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Somos a região que mais migra

No final de 2020, mais de um quarto da população migrante a nível mundial residia nas Américas, o que representava 7% da população total da região.

De acordo com as Nações Unidas, havia aproximadamente 281 milhões de migrantes no mundo no final de 2020, o equivalente a 3,6% da população global. 26% da população migrante mundial vivia nas Américas, o que significa que os migrantes representavam 7% da população total da região naquele ano. Ao mesmo tempo, 117 milhões de pessoas foram deslocadas de maneira forçada em todo o mundo, o que representa um aumento de 950% nos últimos 10 anos. Dessas pessoas, 9,2 milhões foram deslocadas nas Américas, ou seja, 28% da população deslocada global encontra-se na América Latina e no Caribe. 

O que esses dados nos dizem?

Que somos a região que mais migra. Isso não é confirmado apenas pelos dados, mas também pela prioridade dada a essa questão em nível regional. De fato, a migração e o deslocamento forçado foram os principais pontos discutidos no âmbito da III Reunião Ministerial da Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção, que ocorreu em 7 de maio de 2024 na Cidade da Guatemala, com a participação de 20 dos 22 países que adotaram o documento em 2022, à margem da Cúpula das Américas celebrada em Los Angeles.

Considerando a prioridade dessa agenda em nível regional, vale a pena destacar três questões-chave que emergiram da discussão na Guatemala. Além de discutir o caráter verdadeiramente hemisférico do fenômeno migratório que está impactando praticamente todos os países da região como países de origem, trânsito, destino e até mesmo de retorno, e de analisar os dados, os desafios e as oportunidades, os países participantes do encontro também discutiram (a) os desafios de financiar a recepção e a integração de pessoas em situações de mobilidade humana, (b) a necessidade urgente de garantir uma participação mais inclusiva no processo de acompanhamento da Declaração e (c) a necessidade de vincular as questões de mudança climática e migração. Um elemento adicional a ser destacado foi a “desvenezolização” da discussão do tema e a menção de fóruns como os oferecidos pela Declaração de Palenque como alternativas para discutir temas migratórios em nível regional.

Sobre a questão do custo da migração para os países de trânsito e os países de acolhimento, uma questão que surgiu com muita ênfase foi a necessidade de aumentar o financiamento tanto das instituições financeiras quanto do setor privado. Em essência, os países de origem devem abordar as causas estruturais da migração e os países receptores devem investir na integração de migrantes e refugiados, mas isso tem um custo financeiro difícil de suportar para os países da América Latina e do Caribe, que continuam enfrentando dificuldades econômicas, especialmente após a COVID-19, e com cada vez menos acesso a fundos internacionais que estão sendo investidos em outras crises em todo o mundo. 

Por exemplo, em 2023, no Fórum Mundial sobre Refugiados, foram feitos mais de 1.600 anúncios de cooperação financeira e técnica destinados à atenção aos refugiados e suas comunidades de acolhimento, incluindo US$250 milhões prometidos pelo setor privado. Essas contribuições do setor privado se concentraram principalmente em apoiar iniciativas para educação, proteção de pessoas em mobilidade humana, emprego e meios de subsistência dos refugiados.

No entanto, ao observar a alocação desses fundos por região, as Américas não foram priorizadas como região pelos doadores internacionais, apesar de abrigarmos as maiores dinâmicas de migração e deslocamento forçado na história recente da região, incluindo a situação na América Central e no México, onde mais de 1,8 milhão de pessoas foram deslocadas e, desde outubro de 2022, o maior êxodo do mundo, o dos venezuelanos.

Migração infantil 

Um aspecto importante da razão pela qual é estratégico investir mais na gestão da migração e do deslocamento forçado tem a ver com a migração infantil. As crianças e os adolescentes representam menos de 15% da população migrante em todo o mundo, mas na América Latina e no Caribe eles representam 25% das pessoas em situação de mobilidade humana. E, a propósito, meninas e adolescentes representam cerca de 20% do fluxo migratório feminino na região. De fato, em 2022, 3,7 milhões de crianças e adolescentes da região estavam em processos de migração e deslocamento, o que representa um aumento de 47% em relação a 2021.

Em segundo lugar, e com base no espírito interamericano de cooperação e inclusão, foi enfatizada a importância de garantir uma participação mais inclusiva no processo, incluindo a participação de outros atores-chave que contribuem e participam ativamente do ecossistema de resposta à migração e aos deslocamentos forçados. Até 2024, apenas 22 dos 34 Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) estarão participando do processo de acompanhamento da Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção, com uma ausência notável, por exemplo, dos países anglo-caribenhos. A necessidade de incluir a sociedade civil e o meio acadêmico também ficou evidente e, embora sua participação não tenha sido parte do fórum propriamente dito, suas contribuições e propostas foram recebidas com a expectativa de poder gerar processos institucionalizados para sua participação no futuro.

Um terceiro tema importante discutido foi a conexão entre migração e mudança climática de duas maneiras. Por um lado, ficou claro que a mudança climática, combinada com outros fatores, pode ser um impulsionador da migração.Um exemplo importante, próximo à realidade guatemalteca, é a realidade do Corredor Seco da América Central e o impacto que as secas podem ter sobre a segurança alimentar dessas populações. De fato, dados das Nações Unidas estimam que 17 milhões de pessoas serão deslocadas pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental nos próximos anos, e essa é uma realidade que também afeta a América Latina e o Caribe em particular. 

Por outro lado, e sob a perspectiva do que está acontecendo atualmente no Darién, o impacto ambiental das pessoas que passam por essa rota migratória também foi discutido. Para ilustrar esse último, dados da autoridade migratória fronteiriça do Panamá documentam que, em 2023, pelo menos 520.085 pessoas cruzaram o Darién, o que representou um aumento de 109% em relação ao que foi registrado em 2022, que foi de cerca de 248.000 pessoas, e 133.000 em 2021. Entre janeiro e abril deste ano (2024), 139.000 pessoas já cruzaram da Colômbia ao Panamá pelo Darién, sendo que 20% do total eram menores de idade. 

Ao mesmo tempo, também estão sendo causados danos ambientais significativos, como a perda de florestas primárias, perda de solo por erosão, contaminação de rios e praias por lixo no Parque Nacional, entre outros, devido à passagem constante de pessoas. Sem dúvida, essa é uma questão que tem sido pouco abordada e deve ser cada vez mais incluída entre as prioridades da discussão regional.

A migração venezuelana

Por fim, mais de 7,7 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos deixaram seu país de origem desde 2018, dos quais cerca de 6,5 milhões (84%) estão sendo recebidos em países da América Latina e do Caribe. Por outro lado, das 139.000 pessoas que cruzaram o Darien entre janeiro e abril de 2024, 63% eram venezuelanos. No entanto, o êxodo venezuelano não esteve no centro da discussão como em reuniões anteriores, nem os desafios que essa migração representa, dado o volume e a velocidade dos movimentos do povo venezuelano e as condições precárias de seu trânsito migratório. 

Ao mesmo tempo, a possibilidade de abordar essas questões no âmbito de outros fóruns também entrou no radar da discussão, particularmente a que surgiu do Encontro de Palenque, realizado no México em 2023, e do qual participam Cuba e Venezuela.

Sem dúvida, os países da região deram um passo positivo ao adotar a Declaração de Los Angeles sobre Proteção e Migração à margem da Cúpula das Américas de 2022 em Los Angeles. No entanto, quase dois anos após sua aprovação, permanece a expectativa de que esse novo mecanismo de cooperação regional em matéria migratória possa gerar novos e melhores resultados e agregar valor ao que foi alcançado anteriormente. Isso é algo que poderemos avaliar com o tempo e à medida que o processo continue se institucionalizando e que será uma prioridade fundamental para os países da região.

*As opiniões são pessoais. Elas não representam as da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Autor

Diretora do Depto. de Inclusão Social, Secretaria de Acesso a Direitos e Equidade da OEA. Co-Coordenadora da Rede de Mulheres Cientistas Políticas #NoSinMujeres. Draper Hills Fellow em Democracia e Estado de Direito, Univ. de Stanford.

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