Em solo, Silvero Pereira parte da sua história para abordar a de crianças LGBTQIA+, falando de violência e libertação


O ator estreia ‘Pequeno Monstro’ após 12 anos do seu último sucesso no teatro, o aclamado ‘BR Trans’. O monólogo investiga histórias de crianças LGBTQIA+, transitando por lembranças da sua infância no interior do Ceará e da sua juventude turbulenta. Ao pensar sobre o tema na própria infância e adolescência, ele desabafa: “O pior era não poder ser quem eu era. Esconder meus desejos de brincar, de me vestir ou a vergonha de não me sentir igual aos outros”, diz, acrescentando: “Revisitar minha história familiar, minha ancestralidade, me permitiu descobrir novas percepções de comportamentos e justificativas para eles. Reconhecer minhas avós indígenas, meu avô preto retinto e meu tio macumbeiro, foi uma ação que me fez compreender melhor minha formação. Talvez o maior impacto que percebi foi o de não culpar meus familiares por situações de violência, mas perceber o nível de sociedade violenta que eles foram criados e reproduziram”, diz ele, que também anuncia novos projetos musicais: “Tenho o EP ‘Silvero Interpreta Belchior’ para ser lançando em 20 de junho, e comecei os ensaios do show ‘Meu Ney’, onde quero homenagear Ney Matogrosso como forma de agradecimento pelo grande artista que ele é, e sua extrema importância na minha formação pessoal e artística”

*Por Brunna Condini

No exercício de transformar experiências dolorosas em arte e representatividade, Silvero Pereira volta aos palcos com um solo após 12 anos da criação de seu último sucesso no teatro, o aclamado ‘BR Trans’. Agora, com o inédito ‘Pequeno Monstro‘, que estreia 30 de maio no Teatro Poeira, o ator investiga histórias de infâncias LGBTQIA+, levando para cena referências literárias e musicais, fatos, além de memórias dos outros e suas, transitando por lembranças da infância em Mombaça, no interior do Ceará, e da sua juventude turbulenta. “Revisitar minha história familiar, minha ancestralidade, me permitiu descobrir novas percepções de comportamentos e justificativas para eles. Reconhecer minhas avós indígenas, meu avô preto retinto e meu tio macumbeiro, foi uma ação que me fez compreender melhor minha formação. Talvez o maior impacto que percebi foi o de não culpar meus familiares por situações de violência, mas perceber o nível de sociedade violenta que eles foram criados e reproduziram”, reflete o ator.

Ao resgatar vivências relacionadas à sexualidade e gênero, Silvero joga luz em práticas relacionadas ao machismo estrutural e à homofobia, condutas enraizadas em nossa sociedade, que tomam a forma de muitas violências. Ao pensar sobre o tema na própria infância e adolescência, ele desabafa: “O pior era não poder ser quem eu era. Esconder meus desejos de brincar, de me vestir ou a vergonha de não me sentir igual aos outros”. E o que ficou de bom disso tudo?

Sempre fui uma pessoa que buscava a fuga da realidade nas artes. Eu gostava de brincar de televisão, de cantar e dançar. Hoje, continuo fazendo isso, mas como profissão – Silvero Pereira

Silvero Pereira volta aos palcos com solo inédito que investiga histórias de crianças LGBTQIA+, como ele mesmo foi (Foto: Tainá Cavalcante)

Silvero Pereira volta aos palcos com solo inédito que investiga histórias de crianças LGBTQIA+, como ele mesmo foi (Foto: Tainá Cavalcante)

Aos 41 anos e com 25 deles dedicados à arte, ele vem atuando mais no audiovisual e na música nos últimos anos, tanto que junto do monólogo, também toca outros projetos com dedicação total. “Estou filmando o longa ‘Corridas Dos Bichos’, pela Amazon Prime, e tenho o EP ‘Silvero Interpreta Belchior’ para ser lançando em 20 de junho com participações muito especiais de grandes artistas. Também comecei os ensaios do show ‘Meu Ney’, onde quero homenagear Ney Matogrosso como forma de agradecimento pelo grande artista que ele é, e sua extrema importância na minha formação pessoal e artística”, anuncia.

A semente de ‘Pequeno Monstro’ surgiu há sete anos, quando o ator começou a acompanhar algumas histórias de crianças LGBTQIA+ e identificou semelhanças com episódios vividos na sua própria infância. Após uma longa pesquisa, ele decidiu transformar o material em um solo. O título, inspirado em um conto do escritor Caio Fernando Abreu, indica o estranhamento, as misérias cotidianas, mas também pretende apontar caminhos de liberdade, superação e amor – trazendo Silvero de volta para o teatro como lugar de questionamento e provocação. O maior desafio enfrentado neste solo foi retornar ao palco depois de tanto tempo fora de uma sala de ensaio. Tive que me reciclar nas técnicas de corpo e voz para atingir as exigências cênicas deste trabalho. De 2013 para cá, estive mais dentro do audiovisual e da música do que no teatro, mas essas outras áreas me trouxeram novos conhecimentos, experiências e maturidade, inclusive, para desenvolver melhor minha forma de andar temáticas LGBTQIAPN+”.

"O pior era não poder ser quem eu era! Esconder meus desejos de brincar, de me vestir ou a vergonha de não me sentir igual aos outros" (Foto: Tainá Cavalcante)

“O pior era não poder ser quem eu era! Esconder meus desejos de brincar, de me vestir ou a vergonha de não me sentir igual aos outros” (Foto: Tainá Cavalcante)

Como revisitar essas memórias e violências mexeu com você? “No que se refere às minhas memórias, em todos os meus processos de dramaturgia sempre trago essas referências, especialmente porque considero situações resolvidas ao longo do tempo e terapias , porém, reconheço o tema como uma urgência social que precisa ser debatida e solucionada”. E acrescenta: “Além disso, o teatro é um porto seguro ! É onde me sinto em casa, é o lugar que domino como ator, dramaturgo, onde encontro verdadeiros colegas de profissão”.

Apesar do espetáculo refletir sobre a realidade brasileira no que diz respeito à violência contra as populações LGBTQIA+ e todos os trágicos recordes de assassinatos que o Brasil acumula, Silvero salienta que não se trata de um manifesto: “É uma peça de teatro, uma obra artística. Nossa função, como artistas, é trazer o tema com seriedade e a responsabilidade que ele exige, mas também atentar ao potencial estético e narrativo que servirão como alegorias para que a aproximação com o público ocorra dentro da liturgia do teatro”.

"Voltei ao teatro preocupado se ainda me sentia um ator de teatro. Mesmo com 25 anos de carreira, por conta da demanda audiovisual, me senti 'enferrujado'" (Foto: Tainá Cavalcante)

“Voltei ao teatro preocupado se ainda me sentia um ator de teatro. Mesmo com 25 anos de carreira, por conta da demanda audiovisual, me senti ‘enferrujado'” (Foto: Tainá Cavalcante)

Arte que anda nas sombras e aponta a luz

Elogiado por suas performances no longa-metragem ‘Bacurau’ (2019), e nas novelas ‘A Força do Querer‘ (2017) – em que foi lançado na TV por Glória Perez – , e mais recentemente em ‘Pantanal’ (2022); e também por suas inserções na música, como no show em que canta Belchior, e na passagem pelo ‘The Masked Singer Brasil’, do qual foi o vencedor da última temporada, Silvero não se deslumbra e avalia como um operário da arte sua jornada até aqui: “Me vejo como um artista que tem respeito pelo meu ofício. A arte me deu diversas oportunidades de crescer na vida e me tornar uma pessoa melhor. Tenho respeito pelo meu trabalho, por isso sou extremamente disciplinado e dedicado”.

Tenho o EP ‘Silvero Interpreta Belchior’ para ser lançando em 20 de junho com participações muito especiais de grandes artistas. E também comecei os ensaios do show ‘Meu Ney’, onde quero homenagear Ney Matogrosso – Silvero Pereira

"Em todos os meus processos de dramaturgia trago essas minhas referências, até porque considero situações resolvidas ao longo do tempo e terapias" (Foto: Tainá Cavalcante)

“Em todos os meus processos de dramaturgia trago essas minhas referências, até porque considero situações resolvidas ao longo do tempo e terapias” (Foto: Tainá Cavalcante)

Projeto da vez do artista, o solo ‘Pequeno Monstro’ é dirigido por Andreia Pires, e evidencia que a violência contra as populações LGBTQIA+ é um problema social grave e que pede ações efetivas e urgentes. “Só veremos uma ‘luz’ no fim deste túnel quando, primeiro, nos enxergarmos como indivíduos em sociedade. Ainda somos muito individualistas e egoístas. Precisamos aprender a respeitar as diferenças e termos atitudes para mudar o preconceito”.

Quem são os ‘monstros’ que precisamos exorcizar no Brasil hoje?

Pessoas que não enxergam o próximo com empatia. Pessoas que só se preocupam consigo e suas conquistas. Precisamos ser mais “doce” e menos “moscas” – Silvero Pereira

"Precisamos aprender a respeitar as diferenças e termos atitudes para mudar o preconceito" (Foto: Tainá Cavalcante)

“Precisamos aprender a respeitar as diferenças e termos atitudes para mudar o preconceito” (Foto: Tainá Cavalcante)