Por Lívia Machado, Letícia Dauer, Deslange Paiva, g1 SP


"Ódio é direcionado contra pretos, pobres e gays", diz pai de jovem que foi assassinado após marcar encontro por aplicativo de relacionamento gay

"Ódio é direcionado contra pretos, pobres e gays", diz pai de jovem que foi assassinado após marcar encontro por aplicativo de relacionamento gay

Ao menos três pessoas foram vítimas de assaltos na região do Sacomã, Zona Sul de São Paulo, após marcarem encontros por meio de aplicativos de relacionamentos gays.

O bairro é próximo à Vila Natália, onde Leonardo Rodrigues Nunes, de 26 anos, morreu baleado na noite de quarta (12). Ele tinha ido ao local para encontrar um rapaz que conheceu no aplicativo Hornet.

Em março, o publicitário Hilário Junior, de 40 anos, usou as redes sociais para alertar a comunidade LGBTQIA+.

Aplicativos de relacionamento gay estão sendo usadas para assaltar homens — Foto: Max Francioli/g1

À época, ele tinha conhecido um rapaz que se apresentava como Davi. Durante a conversa, entretanto, percebeu que se tratava de um golpe.

"Fui dando corda, ele me passou o número do celular, eu coloquei para ver se tinha uma chave pix atrelada e não tinha, coloquei no Google Maps e o endereço dava em uma ladeira com um monte de muro. Era um lugar super ermo", disse ao g1.

Postagem feita por Hilário nas redes sociais para alertar sobre golpes em aplicativos de relacionamentos gays — Foto: Reprodução/Redes sociais

Segundo Hilário, o post viralizou e ele acabou descobrindo, com a ajuda de outras pessoas, que o golpista usava imagens de um rapaz do interior de SP, chamado Leandro, que atualmente reside na Califórnia, nos EUA. Ele entrou em contato para avisar sobre o ocorrido.

Apesar das denúncias, o perfil fake, segundo ele, ainda segue ativo no aplicativo. O criminoso continua usando as imagens, mas agora com outro nome.

"Esse fake estava usando o perfil até muito recentemente. Tanto a plataforma não tirou do ar quanto a polícia não fez nenhum tipo de busca", conta.

Jovem é morto após marcar encontro em aplicativo

Jovem é morto após marcar encontro em aplicativo

Hilário registrou presencialmente um boletim de ocorrência do caso em uma delegacia da Mooca. O publicitário afirma, porém, que tomou a medida por precaução, uma vez que o rapaz sabia seu número de telefone e a postagem tinha repercutido nas redes sociais. Mas alega que já esperava que a polícia não tomasse nenhuma providência.

"A polícia não ia dar atenção nenhuma. É uma comunidade de pessoas invisibilizadas, que a polícia não concorda, não investiga. Não é o primeiro relato. Meu intuito foi me resguardar."

'Agora tenho medo de conhecer pessoas novas'

Matheus*, de 26 anos, também foi assaltado após marcar um encontro no bairro do Sacomã, em maio. Em razão do trauma, ele já cogitou deixar o país e se mudar para os Estados Unidos.

"Estou com bloqueio em conhecer pessoas novas, porque sinto que qualquer um pode tirar minha vida a qualquer momento. Estou passando por terapia". Ao g1, ele relatou que estava conversando com um rapaz no aplicativo Hornet, quando foi convidado para sair.

"Ele queria algo mais intimista, então me convidou para a residência dele. Durante esse papo, ele pediu meu WhatsApp e começamos a conversar por lá. Até então tudo batia, a foto de perfil, o nome. Marcamos [o encontro] e fui até o local. Durante esse tempo, ele me pediu minha live location [localização em tempo real] no WhatsApp e ia falando comigo todo momento."

Esse comportamento fez com que a vítima se sentisse segura, já que o suposto crush parecia estar preocupado com a sua segurança. Chegando no local, o homem disse ao Matheus que ele estava na rua errada.

"Ele me pediu para ir andando até o endereço certo, só que meu celular estava somente com 3% de bateria. Então fui o mais rápido possível. Chegando na rua informada, ela era deserta, mas tinha muitas residências. Enquanto procurava o número da casa, fui abordado por eles, dois homens em uma moto e um deles estava armado. Falaram para eu me agachar no chão. O rapaz da moto falou: 'dá um tiro nele, vai'. Então, eu fiquei ainda mais acoado, e eles falaram para eu ficar desse jeito, enquanto isso eles subiram na moto e foram embora".

A dupla levou o celular da vítima e alterou a senha do e-mail e do iCloud (sistema de armazenamento em nuvem da Apple), além de efetuar diversas compras em aplicativos de compras. Posteriormente, Matheus conseguiu o ressarcimento do dinheiro.

O jovem contou que usa aplicativos de relacionamentos há oito anos e nunca tinha enfrentando problemas. Para Matheus, a segurança dessas plataformas é extremamente vulnerável. “Um dia vi um perfil usando minha foto. Denunciei no Hornet e nada foi feito. Ou seja, é perigoso tanto para o usuário quanto para alguém que tem a foto usada", alertou.

Empresa chinesa que era dona do Grindr vendeu aplicativo por US$ 608 milhões — Foto: Aly Song/Reuters

'Vi ele atirando na minha direção'

Morador de Santo André, João*, de 24 anos, escapou por pouco de um assalto no mesmo endereço em que Leonardo Rodrigues Nunes foi assassinado, no bairro Vila Natália, próximo ao Sacomã. O episódio ocorreu em 15 de maio.

Durante semanas, João conversou com um rapaz com quem deu um match no aplicativo Hornet. Depois, eles migraram para o WhatsApp. "Ele se mostrou uma pessoa muito humana, mandando agenda, comentando o que ia fazer, mandava foto dele. Não me deu brecha para desconfiança".

No dia do crime, a vítima estava na faculdade na Zona Oeste de São Paulo, quando foi convidada para ir à casa do rapaz. Assim como aconteceu com Matheus, o criminoso pediu para ele compartilhar a localização em tempo real do Uber.

Chegando no local combinado, João não encontrou ninguém. Enquanto tentava localizar o endereço correto, dois homens em uma moto se aproximaram e o abordaram. A vítima achou que os criminosos carregavam uma arma de brinquedo, por isso reagiu ao assalto.

"Ele subiu na moto e falou: 'vou te matar e pegar tudo'. Na hora que ele atirou, não sei o que aconteceu, acho que foi meu anjo da guarda, eu caí no chão um pouco antes dele atirar. Eu vi ele atirando na minha direção. São cenas e sons que não vão sair da minha cabeça."

Então, uma moradora apareceu e começou a gritar, por isso os assaltantes fugiram sem levar nada. A mulher acolheu João em sua casa e compartilhou que outros casos similares ao dele vem acontecendo na região.

O g1 não conseguiu contato com a Hornet para comentar os episódios. Pelo site da plataforma, a empresa inclui dicas de segurança para os usuários e um email pelo qual os usuários podem denunciar casos. No entanto, não possui informações sobre verificação de perfis na plataforma.

O que diz a Secretaria da Segurança Pública?

"O boletim de ocorrência mencionado na reportagem foi registrado como roubo em 3 de maio pela Delegacia Eletrônica. Segundo relato de um homem de 26 anos, ao desembarcar de um carro de aplicativo, foi abordado por dois assaltantes armados em uma motocicleta. Eles fugiram levando seu celular, exigindo a senha de acesso, além de uma mochila contendo outros objetos. As investigações ocorrem pelo 95º DP (Heliópolis). Quanto ao caso mencionado na região da Mooca, ainda não foi localizado com os dados disponíveis até o momento.

A Polícia Civil está à disposição das vítimas para registro de ocorrências e destaca o aumento das ações contra a violência direcionada à comunidade LGBTQIAPN+. Os crimes podem ser denunciados em qualquer delegacia do Estado e, desde agosto de 2021, também pela Delegacia da Diversidade Online, acessível por dispositivos eletrônicos. Em São Paulo, opera a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais, contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância (Decradi) do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). A polícia também monitora e investiga os casos de golpes por aplicativo de relacionamento e ressalta a importância da denúncia em situações como estas."

*Nomes foram alterados para preservar as identidades das vítimas

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