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Sessão deliberativa da Câmara dos Deputados que aprovou o PLP 68, que regulamenta a reforma tributária
Sessão deliberativa da Câmara dos Deputados que aprovou o PLP 68, que regulamenta a reforma tributária| Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

A votação do projeto que regulamenta a reforma tributária na Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (10) se transformou em um campo de batalha para representantes de setores econômicos, interessados em garantir o melhor tratamento tributário para seus bens e serviços.

Um dos grandes vitoriosos foi o setor de proteína animal, apoiado pela bancada do agronegócio, que, na última hora, conseguiu emplacar as carnes, além de peixes, queijos e sal, na cesta básica nacional – grupo de alimentos que terá isenção total do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Até a última versão do substitutivo do projeto de lei complementar (PLP) 68, os produtos estavam de fora da lista, constando da relação de produtos que teriam desconto de 60% da alíquota padrão dos novos tributos.

Contra a alíquota zero para as proteínas animais pesava o impacto para maior na alíquota de referência que incidirá sobre os demais produtos, argumento defendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se opunha à isenção para carnes. 

A proposta original, elaborada pela equipe econômica do governo, não contemplava proteínas animais no grupo do imposto zero, mas nas últimas semanas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu declarações favoráveis à medida. 

A inclusão dos itens na cesta básica foi assegurada por meio de uma emenda de plenário da oposição que, ao fim, acabou por obter o aval do relator-geral da matéria, Reginaldo Lopes (PT-MG). O placar a favor da emenda foi de 477 votos a três, com duas abstenções. 

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) comemorou a medida, defendida também por entidades como as associações brasileiras de Supermercados (Abras) e de Frigoríficos (Abrafrigo) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

“É uma vitória daqueles que lutam pela segurança alimentar do país e que compreendem que o direito ao acesso às carnes e aos seus nutrientes essenciais deve ser preservado”, declarou a ABPA. 

A Abras considera a inclusão das carnes e peixes na cesta básica “crucial para garantir que os brasileiros, sem distinção de renda ou local de consumo, possam ter uma alimentação nutritiva e adequada”. 

“Desonerar as carnes e peixes é um passo essencial que reflete o compromisso dos nossos parlamentares e do presidente Lula em combater a fome e a desigualdade social no país”, disse João Galassi, presidente da entidade. 

Para o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que preside a FPA, a medida refletiu a vontade da maioria do Congresso. “Esse era o ponto principal para a bancada. Aplaudimos a decisão política do relator que evitou disputa ruim no plenário. A maioria dos líderes fez contas e viu que haveria maioria favorável à inclusão, muito superior aos 257 votos necessários”, afirmou o parlamentar em coletiva de imprensa. 

Isenção para nanoempreendedor é comemorada por segmento de vendas diretas 

Quem também sai beneficiado com a aprovação do substitutivo ao PLP elaborado por deputados federais são profissionais que se enquadram na categoria de “nanoempreendedores”, ou seja, aqueles que atuam com venda direta e tem faturamento de até R$ 40,5 mil por ano. Pelo projeto, que ainda será analisado pelo Senado, eles terão isenção de IBS e CBS. 

Segundo o relator, a categoria abrange 5,1 milhões de brasileiros, a maioria mulheres. Entram na definição, por exemplo, revendedoras de cosméticos e utensílios por catálogo, mas também motoristas de aplicativos como Uber e 99, desde que atendam ao critério de receita anual. 

A Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD) comemorou o dispositivo na regulamentação da reforma tributária. “Esta acertada medida promoverá significativamente o crescimento e a inclusão socioeconômica de milhões de pequenos empreendedores brasileiros, incluindo os revendedores de venda direta, segmento composto majoritariamente por mulheres”, declarou a entidade. 

Beneficiados de última hora vão de plano de saúde veterinário a setor de flores 

A lista de atividades que terão redução de alíquota, que já cresce desde a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, no ano passado, aumentou ainda mais a cada nova versão do substitutivo ao PLP 68 apresentado na Câmara.

Atendendo à bancada do agro, foi acrescida ao relatório a redução em 60% da alíquota padrão para insumos agropecuários e aquícolas, entre eles, o “melhoramento genético de animais e plantas e biotecnologia, inclusive seus royalties, bem como sêmens, embriões e matrizes de animais puros de origem, estes últimos quando possuírem registro genealógico”. 

Segmentos como o de prestação de serviços de audiovisual também terão desconto de 60% na tributação, caso o Senado endosse o projeto da Câmara. Para o presidente da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), Ricardo Dias, “a medida representa um passo importante para a continuidade e o crescimento das atividades do setor de eventos no novo cenário tributário”, segundo declarou em nota.

Em uma atualização do relatório protocolado na madrugada de quarta-feira (10), horas antes da discussão em plenário, planos de saúde veterinários foram incluídos na lista de serviços que terão desconto de 30% na tributação em relação à alíquota base.

O texto também passou a autorizar que empresas gerem créditos de planos de saúde coletivos contratados para funcionários desde que o benefício esteja previsto em convenção. A proposta do governo proibia o creditamento, o que era alvo de reclamação por parte da Associação Brasileira de Operadoras de Planos de Saúde (Abramge)

Uma versão divulgada à tarde incluiu itens como óleo de milho, aveia e farinhas na cesta básica isentando-os de IBS e CBS, e pão de forma e extrato de tomate na lista de alimentos em que incidirá uma taxa 60% menor dos tributos.

Já entre os produtos hortícolas, que, embora não estejam na cesta básica, também terão alíquota zero, o relator acrescentou, na mesma atualização, “plantas e produtos de floricultura relativos à horticultura e cultivados para fins alimentares, ornamentais ou medicinais”. 

A inclusão era uma demanda do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), que divulgou nota no início da semana defendendo a medida. “Flores e plantas ornamentais, assim como os legumes, verduras e frutas, são produtos hortícolas e merecem o tratamento tributário adequado na reforma tributária”, dizia o texto. 

A Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc) também comemorou o fato de ter tido atendido o pedido de uma regulamentação para a tributação do setor. 

Responsáveis por servir 33,5 milhões de trabalhadores diariamente, as empresas do ramo estavam em um “limbo regulatório” na versão do PLP 68 apresentada pelo governo. “Agora sabemos quanto temos que pagar, e qual nosso regime”, diz Lauro Ribeiro, diretor jurídico e fiscal da Aberc. “Teremos segurança jurídica para trabalhar.”

Indústrias de alimentos processados, agrotóxicos e armas conseguem evitar Imposto Seletivo 

Outro setor que pode se considerar vitorioso foi o de armas e munições, que, apesar de movimentos da sociedade civil em favor de sua sobretaxação com o Imposto Seletivo, acabou se livrando do tributo na redação final do PLP aprovada na Câmara. 

Também chamado de “imposto do pecado”, o tributo tem o objetivo de desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com exceção daqueles produzidos na Zona Franca de Manaus. 

Organizações como o Instituto Sou da Paz e a Oxfam Brasil chegaram a lançar nota técnica com o objetivo de “sensibilizar parlamentares sobre os riscos para a segurança brasileira em reduzir os impostos sobre produtos que ameaçam a vida, como armas e munições”. 

No plenário da Câmara, após a aprovação do texto-base do PLP, a federação formada por PSOL e Rede apresentou um destaque para incluir as armas no Imposto Seletivo, mas a proposta foi rejeitada por 316 votos contrários, 155 favoráveis e duas abstenções. 

Alvo de campanhas pela sobretaxação, defensivos agrícolas também ficaram de fora do tributo adicional.  

Nos últimos meses, campanhas como “Agrotóxico Precisa Pagar Mais Imposto”, “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida” e “Reforma Tributária 3 S: Saudável – Solidária – Sustentável” pediam a inclusão dos produtos no Imposto Seletivo. 

A União Nacional da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas (Uncab), por sua vez, saiu parcialmente vitoriosa. O movimento, que uniu indústrias de alimentos e bebidas de diversos segmentos, se opunha à incidência do “imposto do pecado” sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados. 

A inclusão dos itens entre os alvos do tributo era defendida por entidades como as associações brasileiras de Nutrição (Asbran) e de Saúde Coletiva (Abrasco) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). 

No fim, o projeto aprovado acabou mantendo a sobretaxação de bebidas açucaradas, mas, por outro lado, alimentos processados acabaram escapando do Imposto Seletivo, apesar das emendas de plenário apresentadas por parlamentares defenderem a inclusão dos produtos. 

Setores alvos de “imposto do pecado” lamentam regulamentação aprovada pela Câmara 

A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerante e Bebidas não Alcoólicas (Abir) lamentou a decisão dos deputados de manter bebidas açucaradas entre os alvos do “imposto do pecado”, considerado pela entidade como “discriminatório e ineficaz”. 

Em uma nota divulgada na quarta-feira (10), a Abir afirma que “o argumento de que diminuir o consumo desses produtos levará a uma redução da obesidade no país não encontra respaldo nas pesquisas”. 

“De acordo com dados do Ministério da Saúde, nos últimos 17 anos, a obesidade cresceu 105,9%, enquanto, no mesmo período, o consumo de refrigerantes diminuiu 51,8%”, informa o texto. “Ou seja, além de não resolver o problema da obesidade, que, como sabemos, é multifatorial, sobretaxar chás, refrescos e refrigerantes trará um significativo impacto negativo para um setor que tem muita relevância na economia brasileira.” 

A incidência do Imposto Seletivo sobre bebidas alcoólicas sempre foi aceita pelas indústrias do setor, que hoje já recolhem uma alíquota de caráter regulatório do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Havia, no entanto, uma controvérsia envolvendo a base de cálculo do imposto: enquanto o a indústria cervejeira defende que a alíquota seja estipulada considerando o teor alcoólico dos produtos, os fabricantes de destilados querem um imposto único para o setor. 

Durante as audiências públicas realizadas pela Câmara dos Deputados para formulação do relatório ao PLP 68, o presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), José Eduardo Cidade, ressaltou que a cerveja responde por mais de 90% do consumo de álcool no país, mas que as empresas do segmento que ele representa acabam pagando mais impostos. 

A versão final do substitutivo manteve a tributação progressiva por teor alcoólico dando ganho às cervejarias. Por outro lado, deixou de atender a outra demanda do Sindicado Nacional da Indústria de Cerveja (Sindcerv): a isenção para pequenas cervejarias artesanais. 

Como consolo, um pequeno alívio: na versão do texto aprovado, a taxação de bebidas alcoólicas com o Imposto Seletivo será feita de forma progressiva, entre 2029 e 2033, para evitar carga excessiva. 

Outro setor que saiu perdendo na votação do substitutivo da reforma tributária foi o de fabricantes de automóveis, que também serão sobretaxados com o “imposto do pecado”, à exceção de caminhões. No caso da indústria automotiva, a derrota foi em dobro: além de não lograr êxito com a campanha pela retirada dos veículos à combustão do Imposto Seletivo, ainda viu entrar na lista os híbridos e elétricos. 

“Ao adotar a medida, iremos na contramão, dificultando o acesso a modelos menos poluentes e mais seguros, e retardando de forma temerária a renovação da frota nacional”, criticou recentemente o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio Lima Leite. 

Setores de extração mineral, como o de petróleo, gás natural e minério de ferro, conseguiram uma redução na alíquota máxima do Imposto Seletivo, que caiu de 1% para 0,25%. Ainda assim, entidades que representam os segmentos consideram a sobretaxação prejudicial à economia do país. 

“Em todos os países do mundo que adotam o Imposto Seletivo, ele nunca é previsto para produtos industriais, insumos para a fabricação de outros bens e que estejam na base da cadeia produtiva, assim como o petróleo, gás natural e minérios”, declarou o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás Natural (IBP) em nota lançada na quarta-feira. 

“Com isso, a imposição de uma alíquota sobre as atividades de petróleo e gás vai gerar um aumento de custos em todas as cadeias produtivas que chegarão até os consumidores finais de uma ampla gama de produtos”, diz o texto. 

Conforme o projeto aprovado, serão alvos do Imposto Seletivo ainda aeronaves e embarcações, cigarros e demais produtos fumígenos, concursos de prognósticos (jogos de azar) e fantasy sport (jogos online de competição). Na última hora, o carvão mineral também foi incluído entre os minérios sobretaxados, junto ao petróleo, gás natural e ferro.

Setores reclamam de aumento de carga tributária com reforma

Indústrias que terão aumento de carga tributária ao fim da transição para o novo modelo de impostos também criticaram a proposta e devem atuar por mudanças no texto na tramitação no Senado. 

A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), por exemplo, manifestou preocupação com a proposta aprovada na Câmara. “Embora a entidade reconheça a necessidade de simplificação e modernização do sistema tributário, as alterações sugeridas no redutor de ajuste podem trazer impactos negativos significativos para o setor imobiliário, um dos maiores geradores de empregos do país”, declarou a Abrainc.

Uma coalizão de entidades e empresas do setor de saneamento lançou uma carta pública endereçada ao Congresso e à sociedade civil relatando os efeitos que o aumento da carga tributária sobre o setor podem gerar. 

O manifesto é assinado pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e pelas empresas de saneamento Sabesp, de São Paulo, Copasa, de Minas Gerais, e Casal, de Alagoas. 

Conforme o texto que vai à análise do Senado, o saneamento passará a ser tributado pela alíquota padrão de IBS e CBS, estimado pela Fazenda em 26,5%, no total. “Hoje, devido à sua relevância social e de saúde pública, o setor tem uma taxação de 9,74%”, destaca o grupo de instituições.

“Além do aumento na conta de água da população, a alta na elevação de impostos pode comprometer investimentos futuros, necessários para a universalização do setor prevista em lei”, diz o texto. 

A Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) também divulgou um comunicado em que defende a necessidade de manutenção de itens como o cimento entre os beneficiados com descontos tributários, “garantindo um alívio significativo nos preços dos insumos para a construção civil”. 

“É imperativo garantir que as políticas tributárias não prejudiquem aqueles que fazem parte de mais 6,2 milhões do déficit habitacional e que mais precisam de moradia acessível”, diz a nota, assinada pelo presidente da entidade, Cassio Tucunduva. 

Já a Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (ABIIS) pedia a inclusão na lista de isenção ou redução de impostos de uma série de dispositivos médicos e de diagnóstico. “Com a eliminação ou redução das isenções que existem hoje de ICMS, PIS e Cofins, milhares de cirurgias e procedimentos cruciais para a população estarão em risco”, declarou a associação.

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