Por Kleber Tomaz, Isabela Leite, Renata Bitar, Lívia Machado, g1 SP e GloboNews — São Paulo


Youtuber americano participou de forma irregular de ação da PM em SP — Foto: Reprodução/YouTube

Cinco policiais militares foram afastados preventivamente por envolvimento na gravação do youtuber norte-americano Gen Kimura, que filmou ações da Polícia Militar (PM) em favelas da Zona Norte de São Paulo. A informação foi confirmada nesta quarta-feira (26) pelo g1 e pela GloboNews.

Os agentes da PM irão cumprir serviços administrativos enquanto durar a investigação interna da corporação que apura se eles cometeram alguma irregularidade após o influencer divulgar um documentário com as imagens do trabalho policial nas suas redes sociais. Os PMs poderão ser punidos administrativamente.

Entre os PMs afastados estão um capitão que autorizou a filmagem e não aparece no documentário e outros quatro agentes que aparecem nas imagens. Desse quatro policiais, um deles é um sargento que chegou a dizer em inglês no documentário do youtuber que as mortes de criminosos são comemoradas "com charutos e cerveja".

"Quando matamos um bandido, nós celebramos com charutos e cerveja. [Com o batalhão? , pergunta o youtuber] Não, só o pelotão. Como dissemos antes, o pelotão é como uma família", fala o sargento De Oliveira na filmagem.

A informação a respeito do documentário do youtuber sobre a PM foi revelada nesta terça-feira (25) pela Folha de S.Paulo e confirmada depois pelo g1. A reportagem apurou que o influenciador fez o pedido para gravar com a PM, por e-mail, no começo de abril. As gravações ocorreram no dia 21 do mesmo mês.

A decisão pelo afastamento dos agentes da PM partiu da corporação e do governo do Estado de São Paulo, segundo fontes da reportagem. A medida ocorre após a repercussão nas redes sociais e na imprensa do documentário feito por Gen, no qual mostra a rotina de trabalho dos policiais militares. As imagens foram veiculadas na página que o americano tem no Youtube.

As imagens divulgadas nas páginas de Gen nas redes sociais mostram o influenciador acompanhando uma operação da PM dentro de uma viatura, usando colete da corporação, e fazendo incursões com os agentes em comunidades da periferia de São Paulo. O americano chega a manusear uma arma da Polícia Militar. São cerca de 40 minutos de filmagem feitas por outro homem da equipe do youtuber.

Youtuber americano participa de ação da PM em SP e divulga vídeos nas redes sociais

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A Secretaria da Segurança Pública (SSP) considerou que, apesar de a Polícia Militar ter autorizado a gravação, o comando da corporação não havia tido conhecimento do documentário. Por esse motivo, a gravação foi considerada irregular.

A Polícia Militar não proíbe equipes de reportagem de filmarem operações, mas exige que uma série de recomendações sejam cumpridas. Entre elas, estão definir com detalhes como as gravações serão feitas, quais veículos serão utilizados e onde elas ocorrerão.

Nesta terça, a SSP informou, por meio de nota divulgada à imprensa, que apura a conduta dos policiais militares envolvidos no caso. Segundo a pasta, a frase dita pelo sargento no vídeo "não condiz com as práticas adotadas pelas forças de segurança do Estado".

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública "toda a dinâmica mostrada nas imagens, envolvendo um civil em práticas exclusivamente militares, não é permitida e fará parte das investigações".

A SSP reforçou que solicitou esclarecimentos à Polícia Militar logo após ter acesso aos vídeos e que foi instaurada uma "sindicância para apurar todas as circunstâncias e adotar as providências necessárias."

"As polícias paulistas são instruídas e continuamente capacitadas para agirem dentro da lei. Excessos e desvios não são tolerados e todos os casos são punidos com rigor. Além disso, a dinâmica do vídeo não é permitida de acordo com as regras internas da Corporação", continua o comunicado da pasta da Segurança.

Sargento De Oliveira diz ao influenciador que pelotão celebra morte de criminosos com 'charutos e cerveja'. — Foto: Reprodução/YouTube

A reportagem não conseguiu localizar Gen para comentar o assunto. No seu documentário, o youtuber descreve a forma como os policiais atuam nas periferias da cidade:

“Nós não achamos nada suspeito nas casas em que reviramos, mas isso não os parou [os policiais] de revistar as pessoas. Acho que muitas pessoas nos EUA chamariam isso de ‘profiling’ [busca por pessoas com suposto histórico criminal - metodologia apontada por especialistas como racista e discriminatória], mas nesse caso parece um recurso que eles precisam utilizar, especialmente em um ambiente tão imprevisível, não apenas pela segurança deles, mas para achar mais pistas sobre membros do tráfico. Como veremos adiante, eles foram certeiros no ‘profiling’ deles."

Gen também gravou parte do trabalho da Polícia Civil e da Polícia Técnico-Científica. Ele exibiu trechos dos documentários que pretende disponibilizar sobre essas outras duas instituições. A reportagem apurou que a Secretaria da Segurança Pública autorizou o youtuber a gravar com elas.

Numa das cenas, o youtuber borra a imagem de um boneco e de um carro estacionado em frente a um poste. Os objetos tinham sido colocados pela perícia para simular um acidente com vítima.

"A Secretaria da Segurança Pública esclarece que não houve acompanhamento das atividades diárias de policiamento na Polícia Civil e na Superintendência da Polícia Técnico-Científica pela equipe do canal do Youtube. Os policiais foram autorizados e concederam entrevistas ao programa, assim como regularmente fazem a outras produções nacionais e internacionais. No caso específico da SPTC, foi realizada uma simulação de acidente de trânsito com um manequim para demonstrar as técnicas e tecnologias empregadas no trabalho pericial", informa nota divulgada pela SSP.

Boneco e carro estacionado em frente a poste simulam acidente com vítima (à esquerda). Objeto e veículo usados pela perícia foram filmados pelo youtuber com imagens borradas quando foram editadas e divulgadas por ele em suas redes sociais. — Foto: Reprodução

Procurado para comentar o assunto, o ouvidor da Polícia, Claudio Silva, afirmou ao g1 que irá pedir também que a Corregedoria da Polícia Civil apure se ocorreram irregularidades nas gravações feitas com a Polícia Civil e com a Polícia Técnico-Científica.

"Estamos acionando também o Ministério Público [MP] para ver se não é o caso de ação judicial de improbidade administrativa. A Ouvidoria da Polícia está acompanhando, pois, as irregularidades são absurdas", falou Claudio à reportagem. "Comemorar a morte de alguém não é correto."

Ariadne Natal, especialista em Letalidade policial, pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt, na Alemanha, aponta que a abordagem é sensacionalista e preconceituosa.

"As comunidades patrulhadas são apresentadas como locais onde “as piores atrocidades acontecem” e onde todos são potenciais criminosos. Moradores são mostrados sem autorização, sendo até ridicularizados em um momento. Diversas ações inadequadas da polícia são capturadas, como abrir portas, entrar em barracos sem autorização e apontar armas para pessoas, inclusive crianças, que são mostradas em vídeo, contrariando o Estatuto da Criança e do Adolescente", disse em entrevista à GloboNews.

Polícia investiga participação de youtuber americano em operação da PM; SSP diz que prática não é permitida

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YouTuber participa de operação da PM em SP — Foto: Reprodução/YouTube

Influencer norte-americano manuseando arma da PM-SP. Ele borrou a imagem na edição — Foto: Reprodução

Youtuber posa ao lado de policial civil durante documentário em que passou 24 horas com a polícia — Foto: Reprodução/YouTube

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