Por Letícia Dauer, g1 SP — São Paulo


Nunes vai recorrer da decisão judicial que proíbe uso de balas de borracha e bombas — Foto: Montagem g1/Reprodução/Prefeitura de São Paulo/Werther Santana/Estadão Conteúdo

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), criticou nesta quarta-feira (26) a decisão judicial que proibiu a Guarda Civil Metropolitana (GCM) de atuar como a Polícia Militar em operações na Cracolândia, no Centro da capital, e de usar bombas de gás e balas de borracha contra os usuários de drogas.

A decisão é da juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, e foi publicada nesta segunda-feira (24). A administração municipal vai recorrer da decisão.

Nunes disse que "não é razoável que eles tenham as suas funções limitadas, sendo que é muito necessária a atuação desses profissionais para manter a segurança e a ordem não só da população, mas para os agentes de saúde e de assistência social que atuam nas cenas abertas de uso".

Durante agenda nesta quarta, o prefeito ainda afirmou que, no campo de segurança pública, não cabe à juíza delimitar quais táticas e ferramentas a GCM e a PM devem usar na Cracolândia, por isso o trabalho desses profissionais deve ser definido por especialistas da área.

"Cada um precisa saber que a gente tem que respeitar as atividades profissionais. Existem protocolos, estudos, dados científicos, comportamentos a serem utilizados porque na hora que tiver o problema o juiz que fez isso não vai lá resolver. Ele está lá no gabinete no ar-condicionado. Então, as pessoas que estão no fronte no dia a dia que precisam ter liberdade para poder atuar com o objetivo de garantir a segurança e a vida das pessoas".

Decisão judicial

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) moveu uma ação civil pública contra a Prefeitura de São Paulo, após megaoperação na Cracolândia - que contou a participação de mais de 900 agentes da Polícia Militar, Polícia Civil e GCM - em 20 de maio de 2017.

Segundo o MP-SP, durante a operação, a GCM realizou uma barreira ao redor da região para revista de pertences pessoais em mochilas, bolsas e malas dos usuários. As abordagens eram feitas de maneira truculenta e agressiva nas pessoas que circulavam o local.

Na época, 38 pessoas foram presas e pelo menos uma ficou ferida. O então prefeito João Doria (PSDB) chegou a afirmar que a Cracolândia tinha acabado, apesar dos usuários terem retornado a região.

Nesta terça, a Justiça de São Paulo acatou três dos oito pedidos do Ministério Público, sendo eles:

  • proibição de operações por parte da GCM com formação típica da PM e da utilização de bombas de gás e bala de borracha para dispersão e expulsão dos usuários;
  • obrigação de criar um canal direto de comunicação da população com o Comando da GCM para receber denúncias contra agentes que tenham atuado como policiais, além da instauração de procedimentos administrativos disciplinares para cada caso notificado;
  • apresentação de plano de atuação ou de trabalho da GCM no prazo de 60 dias pela prefeitura.

GCM não pode atuar como PM

O Estatuto Geral das Guardas Municipais (a lei n° 13.022/2014) determina que "é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município".

Na decisão, a juíza Rios ainda afirma que "embora a Guarda Municipal seja integrante do Sistema de Segurança Pública, isso não permite afirmar que sua atuação mantém a mesma amplitude conferida às polícias militares estaduais".

A Constituição Federal de 1988 também não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de Polícia Militar ou investigativas de Polícia Civil, como se fossem verdadeiras "polícias municipais". A magistrada pontua que as polícias estão sujeitas a rígido controle correcional do MP e do poder judiciário, o que não acontece com a Guarda Civil.

Isto é, a atuação das guardas municipais "deve se limitar às suas competências estabelecidas em lei, as quais são voltadas à preservação do patrimônio municipal, e de caráter mais preventivo que repressivo".

No entendimento da juíza, não cabe aos guardas civis promover ações ostensivas na Cracolândia como vem ocorrendo ao longo dos últimos anos.

Vista das grades de ferro que foram instaladas na última segunda-feira, 18, em trecho rua dos Protestantes — Foto: ALLISON SALES/FOTORUA/ESTADÃO CONTEÚDO

Instalação de grades

Na última terça-feira (18) a Prefeitura de São Paulo e o governo de São Paulo instalaram grades de ferro na Rua dos Protestantes, onde há maior concentração de usuários de drogas no centro, criando uma espécie de corredor. A informação foi confirmada pelo vice-governador Felício Ramuth (PSD) ao g1.

O objetivo das gestões é liberar parte da via para o trânsito de carros de segurança e de saúde, como viaturas e ambulâncias, além de melhorar a abordagem dos agentes de saúde e assistentes sociais aos usuários.

Entretanto, na avaliação da Defensoria Pública do estado, a estratégia é desmedida e não tem eficácia comprovada.

Durante visita a Cracolândia, nesta segunda-feira (24), uma equipe da defensoria constatou violações de direitos como restrições de ir e vir e apreensão administrativa de objetos, barracas, carroças e pertences pessoais dos usuários.

"Há restrição permanente do direito de ir e vir das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social no território - seja pela colocação de gradis, seja pela expulsão das pessoas das ruas e espaços públicos", afirma o relatório assinado pela defensora Fernanda Penteado Balera.

"Em conversa reservada com equipes de saúde/assistência que atuam diretamente no fluxo, fomos informados que a adoção dos gradis para confinamento das pessoas em espaço ainda mais reduzido em alguma medida facilitou o acesso ao fluxo, mas que os benefícios dessa iniciativa são questionáveis, pois nunca tiveram grandes dificuldades de acessar as pessoas no interior do fluxo, sendo inquestionável que essa medida somente aumentou a tensão e agressividade das pessoas, seja entre elas, seja em relação aos profissionais que prestam os atendimentos médicos e assistenciais."

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