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"Eu entendi que queria ser mãe desde muito cedo. E o curioso é que, mesmo quando era mais nova, nunca enxerguei a necessidade de um parceiro para realizar esse sonho. A primeira vez que ouvi falar em produção independente foi aos 10 anos, em um programa de televisão que não me lembro qual era, mas o que não esqueço é que me apaixonei pela ideia. Sempre dizia em casa: 'Não vou me casar, mas vou ter um filho'.

Tudo mudou, no entanto, quando conheci a Diana. Antes dela, e de entender que eu também me sentia atraída por mulheres, namorei muito tempo com homens — e, inclusive, tive um longo relacionamento de nove anos com um. Mas foi só com ela que entendi que queria realizar esse desejo de maneira compartilhada. Todo aquele amor que a gente sentia e a vida que estávamos construindo juntas me transbordava tanto, que era como se precisássemos estender tudo aquilo para um fruto nosso. Facilitou o fato da vontade de ser mãe estar presente em ambas, embora, inicialmente, eu quisesse gestar e a Diana já tivesse a vontade de adotar. Quando chegou a hora de dar esse passo, acabamos começando por aí. Como eu não tinha problema nenhum com a ideia, inclusive por ter uma irmã que foi adotada, seguimos por esse caminho — e foi quando o Ryan entrou em nossas vidas.

Ryan, Aline e Diana — Foto: Arquivo Pessoal
Ryan, Aline e Diana — Foto: Arquivo Pessoal

O ano era 2017 e, depois de termos nos conhecido em 2013 e nos casado em 2015, seguíamos em uma fase apaixonada. Chegamos na Vara da Infância sem muita informação nem sabendo ao certo se queríamos um bebê ou uma criança maior. Quis a vida que nossos caminhos se encontrassem com o do Ryan, que, na época, já estava com 7 anos. O processo todo foi rápido, durou apenas um mês, o que não indico para quem deseja adotar: a adaptação e o acerto de pequenos detalhes levam tempo — como mostrou um dos primeiros desafios que enfrentamos nessa jornada. O segundo, para ser mais precisa, já que o primeiro foi me deparar com um documento durante o curso de adoção que pedia o nome do pai e da mãe para iniciar o processo. Sim, já era 2017 e ainda não estávamos falando de campos neutros, apesar da existência de diversos modelos de família.

Voltando para o desafio em sequência, Ryan tinha um irmão de 10 anos que, seguindo nossa ideia inicial, também seria adotado. Na contramão dos nossos planos, a adaptação não funcionou, ele pediu para ir embora e a própria Vara da Infância fez com que o menino retornasse para o abrigo. Quando isso acontece, você se sente a pior pessoa do mundo, porque é tomada por uma culpa absurda. Quantas vezes eu não julguei casos como esse? Aprendi que só quem está vivendo tudo aquilo ali sabe.

Depois disso, além do peso de achar que havia falhado naquela missão, tive que lidar com o emocional abalado do filho que ficou e com o medo dele que ele também pedisse para ir embora. Posso dizer, então, que também tive o meu puerpério. Engordei muito, não dormia direito, e a minha vida era uma loucura, porque tinha que conciliar casa e trabalho. Voltar da licença-maternidade — que uma das mães tinha direito por quatro meses — também foi uma experiência muito ruim; você se sente insegura e acha que desaprendeu tudo. Piora o fato de muitas pessoas no mercado de trabalho não darem o acolhimento necessário. Mas resistimos. E, assim, pudemos viver a leveza das nossas primeiras vezes.

Quando adotei o Ryan, muita gente dizia: 'Mas 7 anos? Tem certeza? Ele já vem com a personalidade pronta, né?'. E eu descobri, na prática, que a questão da idade não afeta em nada o vínculo. Vivi a primeira leitura, vi o primeiro dente, o primeiro banho de mar… Agora, aos 14 anos, soube do primeiro beijo, da primeira namoradinha e da realização do sonho de ter sido selecionado em uma peneira para um time de futebol.

Diana, Ryan e Aline — Foto: Arquivo Pessoal
Diana, Ryan e Aline — Foto: Arquivo Pessoal

Não tenho nenhum arrependimento da chamada adoção tardia. Até porque, com o Ryan, percebi que só queria ser mãe. Eu, que sempre desejei engravidar, percebi que, no fim das contas, a maneira como se daria não importava. Só queria ser mãe, inclusive com todas as dores e delícias que fazem parte do processo. Eu sou a mãe que dá aquele olhar de bronca ao mesmo tempo que também é muito aberta para ouvir e falar, da maneira mais natural possível, sobre tudo.

E tem que ser assim. O Ryan tem marcadores sociais muito importantes: os genitores biológicos dele são um homem branco e uma mulher negra; ele é filho de duas mães, com a Diana sendo negra e nordestina, e eu uma mulher parda e periférica de São Paulo. Por parte da minha família, ele tem tias transexuais, enquanto a da Diana é bem católica… Então, com tanto para assimilar, se eu não trouxer meu filho para mim e não conversar sempre, ele vai ser mais uma vítima da sociedade, por mais que tenha outros privilégios e que estejamos em uma bolha protegida em casa.

Diana, Ryan e Aline — Foto: Arquivo Pessoal
Diana, Ryan e Aline — Foto: Arquivo Pessoal

Nosso desafio também é criá-lo como uma pessoa tolerante, que respeita o próximo e que entende as violências da sociedade machista em que vivemos. Quero mostrar que ele pode ser jogador de futebol ou o que mais quiser, só não pode ser machista. Apesar de saber que todos nós estamos suscetíveis ao machismo no dia a dia, não quero que ele perpetue essas atitudes com medo de ser visto como 'o chato' entre os amigos. Também fazemos questão de mostrar que a vida dele é normal, que a nossa família é maravilhosa e que ele tem que ter orgulho. Ele sabe disso e sei que se orgulha, mas faço questão de reforçar para que meu filho esteja forte e consiga enfrentar qualquer problema pela frente.

Já sobre mim, falar em uma única grande transformação seria pouco demais, porque a gente se transforma todos os dias. No começo, tive que trabalhar a resiliência; depois, ser muito mais forte emocionalmente. Hoje, também tenho que ser muito bem informada, inclusive com conhecimento sobre os novos cantores de rap e trap do momento, além de relembrar os conceitos de ciências e reaprender a conta de dividir para ajudar nas tarefas de matemática. Também tenho que ter a mente ainda mais aberta, e posso dizer que a quebra de paradigmas dentro da minha cabeça é a minha grande transformação do momento.

Aline Medeiros, Ryan Medeiros e Diana Medeiros — Foto: Arquivo Pessoal
Aline Medeiros, Ryan Medeiros e Diana Medeiros — Foto: Arquivo Pessoal

Desde o primeiro dia que o Ryan chegou à minha casa, imediatamente deixei de ser a Aline que eu era. Parece clichê, eu sei. Já ouvi isso de muitas mulheres e não dava a devida atenção, mas vejo que é verdade. Hoje, meu filho tem 14, daqui a pouco vai ter 20, e vamos passar por muitas novas etapas juntos. Sei que as transformações são constantes e que vamos aprendendo com os desafios que a vida impõe. Já enfrentamos vários e muitos ainda estão por vir, mas não faria nada diferente."

Por Aline Medeiros em depoimento a Nívia Passos*

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