SP tem quase 2 professores agredidos ao dia; ataque vai de soco a cadeirada
Bruno Santos/Folhapress | ||
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A m�e de uma das alunas da professora Luciana Rocha, 41, tentou agredi-la em sua sala de aula |
A cada dia, em m�dia, quase dois professores s�o agredidos em seus locais de trabalho no Estado de S�o Paulo, mostram dados de registros policiais obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso � Informa��o.
O n�mero leva em conta as 178 queixas de educadores em delegacias no primeiro semestre deste ano em datas do calend�rio escolar (dias �teis do per�odo de fevereiro a junho).
Elas se referem a ocorr�ncias de "vias de fato" (37%), como um empurr�o sem maiores consequ�ncias, e ao crime de les�o corporal (63%). Aconteceram em creches, escolas e universidades, tanto p�blicas como particulares.
H� educadores atingidos com lixeiras, carteiras escolares, socos, chutes e pontap�s. Em ao menos um de cada quatro casos, um aluno foi apontado entre os agressores -a maioria dos registros n�o identifica os respons�veis.
O n�mero real de ocorr�ncias � provavelmente ainda maior, pois, em um ter�o dos casos, a profiss�o da v�tima n�o � identificada no boletim. Sabe-se ainda que, em estat�sticas de viol�ncia, � comum haver subnotifica��o, pois parte das pessoas n�o chega a procurar a pol�cia.
A viol�ncia contra professores ganhou repercuss�o nacional nas �ltimas semanas com a imagem de M�rcia Friggi, de Indaial (SC), fotografada com sangue no rosto ap�s levar um soco de um aluno. A cena chamou a aten��o para casos que se repetem todos os dias em todos os Estados.
Em 2015, 23 mil professores do pa�s relataram ter sido amea�ados por algum estudante da escola, segundo question�rios da Prova Brasil, exame aplicado pelo Minist�rio da Educa��o.
Para especialistas, dois fatores se combinam para explicar as agress�es. De um lado, est� a viol�ncia que existe na pr�pria sociedade. "Os conflitos transpassam o muro da escola e continuam ali", afirma Renato Alves, pesquisador do NEV (N�cleo de Estudos da Viol�ncia) da USP.
"Crian�as que vivem em ambientes violentos tendem a se relacionar de maneira pior com seus colegas e professores", completa Priscilla de Albuquerque Tavares, da FGV.
Por outro lado, a desconex�o entre o aluno e a escola agrava o problema, diz Bernard Charlot, que conduziu pesquisas sobre o tema para o governo franc�s e hoje � professor visitante na Universidade Federal de Sergipe. "Um aluno que passa cinco dias na escola desinteressado, sem ver sentido no que aprende, vira foco de tens�o permanente. Com qualquer fa�sca, pode gerar inc�ndio."
SOCOS E PONTAP�S
"Quem � que sai para trabalhar pensando em tomar um soco na cara?" A pergunta n�o sai da cabe�a do professor M�rcio Gomes, 40, h� mais de um m�s. Na primeira quinta-feira de agosto, dia 3, ele sentiu um clima estranho j� durante a aula, numa escola estadual da cidade de Mogi das Cruzes (SP).
Ensinava equa��o de segundo grau quando um aluno que ele nunca tinha visto entrou na sala, pegou o celular de outro estudante e fez barulho no corredor ao sair. Advertido por uma funcion�ria, gritou palavr�es e disse que iria dar um soco nela.
Ao ouvir a amea�a, M�rcio procurou a colega para alert�-la. N�o imaginava que era ele quem iria, involuntariamente, entrar na estat�stica de professores atacados em seu local de trabalho.
Naquele dia, menos de tr�s semanas antes de a professora M�rcia Friggi ser atacada em Santa Catarina, M�rcio foi surpreendido no p�tio pelo aluno desconhecido que entrara no meio da sua aula.
"Ele estava sentado em um grupo", lembra. "Com um olhar fixo de raiva, levantou-se, veio at� mim e come�ou a me dar socos e pontap�s. Andei uns quatro metros para tr�s at� escapar." O apagador que M�rcio segurava quebrou. As pancadas atingiram sua cabe�a e sua perna.
O motivo do ataque o professor n�o sabe bem at� hoje. Desconfia que o estudante, de 16 anos, possa ter ficado revoltado quando ele alertou a outra funcion�ria sobre a amea�a no corredor.
DESPROPOR��O
A perplexidade dos professores agredidos ao lembrar o in�cio do epis�dio de viol�ncia � comum em seus relatos. Por mais injustific�vel que seja o ato de viol�ncia em si, chama a aten��o a desproporcionalidade entre a agress�o e a desaven�a que a originou.
Maria (nome fict�cio), 39, foi parar na UTI ap�s um aluno reclamar que recebera a nota errada numa escola da zona leste de S�o Paulo.
Professor de artes, Jeferson Siqueira, 49, foi golpeado com uma cadeira ap�s repreender um jovem que havia batido o caderno com for�a na mesa num col�gio na zona norte. Machucou antebra�o, cotovelo e m�o. Teve o dedo mindinho quebrado.
Luciana Rocha Frias, 41, foi xingada aos gritos pela m�e de uma crian�a da rede municipal ap�s um mal entendido sobre o tamanho do uniforme. Funcion�rios se colocaram na frente da professora para impedir a agress�o.
O fen�meno do "motivo f�til" j� foi identificado em pesquisas sobre viol�ncia escolar de outros pa�ses, diz Bernard Charlot, professor aposentado da Universidade Paris 8 que conduziu estudos sobre o tema para o governo franc�s h� duas d�cadas.
"Quando se analisam os casos, muitas vezes n�o se entende como uma coisa t�o pequena gerou uma rea��o t�o forte", diz ele, que hoje atua na Universidade Federal de Sergipe. "Mas, em geral, j� havia uma quest�o maior antes do epis�dio de viol�ncia -n�o necessariamente ligada ao professor."
No caso de Jeferson, por exemplo, o col�gio tinha um problema com drogas. Dias antes, ele e o aluno que depois o agrediu haviam tido uma discuss�o. "Ele traficava dentro da escola e sentava perto da porta para cobrar as pessoas no corredor. Mandei ele fechar a porta, e ele ficou nervoso", afirma.
Muitas vezes a agress�o na escola tamb�m ocorre ap�s uma sucess�o de pequenos atos de incivilidade, de acordo com Renato Alves, pesquisador do NEV (N�cleo de Estudos da Viol�ncia) da USP e autor de estudos sobre o tema.
Se a escola n�o tomar uma atitude que deixe claro que aquilo n�o pode ser feito, um xingamento e um bullying, por exemplo, podem redundar em um ataque f�sico. � importante notar, diz, que muitas vezes o ato de viol�ncia � s� a ponta do iceberg de uma s�rie de frustra��es que explodem dentro da escola.
FRUSTRA��O
Professor em Mogi das Cruzes, �lvaro Dias lista alguns acontecimentos recentes nas escolas da cidade, para ele sintomas da frustra��o com uma mesma gest�o educacional fracassada: alunos jogaram verniz e urinaram em uma caixa-d'�gua; fizeram corredor polon�s para agredir colegas; queimaram o carro de uma diretora; agrediram mais de uma professora.
F�bia Morente, 41, foi uma delas. Com 20 anos de profiss�o, a docente entrou mais de uma vez na estat�stica.
Os epis�dios come�aram h� alguns meses, ap�s ela avisar uma colega que alunos haviam quebrado uma vidra�a do col�gio. Pouco depois, ela chegou em seu carro e descobriu que tinham descarregado no ve�culo todo o conte�do de um extintor.
Em abril deste ano, veio a situa��o mais grave, no meio de uma aula do 9� ano. "A porta da sala estava aberta. Eu s� vi uma lixeira voando, e os alunos gritando: 'n�o!'." N�o deu tempo de desviar. A lixeira -cheia- bateu na cabe�a e no ombro de F�bia.
Na �ltima quarta-feira (13), ela decidiu voltar � delegacia, agora por causa de outro ataque. Dessa vez, a porta da sala estava fechada. Um aluno colocou uma bombinha no buraco da porta, e estilha�os atingiram seu ombro. "Recebemos uma cobran�a enorme, mas n�o temos estrutura para trabalhar", reclama ela.
Agress�es n�o s�o o �nico problema enfrentado pelas professoras mulheres. Luciana (nome fict�cio) registrou queixas de outra ordem. Ela d� aulas de educa��o f�sica em uma escola p�blica da periferia de Campinas (interior de S�o Paulo) e prefere n�o ser identificada.
Conta que, no in�cio do ano, alunos come�aram a assedi�-la. Ela passou de sala em sala e pediu respeito. Um m�s depois, viu seu carro inteiro riscado de "canet�o", com palavras como "gostosa" e desenhos obscenos. At� hoje n�o se sabe quem foi o autor -o que significa que ningu�m foi punido.
Educadora da rede municipal, Silvana Ferreira, 32, foi alvo de outro crime, tamb�m dentro da escola, uma unidade da rede municipal em Cidade Tiradentes (zona leste). Bandidos entraram no fim do dia, trancaram os professores em uma sala e levaram todos os pertences. "A gente at� espera ser abordado na rua, mas n�o no seu local de trabalho", afirma.
CONSEQU�NCIAS
Ainda que graves, poucos casos se comparam ao de Maria (nome fict�cio), que pediu para n�o ser identificada. "Rodo nela", escreveu em uma rede social um aluno de 16 anos ap�s dar uma rasteira nela, em uma escola na zona leste de S�o Paulo. O ataque aconteceu ap�s uma discuss�o sobre o registro da nota do estudante.
Pega de surpresa pela rasteira, Maria caiu, bateu a cabe�a e ficou mais de cinco minutos desacordada. No ch�o da escola estadual na zona leste de S�o Paulo, teve convuls�es e ficou tr�s dias em observa��o na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de um hospital, com a costela trincada.
Hoje, est� bem de sa�de. Mas tem medo e, com medo, n�o � mais a mesma na sala de aula, diz. "A minha mat�ria [matem�tica] n�o � a do professor mais bonzinho. A gente precisa de aten��o, disciplina, que os alunos fa�am o exerc�cio", afirma. "Mas n�o consigo mais ter a mesma autoridade. Se um aluno falasse que n�o ia fazer algo, antes eu insistia. Agora eu s� respondo: 't�' bom."
Seu caso, ocorrido no fim do ano passado, causou como��o na rede estadual. Professores de diversos col�gios foram trabalhar vestidos de preto. Alunos fizeram protestos e homenagens � professora. Em um dos cartazes, lia-se: "professores desmotivados, alunos prejudicados".
A rea��o revela duas caracter�sticas da viol�ncia escolar. A primeira � que, ao contr�rio do que podem dar a entender n�meros alarmantes, os atos s�o praticados e tolerados por uma minoria. "Os casos que ocorrem s�o muito graves, mas n�o significa que a escola virou um lugar onde predominam o medo e os ataques", diz Alves, do NEV/USP.
A segunda caracter�stica � que, se os agressores s�o minoria, as consequ�ncias de seus atos atingem toda a escola. Aulas s�o interrompidas, profissionais adoecem e pedem licen�a, e alunos ficam sem professores.
Atacada pela m�e da aluna, Luciana Rocha, 41, ficou dois anos afastada ap�s o epis�dio, por motivos de sa�de. "N�o consigo mais entrar na sala de aula", diz.
Ela hoje exerce fun��es administrativas, assim como Jeferson, que foi atacado com a cadeira em 2015. Desde que foi golpeado, ele toma medicamentos contra depress�o e s�ndrome do p�nico. Evita pegar �nibus na hora do almo�o para n�o encontrar outros estudantes no transporte. Talvez at� volte a lecionar, mas n�o tem certeza.
Agredido h� pouco mais de um m�s em Bragan�a Paulista, M�rcio voltou � sala de aula, mas em outra escola. Dessa vez, conta, foi ele que pediu desculpas aos estudantes -por n�o conseguir "se segurar" na sala. "Chorei por quase um minuto e meio na frente deles", afirma.
SOLU��ES
Apontados como fatores que influenciam a viol�ncia escolar, os problemas sociais e de seguran�a p�blica n�o se resolvem simplesmente por iniciativa das escolas. Na tentativa de uma solu��o interna, escolas de S�o Paulo t�m apostado em a��es de media��o de conflito.
Na rede estadual, desde 2010, professores t�m sido treinados para atuar em casos de ofensas, amea�as e agress�es, inclusive com a��es preventivas. A atua��o desses profissionais tinha melhorado a situa��o da viol�ncia, diz Maria Izabel Noronha, dirigente da Apeoesp (sindicato dos professores da rede estadual). Segundo ela, por�m, parte do quadro desses profissionais foi cortada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Chefe de gabinete da secretaria de Educa��o, Wilson Levy rebate a informa��o e afirma que houve uma jun��o desse programa com outro, de escola da fam�lia. Segundo ele, a pasta anunciar� em breve um programa para aumentar o n�mero de professores mediadores na rede, com foco nas regi�es com maior vulnerabilidade social do Estado. "Mas � preciso lembrar que o que acontece na escola � um sintoma", afirma. "A viol�ncia est� na sociedade."
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