Diferenças programáticas entre coalizão de esquerda e centristas devem manter o cenário delicado na política francesa, afirma especialista

Para Daniel Damásio Borges, os dois principais vencedores das eleições legislativas na França divergem em questões centrais, como a reforma da previdência, e terão dificuldade em elaborar um plano de governo comum, ao passo que irão conduzir o país sob a sombra do crescimento expressivo da extrema direita

Com um resultado surpreendente e participação de quase 60% dos eleitores, a coalizão de esquerda Nova Frente Popular conquistou a maioria de assentos na Assembleia Nacional da França, durante o segundo turno das eleições legislativas realizadas em 7 de julho. Porém, devido aos números finais, a coalizão não obteve votos suficientes para formar uma maioria e deverá articular um governo com a coalizão de partidos aliados do presidente Emmanuel Macron. Para Daniel Damásio Borges, professor de Direito Internacional Público do câmpus da Unesp em Franca e doutor pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, as duas forças políticas terão que superar divergências relevantes para formar um governo, ou correm o risco de fortalecerem a extrema-direita.

Ao final das eleições da França, as três maiores bancadas da nova legislatura ficaram assim: Nova Frente Popular (esquerda): 182 assentos; Juntos (coalizão governista, de centro): 168 assentos e Reunião Nacional (extrema direita): 143 assentos. Para a extrema direita, apesar do amplo crescimento do número de assentos obtidos pelo Reunião Nacional (RN), de 88 para 143, o resultado foi frustrante. No primeiro turno, ocorrido na semana passada, o partido de Marine Le Pen havia saído à frente de todas as demais forças políticas. Existia até uma projeção para a legislatura ser  a maioria absoluta da Casa.

Após o resultado, Le Pen disse: “Nossa vitória foi apenas adiada”. Já o primeiro-ministro da França, Gabriel Attal, que é do Juntos, também admitiu a derrota, e disse que colocaria o cargo à disposição. Emmanuel Macron pediu nesta segunda-feira (8/7) ao atual primeiro-ministro, que permanecesse em seu cargo até o cenário ser definido. Caso não ocorra, Macron deverá indicar um novo premiê.

O resultado gerou repercussão de diferentes autoridades pelo mundo. Aqui no Brasil, por exemplo, o presidente Lula enalteceu a maturidade das forças políticas francesas contra a extrema direita e que deve ser inspiração para a América do Sul. Por outro lado, membros da família do ex-presidente Jair Bolsonaro seguiram a fala de Le Pen, alegando que a vitória da extrema direita foi apenas adiada.

Os resultados também foram comemorados pelo primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, o premiê, Donald Tusk da Polônia entre outras autoridades.

Desafios na formação de um novo governo

O professor da Unesp no câmpus de Franca explica que o resultado da eleição na França reflete uma grande articulação política contra o avanço de pautas associadas a xenofobia, discriminação entre outras que gerariam retrocesso na democracia francesa. “Tanto a esquerda quanto o centro direita ligado ao presidente Emmanuel Macron fizeram uma união e ampla articulação de diferentes correntes políticas bem sucedida. O objetivo era barrar a extrema direita. Nesse sentido, eles conseguiram segurar um grupo político que visa pautas ligadas a xenofobia, valores autoritários, discriminação e seria um fato inédito no país que poderia afetar a democracia francesa”.

De acordo com o professor da Unesp, apesar dessa vitória, a coalizão terá que enfrentar inúmeros desafios e o próprio presidente Emmanuel Macron ficará numa situação delicada mediante ao novo cenário político e mediante a Assembleia Nacional da França.

“Tanto a Frente Popular que agrega vários partidos de esquerda quanto os partidos ligados ao Macron não obtiveram maioria no parlamento, então eles vão precisar de uma coalizão para governar. Nesse sentido, eu vejo essa aliança com muitas dificuldades, pois existem diferenças programáticas significativas. Por exemplo, a Nova Frente sempre se opôs às políticas adotadas por Macron, mas agora a Frente é bem heterogênea, e isso gera a dificuldade de um governo coerente, forte, com projetos consistentes. Ou seja, eles terão que negociar um programa de governo comum mediante as diferenças”.

Na ótica de Damásio existem muitos pontos que devem ser ajustados nesse caminhar. “Por exemplo, a reforma da aposentadoria, a Frente Nova sempre se opôs e ao mesmo tempo é uma das medidas mais importantes apresentada pelo governo Macron. Além disso, o desafio se torna ainda maior pois a extrema direita mostrou uma votação significativa, com expansão notável de um eleitorado que apoia esse tipo de política. Em linhas gerais, se a coalizão falhar, certamente fortalecerá a extrema direita e a candidatura de Marine Le Pen à presidência no término da gestão de Macron. A vitória foi importante mediante ao papel da França em âmbito global, mas a situação política é muito delicada e exige cuidados para não abalar o futuro político da França”.

Confira abaixo a entrevista para o Podcast Unesp.

Imagem acima: Letreiro indica local de votação nas eleições da França (DepositPhoto)