Tesouro IPCA+6%: vale a pena investir caso a Selic pare de cair?

Incertezas na inflação e nos juros elevaram as taxas e podem ter aberto oportunidade ao investidor

O Tesouro IPCA+6% voltou a ser uma realidade no país em abril, quando os Estados Unidos deram um breque na expectativa de cortes de juros. De lá para cá, foi a vez de aumentar a incerteza na economia brasileira e, com ela, as taxas de rentabilidade dos títulos foram ainda mais além.

De acordo com o Tesouro Nacional, um título do Tesouro IPCA+ 2035 estava sendo ofertado aos investidores nesta segunda-feira (17) com uma rentabilidade que paga a inflação mais 6,34% ao ano como prêmio de risco.

Nos últimos anos, esse título pagou taxas iguais ou maiores apenas durante momentos de crise política, como em 2013 e no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Para Laís Costa, analista da Empiricus Research, o mercado está trabalhando com o “worst case scenario” (o pior cenário possível), com a perspectiva de mudanças na política fiscal a partir de 2025.

O ponto-chave é a incerteza na condução do Banco Central, com o fim do mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto, e a substituição por um indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Hoje, os diretores do BC Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti são tidos como os mais cotados.

Pensando em você, investidor, a Inteligência Financeira questionou Laís Costa e Vítor Oliveira, especialista em renda fixa da One Investimentos, sobre os títulos “Tesouro IPCA+6%”. Vale a pena investir? E a marcação a mercado? O que você deve considerar, pensando que o mercado espera que o Copom trave os juros em 10,50% ao ano?

Vale a pena investir no Tesouro IPCA+6%?

Para ambos os especialistas, a resposta é sim. “Títulos do Tesouro IPCA que pagam a inflação mais 6% ao ano costumam ser vencedores. Se você pegar uma taxa dessas, historicamente faz sentido investir”, afirma Vítor Oliveira.

“A média dos últimos 10 anos foi 6% de IPCA, ou seja, somando o prêmio com a inflação seria mais de 12% no longo prazo. Para quem não tem muita experiência, não quer ficar observando o mercado tão de perto, quer carregar o investimento, é um bom retorno”, prossegue o especialista da One Investimentos.

Vale ponderar, no entanto, que o Tesouro IPCA+ entrega a rentabilidade prometida se for levado até o vencimento. Hoje, o Tesouro Nacional oferece títulos com vencimentos em 2029, 2035 e 2045 na modalidade sem juros semestrais. Com os pagamentos a cada 6 meses, são vencimentos em 2035, 2040 e 2055.

Marcação a mercado

Do contrário, você está sujeito ao fenômeno da marcação à mercado. Na prática, isso significa que em caso de resgate antecipado o montante que o investidor receberá de volta dependerá do valor do título no mercado no momento do resgate.

Se o título que o investidor adquiriu tiver uma taxa melhor do que a praticada no mercado, ele valerá mais. Do contrário, poderá até representar um prejuízo. Momentos de taxas altas, como o atual, são tratados como oportunidades para ganhar dinheiro na marcação a mercado, quando a taxa cair. Isso é verdade, mas é preciso cuidado.

“Quem pegou 2 meses atrás, com 6%, hoje não consegue fazer essa saída. Historicamente, uma taxa a 6,40% ou 6,50% é uma boa possibilidade para uma saída com ágio. Mas como tem muita coisa para acontecer nos próximos 12 ou 24 meses, não vejo muitas oportunidades no curto prazo”, diz Vítor Oliveira.

Por outro lado, Laís Costa, da Empiricus, acredita que a taxa atual não se sustente no longo prazo, o que pode dar essa oportunidade para os mais pacientes.

“Eu vejo muito mais cenário [da taxa ir] para baixo do que para cima. No pior momento que tivemos, no impeachment da presidente Dilma, a taxa foi para 7,5 e estamos distantes disso. No curto prazo nós não sabemos, mas no longo prazo a probabilidade de queda é muito maior”, afirma.

Proteção da inflação

Para Vítor Oliveira, uma oportunidade do atual cenário é o de diversificar a carteira, permitindo ao investidor acrescentar um produto com essa característica.

“O cenário mudou em pouco tempo. Esperavámos a Selic em 9% ou 9,50% e agora já vemos permanecer em 10,5%. A diversificação ajuda a te proteger nesses casos”, afirma.

A lógica é que como o título está indexado à inflação, se a alta dos preços se acirrar, o seu investimento vai acompanhá-la e manter seu ganho real.

A ponderação necessária é que não dá para dizer que se trata de uma garantia de ganho real uma vez que em um cenário extremo, em que a inflação supere os 60% ao ano, como na Argentina ou na Venezuela, o seu rendimento é corroído pelo imposto de renda.

O que fazer se a Selic permanecer em 10,50% ao ano?

O mercado avalia, como medido pelo boletim Focus, que o Banco Central deva manter a taxa básica de juros em 10,50% ao ano. Portanto, interrompendo o atual ciclo de cortes na taxa Selic.

Para os especialistas, esse cenário fará com que sigam existindo outras oportunidades interessantes na renda fixa com boa rentabilidade e risco baixo, mas isso não é uma contraindicação ao Tesouro IPCA+6%. Uma vez que esse é um bom patamar de juro real e que o ideal é a diversificação.

Por exemplo, mantendo a reserva de emergência em um Tesouro Selic, que não é afetado pela marcação a mercado e oferece boa rentabilidade. “Para a reserva de emergência, se você fica no pós-fixado, segue em 10,50% ao ano e sem riscos”, afirma Laís Costa.

Quanto rende o Tesouro IPCA+6%

Como Vítor Oliveira expôs acima, a média do IPCA nos últimos 10 anos foi de 6% ao ano. Ou seja, um título que pague IPCA+6% teria pago em média em torno de 12% ao ano durante esse período.

No entanto, a taxa atual de inflação é mais baixa. De acordo com o IBGE, o índice acumulado em 12 meses fechou em 3,93% em maio. Portanto, um título que renda IPCA+6,34% pagaria em torno de 10,27% ao ano.

O Brasil, os EUA, os juros e as taxas

Para quem está de olho em saber o que acontecerá com as taxas desses títulos daqui para frente, a atenção deve se voltar para Brasília. De acordo com os especialistas, são as atenções para o rumo dos juros, com a sucessão do BC, e a política fiscal do governo que devem pautar.

“Como se diz, estamos capotando na reta, sozinhos”, avalia Laís Costa. A analista da Empiricus avalia que uma eventual sinalização de força ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a apresentação de alternativas para o arcabouço fiscal seriam fatores que poderiam fazer as taxas recuarem no curto prazo.

Para a especialista, o fator Estados Unidos perdeu um pouco de peso. Isso uma vez que o FOMC, o equivalente americano ao Copom, indicou que vai manter o mesmo número de corte de juros, se limitando a atrasá-los.

“O FOMC só mudou o pace [ritmo], os momentos em que ele acredita que vá fazer corte. O cenário no longo prazo não mudou muito”, avalia Laís Costa. Portanto, os olhares devem se voltar muito ao BC. As próximas decisões do Copom e as sinalizações do governo Lula para o futuro após a saída de Campos Neto devem ser o principal, apontam os especialistas.