Vozes do Agro

Por José Nantala Bádue Freire*


A produção agrícola (e a cadeia internacional que a integra) é ponto de partida para a segurança alimentar global. É por meio dela que se pode vislumbrar melhorias urgentes e necessárias no acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos por todo um contingente populacional que, ainda hoje, segue desprovido do básico para a sobrevivência.

A promoção dessa produção requer uma combinação de incentivos à produção agrícola, fomento às trocas comerciais internacionais e retomada da governança global, que deve ser promovida por organizações e tratados multilaterais. Nesses pontos, o papel de organizações como a FAO e a OMC deveria ser de efetivo protagonismo, o que somente ocorrerá se os seus países-membros (especialmente as grandes potências econômicas) repactuarem seus compromissos de forma efetivamente comprometida com a causa.

Os incentivos à produção agrícola são essenciais para aumentar a oferta de alimentos e melhorar a segurança alimentar. Governos e organizações internacionais podem oferecer subsídios, apoio técnico, financiamento de infraestrutura e programas de pesquisa para desenvolver tecnologias agrícolas avançadas. Essas medidas ajudam os agricultores a aumentar a produtividade e a resiliência contra desafios como mudanças climáticas, pragas e doenças. Tais medidas, ao mesmo tempo, não podem ter o fim de causar desvios de comércio, sob pena de se infringir tratados internacionais ainda vigentes e que regulam o comércio internacional.

Vozes-do-agro-José-Nantala-Junho — Foto: Globo Rural
Vozes-do-agro-José-Nantala-Junho — Foto: Globo Rural

O comércio internacional é vital para a distribuição global de alimentos. Num contexto evidentemente ideal, países com excedentes agrícolas podem exportar para aqueles com déficits, equilibrando a disponibilidade de alimentos globalmente. O comércio também pode promover a eficiência, permitindo que alimentos sejam produzidos onde as condições são mais favoráveis, o que pode resultar em preços mais baixos e maior variedade de produtos para os consumidores.

Tratados Internacionais e Organismos Multilaterais

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

A FAO precisa, como órgão multilateral vinculado à ONU, voltar a desempenhar, de fato e com real engajamento dos seus países-membros – um papel central na coordenação dos esforços internacionais para melhorar a segurança alimentar. Isso porque, como organismo multilateral da ONU, a FAO trabalha para a consecução de interesses internacionais que deveriam ser tratados como prioridade máxima: erradicação da fome, melhoria da nutrição e promoção da agricultura sustentável.

A FAO, mesmo com a crise atual do multilateralismo, segue trabalhando na facilitação da cooperação entre países, na assistência técnica e na promoção de políticas e programas que visam aumentar a produção agrícola e a segurança alimentar. Contudo, precisa reforçar sua centralidade como a grande fomentadora internacional da produção agrícola e da equitativa distribuição de alimentos no mundo, não só do ponto de vista institucional, mas também de sua real e concreta influência nas condutas e políticas internas de seus membros.

Organização Mundial do Comércio (OMC)

A OMC é crucial para regulamentar e facilitar o comércio internacional de produtos agrícolas. Através de seus acordos, a OMC busca garantir que as práticas comerciais sejam regulares, justas e previsíveis, contribuindo para um comércio agrícola eficiente e sem barreiras ilegais e que também servem como distorções ilegais ao fluxo comercial. A OMC, por meio do seu hoje esvaziado Órgão de Apelação, também precisa voltar a ser, com as necessárias reformas, o principal foro para resolução disputas comerciais que podem afetar o fluxo de produtos agrícolas entre países.

E a resiliência da OMC é importante demais para a própria segurança alimentar global posto que dela nasceu e por ela é aplicado o Acordo sobre Agricultura (AoA), em vigor desde 1995. Trata-se de um marco regulatório vital para o comércio agrícola internacional e a distribuição de alimentos. Ele visa, resumidamente: a) Melhoria do Acesso aos Mercados: reduzir barreiras tarifárias e não tarifárias; c) Redução dos Subsídios à Exportação: limitar o apoio financeiro que distorce o comércio; c) Redução do Apoio Interno: estabelecer limites ao apoio interno que distorce a produção e o comércio agrícola.

Por força desse tratado, é que se deu, por exemplo a disputa significativa entre os Estados Unidos e a União Europeia, relacionada a subsídios ao açúcar. Em 2005, a OMC decidiu que os subsídios da UE ao açúcar violavam as regras do AoA, pois permitiam a exportação a preços artificialmente baixos, prejudicando outros produtores globais. A OMC determinou que a UE excedia os limites permitidos de subsídios à exportação, o que levou a UE a reformar suas políticas de subsídios ao açúcar, alinhando-se com as regras da OMC e melhorando a competitividade e equidade no mercado global.

Como se vê, para que o AoA seja, de fato, aplicado e respeitado pelos países membros, a OMC precisa retomar sua posição e seu funcionamento integral, o que não ocorre desde a crise provocada pelo governo dos EUA no seu órgão de apelação, que se arrasta desde 2019.

Portanto, incentivar a produção agrícola e fomentar o comércio internacional são estratégias essenciais para melhorar a segurança alimentar global. A FAO e a OMC, por serem organismos internacionais de primeira relevância para o tema, precisam voltar desempenhar os papéis e funções que efetivamente já exerceram e que são cruciais na coordenação e regulação desses esforços. O respeito aos tratados multilaterais vigentes e ao papel dos órgãos internacionais de solução de controvérsias que os aplicam também precisa ser retomado para que o sistema volte a funcionar. Sem isso, falar em retomada efetiva de esforços globais para a melhoria da segurança alimentar é algo que ficará mais no discurso e nos memorandos de entendimento do que, de fato, nas lavouras e pratos das pessoas.

A colaboração internacional contínua é fundamental para enfrentar os desafios globais e garantir que todos tenham acesso a alimentos adequados e nutritivos.

*José Nantala Bádue Freire é consultor em Agronegócio do escritório Miguel Neto Advogados

Obs: As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Globo Rural

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