Lays Ushirobira*
A educação pode ser um instrumento para combater a grilagem na Amazônia e, para isso, é preciso abordar desde o Ensino Básico a apropriação ilegal de terras públicas e seus impactos, segundo César Tenório, professor adjunto na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). “É preciso trazer esse tema para a sala de aula para que o aluno, desde jovem, possa ter contato com essas informações e desenvolver um senso crítico. A grilagem impacta a vida de todos nós. Esse conhecimento é urgente para ter os argumentos necessários para que a gente tenha um futuro melhor”, defendeu durante bate-papo promovido pelo Amazoniar.
“Quando chega no Ensino Superior, a gente percebe o pouco conhecimento que se tem sobre grilagem de terras e que se discute muito mais em cursos de Ciências Agrárias. Vivemos num mundo globalizado, em que precisamos de interdisciplinaridade e trazer para outras áreas de conhecimento. A gente precisa melhorar a matriz curricular, ter mais aulas práticas, levando o aluno para o campo. Precisamos fazer uma revolução na educação”, disse.
Com moderação de Alcilene Cardoso, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o bate-papo foi uma iniciativa do Amazoniar para ampliar o diálogo com seu público depois do lançamento da série sobre grilagem. Veja outros destaques do encontro:
Conectando contextos rurais e urbanos
Embora a grilagem aconteça em zonas rurais, Tenório ressalta que o crime gera impactos negativos para todos e, portanto, é preciso união para buscar e implementar soluções. Para ele, a conexão com pessoas em zonas urbanas seria um grande passo para avançar no combate à grilagem e na redução do desmatamento.
“Não é porque estou no contexto urbano que não preciso me preocupar com a grilagem. A internet e a tecnologia nos ajudaram muito com isso. Muitas vezes não temos recursos para levar os alunos a campo, mas a tecnologia nos ajuda a promover intercâmbio, organizar uma oficina, onde possamos conectar a zona urbana com a rural”, comentou. “Parece que a grilagem está longe, mas na verdade isso afeta a todos nós. A gente tem que pensar no coletivo.”
Integração dos conhecimentos tradicionais e científicos
O professor destacou também a importância de integrar os conhecimentos tradicionais e científicos. “Fazemos pesquisa nas universidades, mas precisamos valorizar o conhecimento tradicional. A gente ensina, mas também precisa aprender [com as comunidades tradicionais da Amazônia]. Esses povos trazem muitos ensinamentos, at�� porque têm propriedade no que estão falando, sentem os impactos na pele”, explicou.
Estudantes como agentes de mudança
De acordo com Tenório, para que os estudantes sejam agentes de mudança, é essencial que as universidades abordem a grilagem de forma mais “contundente”. “O ensino precisa ser mais crítico, precisa tocar na ferida para a gente poder começar a pensar nessas soluções. A pesquisa precisa ser mais aplicada. Sobre a extensão, o aluno precisa estar lá [em campo], sair dos muros da universidade, absorver o conhecimento tradicional”, recomendou Tenório.
Combater a grilagem é responsabilidade de todos
Para Tenório e Cardoso, combater a grilagem não é simples, mas é poss��vel e requer a participação de todos – governos, setor privado e sociedade civil. “É um trabalho a muitas mãos. A gente tende a achar que o problema tem que ser resolvido pelo governo e instituições federais, como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Precisamos urgentemente de uma parceria entre os governos federal, estaduais e municipais, mas também de uma maior participação da sociedade civil organizada”, defendeu Cardoso.
Sobre o Amazoniar
O Amazoniar é uma iniciativa do IPAM para promover um diálogo global sobre a Amazônia e sua importância para as relações do Brasil com o mundo. Nos ciclos anteriores, foram organizados diálogos sobre as relações comerciais entre Brasil e Europa; o papel dos povos indígenas no desenvolvimento sustentável da região e sua contribuição para a ciência e a cultura; e o engajamento da juventude pela floresta e seus povos nas eleições de 2022.
Com a proposta de levar a Amazônia para além de suas fronteiras, o Amazoniar já realizou projetos especiais, como um concurso de fotografia, cujas obras selecionadas foram expostas nas ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP 26; uma série de curtas que compôs a exposição “Fruturos – Amazônia do Amanhã”, do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; além das cartilhas Cenários possíveis para a Amazônia no contexto das eleições brasileiras de 2022 e Soluções para o desmatamento na Amazônia. A iniciativa também produziu um minidocumentário e uma série de entrevistas com representantes de comunidades tradicionais durante as negociações do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.
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*Jornalista e consultora de comunicação do IPAM