alegando que o herdeiro de M�rio n�o liberava–, a institui��o resolveu tirar de seu site os avisos de "reservado" que apareciam em v�rios deles.
Ap�s a decis�o da CGU, a Casa de Rui decidiu avaliar tudo para ver o que pode ser liberado. Alguns pap�is chegam a estar lacrados at� 2097, conforme acordo com os herdeiros no momento da doa��o –e n�o est� claro nem para a institui��o por qu�.
Ricardo Calmon, diretor executivo da Casa de Rui, diz que a meta � esclarecer casos que, como na carta de M�rio, o prazo combinado com a fam�lia j� tenha vencido.
A preocupa��o do pesquisador � fazer com que os doadores –atuais e futuros– saibam que, se houver um acordo vigente, ser� respeitado. "Isso � important�ssimo para que as pessoas n�o se sintam inibidas de doar seu acervo."
OUTRAS INSTITUI��ES
A Casa de Rui n�o � exce��o entre as institui��es que recebem acervos pessoais de personalidades no pa�s.
A rela��o que se cria numa doa��o de acervo � delicada. Na maior parte dos casos, os herdeiros continuam detentores dos direitos autorais, e podem fazer valer o direito � intimidade, restringindo alguns documentos, mas o acervo como um todo passa a ser de acesso p�blico.
Embora boa parte das institui��es afirme n�o ter nenhum documento secreto, todas entendem que � prerrogativa dos herdeiros estipular alguma restri��o ao doar.
Institui��es privadas, como o Instituto Moreira Salles e a PUC-RS, e p�blicas, como o Instituto de Estudos Brasileiros da USP, t�m papeis reservados.
"Toda institui��o pode ter documentos secretos. Cartas s�o documentos de foro �ntimo, as fam�lias que as depositam t�m o direito de dizer se querem que sejam vistos ou n�o", diz Elvia Bezerra, do Instituto Moreira Salles (IMS), que det�m a guarda de 25 acervos, incluindo os de Paulo Mendes Campos, Ana Cristina C�sar e Clarice Lispector.
A coordenadora de literatura diz que a doa��o tamb�m � feita em nome da preserva��o, e da� s�o inclu�dos no lote papeis que a fam�lia preferiria n�o ver divulgados.
Diferentemente de outras institui��es, o IMS consulta a fam�lia sobre acessos espec�ficos, mesmo que n�o exista restri��o no termo de doa��o. Entre os papeis inacess�veis na institui��o, no Rio, est�o cartas de Dalton Trevisan para Otto Lara Resende.
"A lei de arquivos prev� que a institui��o tem que zelar pela moral do titular. Como isso � subjetivo, o que fa�o � sempre consultar a fam�lia", diz Elvia. "Tenho o maior prazer em liberar documentos, � uma fun��o do arquivo, mas h� a quest�o �tica."
Luiz Antonio Assis Brasil, que cuida do Delfos (Espa�o de Documenta��o e Mem�ria Cultural) da PUC-RS, diz considerar "natural" o pedido de restri��o de documentos, mas quer estabelecer prazos, "daqueles cl�ssicos, de 30 ou 50 anos", para n�o permitir que bloqueio indefinidamente. "Estou moralmente interessado na divulga��o disso."
Na PUC-RS, est�o lacrados, a pedido da fam�lia, di�rios de Caio Fernando Abreu, embora outros manuscritos dele possam ser pesquisados.
ACESSO
A decis�o da CGU sobre a carta de M�rio foi tomada com base na Lei de Acesso � Informa��o, que estipula que a restri��o relativa � privacidade n�o pode prejudicar a��es voltadas para a recupera��o de fatos hist�ricos. A lei, de 2011, revogou artigos da Lei de Arquivos, de 1991.
A decis�o da CGU foi vista com bons olhos por institui��es do g�nero. Algumas, como a Academia Brasileira de Letras, privada, e a Funda��o Joaquim Nabuco, p�blica, est�o dispostas a rever normas internas para "adequ�-las aos novos tempos", como diz Maria Oliveira, respons�vel pelo acervo liter�rio da ABL.
Fl�via Le�o, respons�vel pelo Cedae (Centro de Documenta��o Cultural Alexandre Eulalio), que re�ne 30 acervos de escritores, na Unicamp, diz que o conflito entre leis n�o � um "privil�gio" brasileiro. "Acho que o Brasil tem avan�ado nesse aspecto, embora faltem pol�ticas p�blicas de informa��o", diz.
Embora gestores defendam regras mais bem definidas, Gilberto Waller Junior, ouvidor-adjunto da Ouvidoria Geral da Uni�o, acredita que a legisla��o vigente j� basta. "Regras espec�ficas, se criadas para os arquivos, podem ensejar retrocesso no direito de acesso � informa��o".
Na avalia��o dele, falta uma regulamenta��o mais clara no que diz respeito � prote��o de dados pessoais –atualmente, h� um projeto de lei sobre o assunto em fase de consulta p�blica.
A Casa de Rui diz que os papeis secretos correspondem a uma minoria de seu acervo. Seriam poucas dezenas num conjunto cuja dimens�o n�o � medida em milhares de itens, mas em pilhas –se colocados uns sobre os outros, os documentos teriam 350 m, um pr�dio de 115 andares.
"Os reservados n�o chegariam a 1 cm se empilhados", diz o diretor-executivo Calmon, sem esclarecer quais autores est�o nesse pacote –sabe-se que Pedro Nava � um deles.