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Por Francielly Kodama, gshow — São Paulo


Boy sober: por que as mulheres estão fazendo um ‘detox’ de homens? — Foto: Pexels

Você já ouviu falar na expressão “boy sober” (algo como "sobriedade de homem", em tradução livre)? Nesta quinta-feira (13) é celebrado o dia de Santo Antônio, também conhecido como "santo casamenteiro", mas a tendência que está ganhando força entre o sexo feminino é uma espécie de "detox de homem".

O termo em inglês se refere a um movimento feito por mulheres heterossexuais que estão cansadas de passar por decepções amorosas e decidiram dar um tempo nos encontros e em relacionamentos, como um "celibato temporário".

Segundo a psiquiatra Jessica Martani e a psicóloga Ediane Ribeiro, boa parte destas frustrações não estão relacionadas ao envolvimento afetivo em si, mas a muitas “faltas”: falta de diálogo, interesse, reciprocidade, disponibilidade afetiva dos homens, apoio emocional, incentivo profissional e fidelidade, além do “jogo mental” sofrido por muitas.

De acordo com uma reportagem da revista americana "Time", publicada em fevereiro deste ano, a geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) é o público que mais tem abandonado os aplicativos de namoro nos Estados Unidos. A pesquisa feita pelo veículo aponta que a faixa etária corresponde somente a 26% dos usuários e que o grupo está priorizando outras maneiras de encontrar a “alma gêmea”, principalmente dentro das escolas e outros lugares públicos.

Para elas, o problema central não é o relacionamento com homens, mas um relacionamento ruim

Martani defende que a decisão de se afastar das pessoas e tirar um tempo para se conhecerem melhor é um movimento comum entre mulheres que acabaram de passar por uma desilusão amorosa: “Para refletir melhor, conseguir sedimentar os acontecimentos e se fortalecer para, posteriormente, retomar esse tipo de relação quando a pessoa se sentir mais preparada”.

Ediane, no entanto, acredita que a “proposta de fazer um redirecionamento de energia para o próprio bem-estar” seja uma armadilha: “Porque quando você reorganiza a sua vida para evitar algo, esse algo ganha muita importância. É como se eu dissesse que estou de detox aqui, mas estou só esperando o tempo passar para ver se, depois desse período, algo vai acontecer.”

Boy sober: mulheres contam como tem aproveitado o período sem dates e sem se relacionar com homens — Foto: Pexels

A psicóloga defende “equilíbrio” como a palavra de ordem, seja para quem esteja em uma relação ou não. Portanto, para ela, se priorizar, se cuidar e dedicar tempo aos próprios hobbies deve ser algo natural, e não “nos apartar de nenhum tipo de relacionamento, pelo contrário, a busca deveria ser para nos impulsionar à construção de relações mais saudáveis”.

A teoria do ‘dedo podre’

Outro ponto levantado por Ediane é que a sociedade leva muitas pessoas “a atrelar felicidade, realização e valor próprio a estar em um relacionamento sexoafetivo” e que, apesar do machismo e do patriarcado, esse “sistema opressivo”, no geral, prejudica homens e mulheres.

O que acho perigoso no discurso desse movimento, que prega um isolamento relacional, é que a gente coloque os homens no lugar dos vilões, as mulheres no lugar das vítimas cansadas e que isso leve a uma falsa visão de mudança, em que as próprias mulheres podem não perceber como seus afetos nesse contexto continuam sendo dirigidos pelas estruturas machistas, porque colocam as nossas atitudes como uma reação ao comportamento masculino”.
— Ediane Ribeiro

Ao mesmo tempo, Martani pontua que a expressão “dedo podre” culpabiliza apenas uma das partes – que, na maioria das vezes, é a mulher, e tira a responsabilidade da outra, “um conceito que contribui para o machismo, pois é como se os homens não precisassem evoluir e, sim, a mulher que deve melhorar as suas escolhas.”

Ediane faz coro às palavras da psiquiatra e acrescenta que o termo só reforça como a sociedade tenta a poupar os homens de suas responsabilidades em um relacionamento.

“As mulheres são muito colocadas no lugar de cuidar, agradar, responsáveis pelo sucesso e pela organização emocional da relação. Nesse acúmulo de responsabilidades, entra essa ideia do ‘dedo podre’, como se fosse somente uma questão da mulher, quando a sociedade e a cultura também moldam o comportamento dos homens.”

A solução, para ela, não está em fazer um “detox de homem”, deixar de conhecer e se envolver com eles, mas repensar “a forma como nós nos conectamos para ter relações mais saudáveis, mais equânimes e com mais vínculos autênticos”, defende.

Os aplicativos de relacionamentos são os ‘pivôs’ do fim das relações?

As especialistas descrevem que as ferramentas apresentam uma dinâmica que prioriza mais a quantidade de combinações (ou matches) e menos a profundidade das conversas: quando se tem dezenas de “contatinhos”, por que escolher apenas um?

Especialistas comentam os pontos negativos de aderir a um movimento que propõe evitar conhecer e se envolver com as pessoas — Foto: Pexels

Para elas, a sensação que fica é a de superficialidade, pouca entrega e vínculos criados de maneiras distorcidas. Ediane inclui, ainda, a expectativa e ansiedade desenvolvida ou aumentada durante os bate-papos nas plataformas de namoro.

Essa dinâmica aumenta muito a ansiedade pela sensação de que a pessoa possa estar perdendo algo melhor ou de que o próximo ‘produto’ poderia ser melhor. Isso afeta especialmente as mulheres por causa de todas as construções sociais sobre ser escolhida, o amor romântico, a fantasia da parceria – que caem por terra em uma ferramenta que não foi pensada para proporcionar esse tipo de relacionamento. Eles são feitos para promover relações fugazes para que as pessoas voltem, então isso vai criando nas mulheres uma grande frustração por uma sequência absurda de expectativas que não se concretizam.”
— Ediane Ribeiro

O ‘detox’ delas

Sejam movidas por desilusões amorosas, expectativas não-correspondidas, a falta de interesse do outro ou o famoso “ghosting” (termo usado para descrever términos repentinos e sem explicação), estas mulheres decidiram aderir ao “jejum de homens” e fazer uma pausa temporária nos dates.

A estudante de jornalismo Luísa*, de 20 anos, conta que nunca teve um namorado, mas chegou a manter um relacionamento sério com um “contatinho” por 8 meses. Foi depois de terminar com ele que decidiu fazer o detox, que já dura um ano: “Percebi que, no geral, os homens com quem eu estava me envolvendo não agregavam nada a minha vida, pelo contrário, só me faziam sofrer.”

Nesse período, ela concluiu que homem não pode ser encarado como uma “necessidade” e que, apesar de às vezes sentir falta de uma companhia”, ela tem suas amigas para recorrer. Ela se afastou até mesmo dos aplicativos de relacionamento por defender que “metade das pessoas só quer coisas casuais” e “a outra metade quer algo sério sem nem te conhecer, só por carência.”

“Venho me sentindo extremamente satisfeita, porque tenho mais tempo e energia para focar no meu desenvolvimento. Isso me fez repensar e agora eu só pretendo colocar um homem na minha vida se agregar em algo. Estou feliz sozinha, não tem por que arranjar um relacionamento só para me frustrar”, analisa.

A falta de interesse também foi o motivo que levou Elaine*, de 41 anos, a deixar de sair com as pessoas. A executiva foi casada por quase duas décadas e, desde que se separou, há 5 anos, teve um namorado.

Ela conta que, depois disso, se viu “sem vontade e com preguiça das mesmas conversas de sempre, do mesmo machismo de sempre, de ter que se encolher para caber no mundo dos homens” e que prefere “praticar a solitude”.

Elaine observa que, antes, sentia a necessidade de preencher esse vazio e, hoje, mais madura, passou a gostar da sua companhia, aproveitar mais tempo com as amigas e cuidando dela mesma. Apesar de não descartar um relacionamento no futuro, a executiva afirma que sua “régua aumentou” e uma nova pessoa só entra na sua vida se for para somar:

“A maturidade me fez pensar que, às vezes, perdemos tempo em relações que eram que só para preencher o vazio o nosso ego. Hoje me tornei seletiva... É claro que ainda quero ter uma relação bacana mais tem que ser algo legal, não só para cumprir tabela.”

Mulheres que aderiram ao movimento "boy sober" contam como repensaram os relacionamentos — Foto: Pexels

Assim como Luísa*, Andressa Almeida também nunca chegou a namorar, mas teve relacionamentos sérios. A cineasta de 21 anos analisa que entre os motivos de estar “cansada” das relações é “não estar encontrando pessoas que se encaixem comigo” e em seu estilo de vida. Ela também descreve que perdeu o interesse em ter sempre as mesmas conversas iniciais com as pessoas e tem “achado os homens todos sem graça”. E, para ela, esse afastamento tem lhe proporcionado “uma grande paz”!

“O último cara com quem me envolvi foi no ano passado, eu não gostava dele tanto assim, mas sempre fico botando defeito nas pessoas. [Pensei] ‘vou tentar, vamos ver se rola alguma coisa aí, vai que eu começo a gostar’, mas não consegui. Tentei me envolver com uma pessoa que não tinha nada a ver comigo. Então, perder tempo de se arrumar e sair, prefiro ficar em casa de boa ou sair com as minhas amigas”, explica.

A jornalista Monelli Oliveira, 37 anos, está há seis meses sem sair para dates e há 3 anos sem se envolver com ninguém: “Quando eu vi, já estava no ‘boy sober’, mesmo antes de saber o que significava”.

Ela percebe que, no seu caso, o que aconteceu foi uma mistura de cansaço, investimento de tempo e energia para, depois, receber “tão pouco do outro lado”. Além disso, ela conta que o foco, no momento, é sua carreira e que, se for para conhecer alguém agora, ele precisa ser “bastante independente emocionalmente”, pontua Monelli.

A jornalista lembra que era uma “mulher apaixonada por se sentir apaixonada e pela ideia de ter um relacionamento ‘feliz para sempre’” e que isso deixou de ser sua ideia de amor e seu principal objetivo. A fase longe de relacionamento tem feito com que ela se sinta mais confiante para e seletiva nas novas conexões.

“Um dia me peguei pensando quanto tempo fazia que eu não me envolvia com alguém. Pensando mais, percebi que ‘o não me envolver’ não está me fazendo falta. Vez ou outra, penso em voltar às atividades nos apps, para não correr o risco de ficar presa ao conforto da solitude, mas também penso: ‘vale mais a pena sair com um cara do aplicativo, que provavelmente não vai dar em nada, ou ir sozinha [a algum lugar] e até correr o risco de conhecer alguém interessante no processo?”. Cheguei a conclusão de que devo estar aberta, mas não tenho pressa e nem necessidade de ter alguém agora.”

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada para preservar sua identidade.

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