Francisco dos Santos

Francisco dos Santos ficará na história das artes como um dos maiores artistas dos primórdios do século XX. Morreu em plena actividade de trabalho. Durante a sua vida, que não se pode dizer que fosse longa, não soube o que era desfalecimento no seu labor. As suas obras não acusam a menor falta de faculdades do artista, quer sejam as de concepção, quer sejam as da técnica. Morreu quando muito havia a esperar do seu talento” (in Francisco dos Santos. Escultor. Estatuário, 1930, Lisboa, p. 28).

Francisco dos Santos constitui, hoje, a personalidade riomourense mais ilustre e de maior relevo histórico. Nascido no lugar de Paiões, na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, em 22 de Outubro de 1878, cedo ingressou na Casa Pia de Lisboa, tendo sido esta instituição a matriculá-lo, em 1893, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.

Ao que se sabe, a família era muito humilde, tendo Francisco dos Santos ficado órfão de pai ainda pequeno. Pela sua grande inteligência e aptidão para o desenho e para a modelagem, que revelara ainda durante a instrução primária, o Pároco de Rio de Mouro e o Professor Oficial da localidade envidaram esforços para que o menino pudesse continuar os seus estudos, no intuito de não se perder tamanho génio artístico.

Em uma carta enviada para Lisboa acerca da criança lê-se: “Miguel Antonio de Barros Pinto Saraiva, Parocho collado na Egreja de Nossa Senhora de Belém de Rio de Mouro no Concelho de Cintra. Attesto e certifico em fé de Parocho o seguinte: Que no lugar de Paiões desta Freguezia reside Adelaide Sophia Duarte, viuva de José Duarte dos Santos, tendo em sua companhia dois filhos pequenos, um do sexo masculino, nascido em vida de seu marido, outro do sexo feminino, que nasceu depois de seu marido ter fallecido, mas de quem tinha ficado grávida; a qual nada possue de seu; e por isso tem vivido e vive do seu trabalho, ganhando o seu sustento e para seus filhos com honra e honestidade, como boa viúva, o que sempre me tem constado e é fama pública; e que como boa mãe procura educar seus filhos o melhor que é possível, e trazendo- os já na escola; e como me foi dito que esta dita viúva deseja colocar seu filho por nome Francisco em uma caza de Beneficência, cumpre-me declarar o que já ouvi ao professor onde el/e anda; pois me disse que essa creança era doptada de uma intelligência pouco vulgar, e que estava convicto de QUE PODERIA VIR A SER UM GRANDE TALENTO, se porventura aquelle espírito fosse cultivado; e que era uma pena ser filho de uma pessoa pobre; e portanto, se tal creança for admitida onde se lhe possa dar a educação intellectual, estou convicto que será uma felicidade para ella; E UMA GLORIA PARA A GAZA ONDE FOR ADMITIDA e para as pessoas que a protegerem. É o quanto em verdade posso certificar. Rio de Mouro, Primeiro de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco. O Prior- Miguel Antonio de Barros Pinto Saraiva (. . .). O Tabellião, Joaquim Barreiros Cardoso. Lisboa, cinco de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e cinco”. (in Francisco dos Santos. Escultor. Estatuário, 1930, Lisboa, pp. 9-10).

Em 1897, já aluno do denominado Curso Especial, inscreve- se em Escultura, onde foi discípulo de Simões de Almeida (Tio) e de Eduardo da Silva.

No dealbar do século XX, mais precisamente no ano de 1903, num concurso muito disputado, ganha um lugar de Bolseiro do Estado Português para estagiar em Paris, sobretudo com Charles Verlet, tendo ficado de fora Costa Mota (Sobrinho) e Simões de Almeida (Sobrinho). De Paris, parte para Roma, em 1906, com dinheiros do Legado Valmor, onde, de novo, estuda com afinco.

Aplica-se na modelação de figuras, denotando-se-lhe uma plasticidade ímpar no conferir aos modelos uma graça e um movimento – e também grande animação e vigor – até então pouco frequentes na nossa Escultura. Daí que Fernando de Pamplona, no seu Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses (vol. V, p. 142), de 1988, teça algumas considerações sobre Francisco dos Santos: “De espírito pagão, de temperamento sensual, ele esculpiu com palpitação e fogo imagens tentadoras e pecaminosas da beleza feminina. Na pujança do modelado, no ímpeto irresistível, no largo sentido do movimento, ele aparenta-se com Rodin”.

Em Paris e em Roma, expõe nos melhores Salões e esculpe vários trabalhos como ‘La Filie Prodigue’, ‘Pequeno Egípcio’, de 1905, e ‘Crepúsculo’, de 1909, este último conservado hoje no Museu Nacional de Arte Contemporânea (Chiado).

Salomé

Já em Lisboa, concebe um número significativo de esculturas, todas elas de grande qualidade, reconhecidas por todos e de desmesurada mestria escultórica. Ћ laia de exemplos, temos: ‘Prometeu’, de 1920, no Jardim Constantino, em Lisboa; ‘Recordando’; ‘Inovação’; ‘Mater Dolorosa’; ‘Homem ao Leme’, de 1903, no Cais do Sodré, em Lisboa; ‘Fons Vitae’, no Jardim da Estrela, em Lisboa; ‘Monumento ao Marquês de Pombal’ e grupos escultóricos da base do pedestal do mesmo monumento, também em Lisboa; ‘Um Beijo’, de 1915; ‘Nina’, de 1917, no Museu Nacional de Arte Contemporânea; ‘Busto da República’, nos Paços do Concelho de Lisboa; ‘A Lei’, exposta na Assembleia da República; ‘Monumento a Gomes Leal’, no Cemitério do Al to de São João, em Lisboa; ‘Monumento a Sousa Viterbo’, no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa; ‘Monumento a João Lúcio’, no Algarve; ‘Monumento aos Mortos da Primeira Grande Guerra’, na Covilhã; ‘Monumento ao Dr. Lopes de Carvalho’, na Guarda; ‘Monumento a Gago Coutinho e Sacadura Cabral’, juntamente com Simões de Almeida (Tio), em Pernambuco, no Brasil; ‘Maternidade’; ‘Bacante’, de 1917; ‘Esfinge’ e ‘Cabeça’, ambas no Museu Nacional de Arte Contemporânea; e ‘Monumento aos Mortos da Primeira Grande Guerra’, em Montemor-o-Novo.

A sua obra prima, porém, foi concebida em 1913, sendo ela o seu último trabalho em mármore. Com efeito, ‘Salomé’, exposta actualmente no Museu Nacional de Arte Contemporânea, constitui uma peça única, de ‘belo corpo serpentino, de rojo, em que o pecado da luxúria О labareda de fascinação terrível e mortal.’ (Fernando de Pamplona, op. cit., vol. V, p. 142).

Para além da sua vertente de escultor (estátuas, bustos, grupos, monumentos, decorações, medalhas), Francisco dos Santos executou e expôs pintura, de que são bons exemplos traba lhos como ‘Laranja’, ‘Desalento’, ‘Durante o Descanso’ e ‘Divagando’, para além de telas soberbas como ‘Baías do Seixal e do Alfeite’, ‘Pérola’, ‘Salomé’, ‘A Porta do Meu Atelier’ e ‘Depois do Banho’, que denunciam uma filiação impressionista incontestada.

Faleceu em Lisboa, em 27 de Abril de 1930, encontrando-se sepultado no Cemitério de Benfica.

Em Paiões, pode ainda ver-se a casa pobre onde nasceu Francisco dos Santos, na rua que ora ostenta o seu nome, lembrando duas lápides de pedra, inscritas e insertas na frontaria do edifício, uma, o assinalamento do seu nascimento e, outra, a passagem do primeiro centenário dessa feliz efeméride, com a consequente indicação da recuperação pretendida do imóvel, por parte da Câmara Municipal de Sintra, no ano de 1982, em gesto de singela, mas merecida, e pertinente homenagem ao artista.

Francisco dos Santos, vulto maior da Arte Portuguesa do século XX, merece, pois, ser sempre lembrado condignamente, a fim de que a sua memória perpasse pelo tempo e a todos seja divulgada.

Monumento ao Marquês de Pombal, da autoria de Adães Bermudese, António do Couto (Arquitectos, e Francisco dos Santos (Escultor)

Rio de Mouro

Rio de Mouro é hoje um importante aglomerado urbano do concelho de Sintra, sendo que a sua importância foi aumentando ao longo dos tempos.

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