Por Fernando Evans, g1 Campinas e Região


Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP), dentro do CNPEM — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação

Em busca de soluções para desafios como o estudo de vírus emergentes, que representam ameaças como a Covid-19, tratamentos para doenças genéticas e engenharia de tecidos, entre outros, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que abriga o Sirius, acelerador de partículas que é o maior projeto científico brasileiro, e a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein firmaram colaboração científica de pesquisa, ensino e inovação.

O acordo que prevê de intercâmbio de pesquisadores à utilização de equipamentos e infraestrutura teve início a partir de encontros entre cientistas das duas instituições, vem sendo costurado há um ano e será anunciado oficialmente nesta terça-feira (5).

Além de avanços em áreas com estudos em andamento e interesse em novos projetos que possam impactar a saúde mundial, a colaboração amplia os campos de formação e de retenção de "cérebros" no Brasil, que nos últimos anos sofreu com a perda de talentos por falta de investimentos e estruturas.

Quem são?

Instalado em Campinas (SP), o CNPEM é uma organização privada sem fins lucrativos que atua sob supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), operando quatro laboratórios nacionais (biociências, biorrenováveis, nanotecnologia e luz síncrotron), berço do Sirius, já em funcionamento, e vai abrir o Orion, laboratório de biossegurança máxima (NB4) de R$ 1 bilhão único no mundo.

Já a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, sociedade civil sem fins lucrativos fundada em 1955, além de operar unidades privadas, administra pelo menos 30 serviços públicos, como unidades básicas de saúde, unidades de pronto-atendimento e hospitais municipais, e possui forte atuação em pesquisa e inovação, sendo referência em áreas como oncologia e hematologia, cardiologia, neurologia e cirurgia robótica.

"Há claras complementaridades. Estamos falando de um centro como o CNPEM, que tem ferramentas que são únicas, tem um foco muito grande na parte de pesquisa, mas também caminhando para a parte mais aplicada, principalmente na área de saúde, mas obviamente nunca chegando no estágio que um local como Einstein tem, que inclusive faz a gestão de hospitais, uma relação direta com pacientes, e que tem muita pesquisa clínica", explica Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM.

Foto de arquivo da entrada do Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo — Foto: AFP PHOTO/NELSON ALMEIDA

Principais desafios

Diante de desafios como a epidemia de dengue, que em 2024 já ultrapassou a marca de 1 milhão de infectados no Brasil, surtos de arboviroses como zika e chikungunya e ainda sob efeitos da pandemia de Covid-19, é consenso na comunidade científica a necessidade de ampliar a capacidade de detecção e de estudo de novos vírus.

Foi no Einstein, por exemplo, a primeira detecção do novo coronavírus no Brasil, assim como os laboratórios da instituição identificaram um novo tipo de arenavírus, responsável por casos de febre hemorrágica em humanos.

Já o CNPEM dispõe de uma série de competências para pesquisas nas áreas de patógenos, incluindo o Sirius, que atua como uma espécie de "raio X superpotente" capaz de analisar estruturas em escalas de átomos e moléculas, o que facilita o avanço no conhecimento sobre como essas infecções se desenvolvem, e auxilia na busca por medicamentos e tratamentos.

Além disso, o centro em Campinas está construindo o Orion, complexo laboratorial de máxima contenção biológica que permitirá pesquisas com patógenos capazes de causar doenças graves e com alto grau de transmissibilidade (das chamadas classes 3 e 4), uma estrutura que não existe até hoje em toda a América Latina - assista abaixo.

Veja detalhes do laboratório de biossegurança máxima que será construído em Campinas

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Para José Roque, além da importância vocacional do CNPEM de dar respostas ao país em diversas áreas estratégicas em saúde, os desafios atuais deixam evidentes a necessidade de colaboração entre os diversos atores, da pesquisa ao atendimento, da urgência por respostas.

"A pandemia deixou isso muito claro, e nós precisamos ter capacidade de respostas, capacidade de atuação e em diversos setores, que incluam infraestrutura com capacidade de desenvolvimento, e soberania de insumos relevantes para a área de saúde", pontua o diretor.

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Perspectiva artística do Orion, complexo laboratorial de máxima contenção biológica que será construído no CNPEM, em Campinas (SP), como parte do novo PAC do governo federal — Foto: Reprodução/CNPEM

'Retenção de cérebros'

Esse entendimento sobre a colaboração entre instituições faz com que, por exemplo, o CNPEM estreite relações com instituições como a Fiocruz e o Butantan.

Isso, aliado aos investimentos em estrutura (como o Sirius e o Orion), ajuda também na formação e manutenção de cientistas em solo brasileiro.

"Precisamos juntar forças. Enxergar que temos complementaridades e que podemos abordar problemas importantes fazendo essas parcerias. Isso vai criar uma macroestrutura muito mais forte e resiliente e que inclusive pode permitir a atratividade e retenção de talentos, porque você junta instituições que tem muita força e muita competência", avalia José Roque.

Um dos pontos importantes da colaboração entre CNPEM e Einstein foca no ensino. Estudantes das duas instituições poderão fazer intercâmbios, com cursos e formações em ambas as organizações.

Atualmente, a Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein possui sete cursos de graduação (medicina, engenharia biomédica, odontologia, enfermagem, fisioterapia, administração, nutrição), enquanto o CNPEM, desde 2022, possui a Ilum Escola de Ciência, com curso superior interdisciplinar em ciência, tecnologia e inovação com imersão no ambiente de pesquisa da instituição.

“Estamos unindo forças com o CNPEM para ir além dos limites tradicionais da pesquisa biomédica. A colaboração entre as duas organizações permitirá aperfeiçoar o treinamento da próxima geração de cientistas e de profissionais de saúde", destacou, em nota, Fernando Bacal, vice-presidente do Einstein.

Sala de aula da faculdade ligada ao Hospital Israelita Albert Einstein — Foto: Divulgação

Doenças genéticas

Um dos eixos da colaboração científica visa ampliar o conhecimento e tratamento de doenças genéticas.

Atualmente, o Einstein está construindo estratégias de tratamento para doenças como a anemia falciforme, causada por uma alteração nos glóbulos vermelhos do sangue e que afeta dezenas de milhares de pessoas no Brasil.

Já o CNPEM estuda meios de tratar a mucopolissacaridose tipo 1, uma doença rara que, segundo os pesquisadores, provoca acúmulo de substâncias nos tecidos e afeta múltiplos órgãos, "tirando décadas de vida".

Engenharia de tecidos e outros temas

As duas instituições possuem diversos trabalhos em andamento que devem avançar com a cooperação científica.

Um deles envolve a engenharia de tecidos, onde o CNPEM é referência no cultivo de miniórgãos e tecidos modelos para testes pré-clínicos.

O centro de pesquisa em Campinas opera um dos Laboratórios Centrais da Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), e atua para suprir a demanda nacional por testes de toxicidade de medicamentos e cosméticos como alternativa aos testes com animais.

Há ainda trabalho dentro do CNPEM para desenvolvimento de curativos a partir de um "biobanco de células humanas".

Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM — Foto: Fernando Evans/G1

Já o Einstein realiza estudos do desenvolvimento de nichos de medula óssea para entender a interação entre quimioterapia e leucemia, além de trabalhar na produção de implantes piezoelétricos, que geram eletricidade a partir da pressão, para regeneração de tecido ósseo, por exemplo.

Segundo comunicado, outros possíveis temas são "protonterapia, recurso usado no tratamento de diversos tipos de câncer, estudo de genômica e metabolômica e big data, a fim de se avançar rumo a uma medicina cada vez mais personalizada".

Sirius

Sirius, laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, reforça a ciência no enfrentamento do novo coronavírus — Foto: Nelson Kon

Considerado o principal projeto científico brasileiro, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de "raio X superpotente" que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

Como funciona o Sirius? Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para os experimentos.

🧲 Esse desvio é realizado com a ajuda de ímãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.

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