Por G1 São Carlos e Araraquara


Pesquisadores da USP de São Carlos descobrem agrotóxico que também é letal para abelhas

Pesquisadores da USP de São Carlos descobrem agrotóxico que também é letal para abelhas

Um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (SP) da Universidade de São Paulo (EESC/USP) em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) mostrou que um fungicida utilizado nos cultivos de melão e melancia causa alterações de comportamento e alta mortandade em abelhas.

Os resultados foram obtidos a partir de um programa de computador que analisou, durante 10 dias, o comportamento de 200 abelhas que foram contaminadas com o fungicida, marcadas com tinta e colocadas de volta na colmeia com outras 800 abelhas dentro de uma caixa de vidro transparente, monitorada por câmeras.

“Até o décimo dia, 65% das abelhas contaminadas haviam morrido”, afirmou o pesquisador da USP Jordão Natal. Uma abelha vive, em média, 44 dias.

O monitoramento mostrou ainda que as abelhas que sobreviveram aos efeitos do fungicida tiveram alteração de comportamento e passaram a realizar funções de indivíduos mais velhos, o que, segundo os pesquisadores, é um indicativo de que não viverão por muito tempo.

“As que resistiram tiveram seu comportamento alterado, aparentando estarem idosas, já que faziam atividades incompatíveis com a idade, como tarefas de limpeza e a procura por alimentos”, relatou o pesquisador.

Monitoramento prolongado

Grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos (SP) descobriu que agrotóxico é mais letal contra abelhas do que inseticidas. — Foto: Wilson Aiello/EPTV

A obtenção dos dados da influência do agrotóxico foi possível devido ao tempo prolongado de análise das abelhas após a contaminação. “O que era considerado molécula segura para abelha tem implicações em nível de colônia que até então não eram avaliadas”, afirma o professor de entomologia da UFV Eugênio de Oliveira.

O programa, que levou cerca de 10 meses para ser desenvolvido, captura até 30 fotos por segundo e apresenta um índice de 99% de precisão.

“Nós usamos conceito de Inteligência Artificial para acompanhar a trajetória delas ao longo do tempo de uma forma muito mais precisa. O software foi capaz de monitorar as ações de cada uma das abelhas, o que é uma tarefa é muito difícil, por serem animais de tamanho semelhante, que estão quase sempre em movimento e se cruzando rapidamente”, explicou o professor do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da EESC/USP e orientador da pesquisa, Carlos Maciel.

O monitoramento foi feito no apiário da UFV. Os pesquisadores utilizaram abelhas Apis melífera – a mais comum do mundo – contaminadas com doses não letais de cerconil, que tem na composição as substâncias Tiofanato-Metílico e Clorotalonil.

Abelhas tiveram mudança de comportamento após serem expostas a fungicida, aponta pesquisa da USP de São Carlos — Foto: Reprodução EPTV

O sistema foi abastecido com informações do comportamento das abelhas para interpretar os dados. Uma das características analisadas foi a localização dos insetos contaminados dentro da caixa. A posição tende a revelar em que fase da vida as abelhas estão, pois, conforme elas envelhecem, se aproximam das extremidades.

Com a nova tecnologia, os pesquisadores dizem que será mais fácil compreender o comportamento de animais que atuam de forma coletiva, já que a interação entre esses organismos e o meio ambiente poderá ser “ensinada” para o computador em forma de algoritmos.

“O que o sistema fez em semanas, nós levaríamos alguns anos para mensurar”, afirma Oliveira.

Sistema desenvolvido na USP de São Carlos monitorou a trajetória de 200 abelhas contaminadas por fungicida por 10 dias — Foto: USP São Carlos/Divulgação

Agora, os pesquisadores pretendem estudar o comportamento de abelhas contaminadas com outros tipos de agrotóxicos, a fim de ampliar o entendimento a respeito dos efeitos dos produtos químicos.

O primeiro escolhido foi o imidaclopride. Derivado da nicotina, o produto normalmente é aplicado em pomares, plantações de arroz, algodão e batata e, embora seja proibido em diversos países, seu uso ainda é permitido no Brasil. O software da USP mostrou que aproximadamente 52% das abelhas contaminadas com o agroquímico estavam mortas no décimo dia.

Agrotóxico registrado

A Ihara, fabricante do cerconil disse que o fungicida é devidamente registrado e passou por rigorosas análises e avaliações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atendendo a todos os critérios estipulados pelas autoridades regulatórias.

"Cada um dos órgãos realiza uma determinada avaliação do produto, desde o seu potencial dano ao meio ambiente, sua eficiência e uso na agricultura, até o seu nível de toxicidade para a população. O Cerconil foi aprovado por todos os órgãos competentes e, ao final do processo, obteve o registro para ser comercializado", afirmou em nota a empresa.

A assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura informou que o fungicida está registrado no Brasil desde 1986. A pasta disse que a pesquisa deveria ser encaminhada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para avaliação, porque o órgão tem a competência de avaliar o impacto dos agrotóxicos sobre insetos polinizadores.

Preocupação global

Abelhas são importantes porque fazem a polinização e garantem a reprodução de espécies de frutas e legumes. — Foto: Wilson Aiello/EPTV

A extinção das abelhas é uma preocupação global de acordo com o orientador da pesquisa.

“Se trata de um problema que não afeta apenas o meio ambiente, mas também a economia. Elas participam de boa parte da polinização de nossos alimentos, alguns deles, inclusive, polinizados exclusivamente por elas”, afirma Maciel, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Sistemas Autônomos Cooperativos (InSAC).

Segundo o estudo realizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (Rebipp), o valor do trabalho prestado pelos animais polinizadores à agricultura brasileira gira em torno de R$ 43 bilhões por ano. O levantamento considerou 67 cultivos, sendo que a soja, primeira colocada, responde por 60% do valor estimado, seguida pelo café (12%), laranja (5%) e maçã (4%).

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