Alexandra Richter destaca sua vilã em ‘Família é Tudo’ e aponta que “público de internet e de novela são diferentes”


Em “Família é Tudo”, Alexandra Richter interpreta Brenda, uma mulher com traços narcisistas. E também atua em “Cheias de Charme” como Sônia, outra vilã, esta sim, com algum humor ainda que perpasse pela possibilidade de cancelamento, para o público moderno. A atriz observa o trânsito entre público de TV e internet da seguinte maneira. “São veículos e públicos diferentes. Os personagens estão vivos naquela história e não presentes para um público específico, como na Internet”. Com 57 anos, Alexandra valoriza a experiência e a diversidade de papéis, abordando questões como o etarismo estar cada vez mais presente na sociedade e a falta de programas de humor na TV

*por Vítor Antunes

Uma resposta. Ser ator, para muita gente, se trata de um movimento de pergunta, mas para Alexandra Richter, não. Por ser atriz, mulher e comediante, sua profissão orbita no campo da resposta. “Eu sempre estou inventando teatro. Não posso ficar apenas dependente de convites para trabalhar”. É com esse ímpeto que a atriz está em mais um trabalho, fazendo a malvada Brenda de “Família é Tudo“, novela de Daniel Ortiz que tem no núcleo de Alexandra, não um alívio cômico, já que a novela é uma comédia, mas o eixo dramático. “A Brenda não tem nenhum traço cômico, não é comédia e não tem margem para isso. Brenda prejudica o próprio filho por achar que tem controle na vida dele. Ela é uma pessoa má, uma mãe narcisista que não precisa de motivação para ser assim, tal como uma pessoa de mau caráter. O mau caratismo não tem explicação”, pontua.

Além de “Família é Tudo“, Alexandra pode ser vista em outra novela atualmente no ar: “Cheias de Charme“, na qual dá vida à Sônia, também uma vilã. “Sônia e Brenda têm maldades de perfis diferentes. Inclsuive, acho que “Cheias de Charme” tem 12 anos e está muito atual e contemporânea, ainda que o comportamento da personagem seja visto como absurdo, ela seja tida como preconceituosa e assediadora moral. Acho que seria processada duramente, hoje. Porém, como “Cheias de Charme” tem a vibe de contos de fadas, a música dilui isso e as pessoas se divertem muito.

Uma crítica que Alexandra faz também está direcionada à mudança recente que aponta que as escalações de influencers pode trazer público jovem e infantil às novelas. Ela acha que não. “São formas diferentes de comunicar. Mas eu não me mato de criar conteúdo 24h por dia para me encaixar nessa demanda de ter seguidores para conseguir uma coisa ou outra”.

TV e Internet são veículos e públicos diferentes. Os personagens estão vivos naquela história e não presentes para um público específico, como na Web – Alexandra Richter

Ainda que a novela “Família é Tudo” vá ocupar a atriz por todo o segundo semestre, ela diz que nesse ano ainda deve ser levado ao ar um com a Cleo, que é “Uma Babá Gloriosa” , enquanto busca novos textos para montar no teatro e prepara a atualização de uma peça que fez um grande sucesso nacional. “Eu, Marcelo Valle e Gustavo Nunes estamos tentando fazer uma versão de “A História de Nós 2 – 50+”, com um casal depois do recomeço, já na maturidade. Depois da pandemia, não tenho a compulsão por trabalho. Obviamente tenho que trabalhar porque temos boletos para pagar e como eu coproduzo e costumo protagonizar, gosto de fazer tudo bonitinho mesmo que demore um tempo”, analisa.

Alexandra Richter é a vilã Brenda de “Família é Tudo” (Foto: Reprodução/Globo)

A MALDADE

Carismática na vida real, Alexandra viveu poucas vezes uma vilã essencial, como Brenda. “O meu núcleo é diferente, deslocado do resto. A Brenda é a vilã, mas não é de grandes armações para os outros núcleos. Há quem tenha querido me colocar no núcleo cômico, mas eu vejo que preciso de desafios e estar fazendo a Brenda é maravilhoso”. O último papel da atriz foi a cômica vilã Nice de “Terra e Paixão“, numa participação de alguns episódios. Anteriormente a ela, a Julinha de “Além de Ilusão“, uma mulher viciada em jogo, errática, mas muito ‘gente fina’. “Julinha era uma explosão quase infantil e o público amava demais ela, ainda que errase. A Brenda não, as pessoas não passam pano. A Brenda tem um olhar que eu gosto e uma coisa surpreendente é saber do que ela é capaz de fazer”. Segundo a atriz, a Nice foi fundamental para que o convite de “Terra e Paixão” acontecesse.

Acho bom para a minha carreira não só mostrar trabalho, mas para abrir o leque de possibilidades. Eu já estou com 57 anos, tenho coisas novas para mostrar, um novo jeito de falar, gesticular, contracenar – Alexandra Richter

Em “Terra e Paixão”, Alexandra Richter foi Nice. Papel foi fundamental para a escalação para “Família é Tudo” (Foto: Divulgação/Globo)

HUMOR NA TV

Alexandra Richter apareceu pro humor em “Chico Total” (1995), na Globo. Depois fez vários outros trabalhos no segmento. Hoje não há muitos programas de humor na televisão, senão os de dramaturgia ou os mais tradicionais como a “Praça é Nossa“. “Ficou um tempo sem ter e eu acho que foi ruim. Era importantíssimo ter humor. Tivemos pandemia e não havia como fazer,  por conta das restrições de gravação. Inclusive, já era para estar no Globoplay o “Minha Mãe é Uma Peça” se não houvesse acontecido a morte do Paulo Gustavo (1978-2021). Mas acho, realmente, que faltam programas de humor como para um sábado à noite, uma coisa para inovar, um formato diferente, por exemplo”.

Quanto aos novos nomes do humor, Alexandra diz que um que se destaca é Whindersson Nunes. “Admiro muito o Whindersson como comediante e pessoa”. Mas para a atriz, o humor atual, reflete muito do comportamento da sociedade. “O humor sempre vai sofrer transformações, ele é um reflexo do corpus social e sempre que colocamos de forma incrível a comunidade, a sociedade faz diferença e fala. Para se fazer comédia é preciso um timing que precisa de conexão. Será que o Charlie Chaplin (1889-1977) funcionaria com os mais jovens? Há programas do passado que não ficariam no ar por dois dias, por terem piadas machistas, sexistas, homofóbicas… O humor é um gênero que se modifica de acordo com a sociedade. Não há como fazer um programa de humor como era feito antigamente, com claque rindo e com bordão. É algo geracional”.

Alexandra Richter no Zorra Total, em 2008 (Foto: Reprodução/Globo)

O TEMPO E AS RESPOSTAS

Como é observado contemporaneamente, há uma mudança no perfil das mulheres na TV e no teatro. Não há mais piadas calcadas exclusivamente na beleza, ou na ausência dela, nas mulheres. “É um momento de luta, estaremos sempre caminhando e lutando. Há um movimento de mulheres. Sou uma atriz de 57 anos, numa sociedade etarista, e temos que, ao mesmo tempo, perceber que falamos muito pouco sobre isso. No meu Instagram, eu falo abertamente sobre assuntos como menopausa e acho uma plataforma importante de divulgação de atrizes que são independentes, se produzem, e não dependem de convites. Isso é muito importante, como outras mulheres abriram portas para nós e nós mesmas abrimos portas e servimos de exemplo”. Eu tenho uma relação de amor e ódio com redes sociais. Tem vezes que quero encerrar tudo e quando sei que muita gente é contratada por número de seguidores, eu me preocupo”.

Minha forma de lidar com o etarismo vem do fato de eu ter feito sucesso mais tarde, aos 36, sabendo que teria que trabalhar muito no futuro. Sempre soube que teria muita coisa para mostrar. O etarismo não me preocupa porque como eu tenho projetos de teatro e eu me produzo, não tenho essa preocupação. Eu me fortaleci tanto para o sucesso como para a ausência dele. Mas tenho a consciência de que os papéis para as pessoas mais velhas diminuem, isso é um fato – Alexandra Richter

Alexandra encerra falando sobre ícones maduros que admira. Um deles é a protagonista da sua novela, Arlete Salles. Outro, Othon Bastos, que está fazendo um monólogo aos 91 anos pela primeira vez. “Isso é uma força. É importante que os jovens saibam o que já passamos e que os mais velhos falem sobre isso. É importante os jovens verem o Othon fazendo um monólogo pela primeira vez. É uma resposta para muita coisa [a quem vê na velhice uma fragilidade”.

Alexandra Richter e Arlete Salles (Foto: Reprodução/Facebook)