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      Após mudança de técnico, rixa entre seleção e clubes ganha novo capítulo

      Equipes da Liga Nacional e atletas reclamam de diferença de tratamento, pedem mais atenção, querem fazer parte da comissão e ameaçam boicote ao evento-teste de 2016

      Por Rio de Janeiro e São Paulo

      Há 20 anos, a seleção brasileira de basquete feminino estava entre as melhores do planeta, era atual campeã mundial (1994) e seria, em 1996, medalhista de prata nas Olimpíadas de Atlanta. Duas décadas depois, a realidade é bem diferente. Sem chegar entre as oito primeiras colocadas em uma grande competição desde 2006, o basquete feminino do Brasil está rachado. De um lado, jogadoras e clubes ameaçam boicotar o evento-teste para o Rio 2016, marcado para janeiro. Do outro, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) acusa o colegiado de querer dar um golpe na entidade e estar em busca de cargos, o que é negado pelos líderes do movimento. Apesar de os ânimos terem se apaziguado com a troca de treinador - Luiz Augusto Zanon abriu mão do cargo e Antonio Carlos Barbosa entrou em seu lugar - ainda há uma longa estrada pela frente, já que as reivindicações não param por aí. 

      Mundial de basquete, Brasil x França (Foto: Divulgação / FIBA)Adrianinha já tinha se aposentado duas vezes da seleção, mas está de volta ao time (Foto: Divulgação / FIBA)


      O colegiado exige que os seis técnicos que dirigem os clubes da Liga Nacional de Basquete façam parte do departamento técnico da seleção brasileira feminina. Para eles, o diretor Vanderlei Mazzuchini foca suas atenções na seleção masculina. Já a Confederação Brasileira alega que a estrutura dada para homens e mulheres é a mesma, inclusive o valor das diárias em viagens, e afirma que o colegiado quer dar um golpe para comandar a seleção feminina, e isso, para a entidade, é inaceitável. 

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      GOTA D´ÁGUA

      Luiz Zanon seleção brasileira basquete feminino Brasil Pan 2015 (Foto: Gaspar Nobrega/inovafoto)Luiz Zanon, técnico da seleção brasileira, não foi ao lançamento da Liga (Gaspar Nobrega/inovafoto)

      O estopim para a crise foi no lançamento da Liga de Basquete Feminino (LBF), no mês passado,  quando a Confederação Brasileira não se fez presente com seus principais dirigentes. Nem mesmo o técnico Zanon apareceu na festa que inaugurou o maior campeonato de basquete feminino do país. Ricardo Molina, gestor do Corinthians/Americana e um dos líderes do movimento, criticou a posição de Vanderlei e Luiz Zanon:

      - Desde que a Hortência (ex-diretora) saiu, não houve nenhum cuidado com a seleção feminina. O diretor técnico, Vanderlei, não é, nem nunca foi da modalidade feminina, desconhece até as atletas. Não se envolveu com a modalidade nos últimos anos. O Zanon sequer acompanhou os jogos da Liga, não se atualizou no contato com os técnicos e se limitou a aparecer na seleção só quando o necessário. Os vexames têm exposto nossas atletas. A soma disso, com a não presença deles no lançamento da liga fizeram a gente se encorajar - disse Ricardo Molina. 

      Por que não se aliar aos clubes? Temos patrocínios e poderíamos emprestar a nossa estrutura para a seleção. No América, por exemplo, temos um excelente centro de treinamento no colégio Salesiano e um bom hotel ao lado. Está virando briga pessoal e o nosso objetivo é o mesmo: queremos o bem do basquete e temos uma grande oportunidade de fazer um bom papel em casa nas Olimpíadas" 
      Roberto Dornellas, do América-PE e um dos líderes do movimento

      O anúncio de que Barbosa entraria no lugar Zanon atendeu a uma das principais reivindicações do colegiado dos seis únicos clubes que fazem parte do campeonato nacional. Outro líder do movimento, Roberto Dornellas, treinador do América-PE, explicou que os treinadores da LBF têm a intenção de ajudar a CBB e poderiam até mesmo emprestar a sua estrutura e recursos para ajudar o basquete feminino. 

      - O Barbosa é uma pessoa que faz parte do basquete feminino. Ninguém pode falar que ele não tem experiência. Mas o Zanon era apenas uma parte do problema. A maioria continua. A CBB deveria ter sentado com os clubes para saber como estão as atletas, falar com o departamento médico para ver o condicionamento de cada uma das convocadas até para evitar lesões e não perder tempo. Nós cuidamos delas o ano inteiro e sabemos como elas estão fisicamente. Não queremos cargo. Mas, pela questão emergencial, já que a CBB não tinha um planejamento, e por nós estarmos em contato com elas, os clubes, com o colegiado, poderiam ajudar e tomar a frente disso. Fala-se muito que a Confederação não tem dinheiro. Por que não se aliar aos clubes? Temos patrocínios e poderíamos emprestar a nossa estrutura para a seleção. No América, por exemplo, temos um excelente centro de treinamento no colégio Salesiano e um bom hotel ao lado. Está virando briga pessoal e o nosso objetivo é o mesmo: queremos o bem do basquete e temos uma grande oportunidade de fazer um bom papel em casa nas Olimpíadas do Rio - explicou Dornellas.  

      Barbosa, que tem uma boa relação com ambos os lados, é visto como uma figura de conciliação. O treinador, que assumiu o comando da seleção brasileira pela terceira vez, garantiu que terá um canal aberto para evitar que o basquete seja prejudicado às vésperas dos Jogos Olímpicos. 

      - Todo o movimento é válido e tem algum ganho. Mas só temos que tomar cuidado para que isso não fique muito individualizado. O basquete brasileiro precisa estar acima dessas questões de clubes e desencontro de informações. É preciso refletir e as partes precisam conversar. Muito mais do esses seis clubes, nós temos o basquete no Brasil. A seleção terá muitos desafios. 

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      HOMENS TÊM MAIS ESTRUTURA?

      Luiz Zanon ao lado do diretor técnico da CBB, Vanderlei Mazzuchini  (Foto: Divulgação) Vanderlei Mazzuchini é o diretor de seleções (Foto: Divulgação)

      O diretor técnico de seleções Vanderlei Mazzuchini lamenta que a discussão tenha ido para a imprensa, dispara contra o movimento e garante que homens e mulheres contam com a mesma estrutura: 

      - Acho uma pena isso estar sendo discutido pela imprensa. Se o Molina quisesse o bem da modalidade, não levaria isso para a imprensa. As portas da CBB sempre estiveram abertas para ouvir questionamentos, opiniões e reivindicações. Acho que o basquete feminino passa por uma dificuldade sim. Agora, seria muito simplista da nossa parte achar que os culpados são a comissão técnica e o treinador. É difícil entender onde eles querem chegar. É mentira que existe diferença de tratamento entre o feminino e masculino. A passagem aérea é igual, as diárias são iguais. A estrutura que é dada é a mesma - disse. 

      Vanderlei também negou descaso por parte da entidade e explicou que apresentou um planejamento completo até as Olimpíadas. Os clubes, que fazem o acompanhamento médico anual das atletas, reclamaram que não foram consultados pelo departamento da seleção e frisam a importância da troca de informações com a Confederação para um quadro mais completo. 

      - Apresentamos um planejamento dia a dia até as Olimpíadas. Querem pegar dinheiro, criar um colegiado técnico e comandar o basquete. Isso é golpe. E a CBB não aceita golpe de ninguém, a gente faz basquete. O dinheiro do basquete vem do COB (Comitê Olímpico do Brasil) através da Lei Piva. Até agora, não conseguimos a aprovação do convênio com o Ministério do Esporte para o feminino. Eles querem saber onde está a verba para a preparação da seleção, e a única verba que tivemos foi pela Lei Piva. Estou tranquilo quanto a isso - acrescentou Vanderlei.

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      ministro diz que verba é igual para feminino e masculino

      George Hilton, ministro dos Esportes (Foto: Reprodução/TV Gazeta)George Hilton, ministro dos Esportes, diz que verba é a mesma para o masculino e o feminino (Foto: Reprodução/TV Gazeta)

      Por conta da falta de verba, as jogadoras da seleção brasileira feminina precisaram viajar à Copa América, em Edmonton, no Canadá, de classe econômica, enquanto os homens foram de primeira classe. Ministro dos Esportes, George Hilton informou que a verba oferecida para o masculino é a mesma que o feminino.  

      - Os repasses tem sido feitos por conta do compromisso nosso de não deixá-los atrasar. Nós temos a confiança de que, no que depender de nós (Ministério do Esporte), não vai faltar dinheiro para o basquete feminino. O mesmo recurso que mandamos para os meninos mandamos para as meninas - garantiu George Hilton. 

      Jogadoras compareceram ao lançamento da LBF 2015/16 (Foto: William Lucas/Inovafoto)Jogadoras compareceram ao lançamento da LBF 2015/16, mas CBB não foi (Foto: William Lucas/Inovafoto)

      Roberto Dornellas não aceita que a entidade diga que mulheres e homens tem a mesma força na entidade. No ranking mundial da Federação Internacional de Basquete, as mulheres estão em sétimo lugar, enquanto os homens ocupam a nona posição:

      - Gostaria de saber se o feminino não tivesse se classificado na Copa América se a Confederação teria gasto um milhão de dólares para ganhar um convite. Apesar de termos muitos atletas no masculino na NBA, o ranking do feminino ainda é melhor do que o masculino - disse, se referindo ao fato da equipe masculina não ter conseguido a vaga no Mundial de 2014 pelo torneio classificatório, e a CBB ter pago por esse convite.

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      boicote?

      Adrianinha em Atenas 2004 basquete (Foto: Getty Images)Adrianinha jogou as últimas quatro Olimpíadas
      (Foto: Getty Images)

      A Confederação Brasileira não acredita que as jogadoras convocadas para o evento-teste (lista abaixo) boicotem a competição:

      - Nosso planejamento para a Olimpíada está latente e muito bem planejado. Tenho certeza que as atletas que forem convocadas irão se apresentar no dia 6 de janeiro para a disputa do evento-teste - disse o presidente da CBB, Carlos Nunes.

      Houve uma conversa entre Ricardo e o presidente da Confederação Brasileira, Carlos Nunes. Segundo Molina, o dirigente ouviu as propostas, mas respondeu que não havia possibilidade da mudança acontecer naquele momento. O colegiado espera uma resposta da CBB nas próximas semanas e as atletas ameaçam boicotar o evento-teste, marcado para janeiro. Segundo Adrianinha, que está perto de disputar sua quinta edição das Olimpíadas, a solução tem que ser encontrada rapidamente:

      - É uma situação delicada, a gente está às vésperas das Olimpíadas. O principal que a gente quer é respeito com a modalidade, para que tenhamos as melhores condições possíveis para gente. Esse tem que ser o ponto principal, não adianta ficar procurando culpados, e sim uma solução. Acho que os clubes, por serem eles que investem no basquete, tem o direito de questionar uma atenção maior para a modalidade. Tem que haver diálogo, tem que ver o que é melhor para o basquete. A CBB tem que abrir mão e dialogar, são os clubes que investem - disse a armadora.

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      últimos resultados e futuro próximo

      Nos últimos anos, a seleção feminina tem colecionado resultados ruins. O time conseguiu apenas uma vitória nas Olimpíadas de 2008 e 2012, sendo eliminado ainda na primeira fase em ambos os casos. Em Campeonatos Mundiais, a seleção também não conseguiu a vaga para as quartas de final nas edições de 2010 e 2014. Nos Jogos Pan-Americanos, a seleção ficou em quarto lugar nos Jogos de Toronto, em julho deste ano, e conquistaram o bronze em 2011, no México.

      A preparação da equipe começará no dia 6 de janeiro, de olho no evento-teste para os Jogos. Além do Brasil, o torneio contará com a presença de Austrália, Argentina e Venezuela, de 15 a 17 de janeiro, na Arena de Basquete no Parque Olímpico da Barra, Zona Oeste da Cidade Maravilhosa. Antes da estreia no evento-teste, o time verde e amarelo fará dois amistosos contra a Argentina, em 12 de janeiro, e Austrália, no dia 13. As jogadoras foram convocadas, mas ainda há a incerteza sobre a presença delas no dia da apresentação.   

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      CONVOCADAS PARA O EVENTO-TESTE

      1) Adriana Moisés Pinto - Armadora - 36 anos - 1,68m - América de Recife (PE)
      2) Clarissa Cristina dos Santos - Pivô - 27 anos - 1,84m - Corinthians/America (SP)
      3) Damiris Dantas do Amaral - Pivô - 23 anos - 1,90m - Conrinthians/América (SP)
      4) Gilmara Justino - Pivô - 34 anos - 1,83m - Conrinthians/América (SP)
      5) Isabela Ramona Lyra Macedo - Lateral - 21 anos - 1,81m - Sampaio Basquete (MA)
      6) Iziane Castro Marques - Lateral - 33 anos - 1,82m - Sampaio Basquete (MA)
      7) Jaqueline de Paula Silvestre - Lateral - 29 anos - 1,79m - Santo André (SP) -
      8) Joice Cristina de Souza Rodrigues - Ala/armadora - 29 anos - 1,76m - Corinthians/Americana
      9) Nádia Gomes Colhado - Pivô - 26 anos - 1,95m - Sampaio Basquete (MA) 
      10) Tainá Mayara da Paixão - Armadora - 24 anos - 1,72m - América de Recife (PE)
      11) Tássia Pereira de Souza Carvalli - Ala/armadora - 23 anos - 1,80m - Santo André (SP)
      12) Tatiane Pacheco Nascimento - Lateral - 25 anos - 1,81m - América de Recife (PE) - SP

      Clarissa dos Santos, Venezuela e Brasil, Basquete Feminino (Foto: Samuel Vélez / FIBA Américas)Clarissa dos Santos, Venezuela e Brasil, Basquete Feminino (Foto: Samuel Vélez / FIBA Américas)