Por Joana Caldas, Rafaela Cardoso, g1 SC e NSC TV


Aborto legal pelo SUS está disponível em menos de 4% das cidades brasileiras

Aborto legal pelo SUS está disponível em menos de 4% das cidades brasileiras

A cada ano no Brasil, 20 mil mulheres engravidam por estupro e 2 mil abortos legais são realizados. Os dados estão em uma pesquisa feita na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que apontou também que o procedimento feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está disponível em 3,6% dos municípios brasileiros. O estudo publicado em 2022 traz os dados mais recentes sobre o procedimento.

Dos 5.568 municípios do país, 200 realizam o aborto legal pelo SUS. A maioria fica nas regiões Sudeste e Sul. Santa Catarina tem quatro hospitais de referência para o aborto legal: em Florianópolis e São José, na região da capital, Blumenau, no Vale do Itajaí, e Joinville, no Norte.

Cidades que fazem aborto legal pelo SUS em SC ficam todas no Leste do estado — Foto: Reprodução/NSC TV

"Essa concentração em quatro estabelecimentos faz com que o HU [Hospital Universário] em Florianópolis seja referência para o Extremo Oeste. Então a pessoa lá de São Miguel do Oeste tem que vir até Florianópolis pra fazer um aborto legal. Fazer 12 horas de carro, quando tem sorte", disse a autora da pesquisa e doutora em Saúde Coletiva pela UFSC, Marina Jacobs.

A pesquisa começou há seis anos. Além da distância, Jacobs mapeou outros obstáculos, como o estigma, a lacuna de informações e a falta de acolhimento nos hospitais.

"Muitas vezes a pessoa chega até o serviço de referência, mas acontece de serem exigidos documentos que não precisaria ou barreiras que tem a ver com o tempo de espera com dificuldade de agenda, ou com profissionais que se opõem a fazer um aborto legal", completou a pesquisadora.

O que diz a lei

Atualmente, o aborto é considerado crime no Brasil. A pena vai de um a três anos de detenção.

Mas o Código Penal permite o aborto em três situações: quando há risco à vida da mãe e quando a gravidez é resultante de estupro. Esses casos estão previstos no artigo 128 da norma.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que impor pena para interrupção de gravidez de feto anencéfalo, ou seja, quando há má formação do cérebro do feto, é inconstitucional. Com isso, o aborto também é permitido no Brasil em caso de anencefalia.

Nesses três cenários, o procedimento é legal a qualquer momento. Mas isso pode mudar.

Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago UFSC é dos hospitais que fazem aborto legal pelo SUS em Santa Catarina — Foto: Carolina Dantas/Divulgação

Projeto de lei

Desde a semana passada, um projeto de lei tem chamado a atenção do país. O texto prevê a equiparação do aborto após as vinte e duas semanas de gestação ao crime de homicídio simples.

Por exemplo, uma mulher vítima de estupro que interrompe a gravidez depois desse prazo pode pegar até 20 anos de prisão. O dobro da pena máxima prevista em lei para o estuprador.

Para a Frente Catarinense de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, as meninas de até 14 anos são as mais afetadas por essa proposta.

"Essas crianças demoram muito tempo para descobrir que elas foram violentadas, para entender que aquilo é violência. E, quando elas engravidam, ,demoram muito tempo para entender as mudanças no corpo, e até mesmo saber o que é a gravidez", disse Morgani Guzzo, integrante do grupo.

"Nesse caso, vão ser obrigadas a gestar até o fim e o corpo de uma criança de menos de 14 anos que fica grávida ainda não tem estrutura física suficiente para levar uma gestação e ter um parto", continuou.

O projeto de lei 1.904 veio depois de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em abril, o CFM havia proibido o uso de um método usado para aborto em caso de estupro após as vinte e duas semanas.

"O limite de 22 semanas é um número baseado em ciência. Sou ginecologista obstetra e 22 semanas a partir dessa data o bebê é viável. O que significa ser viável? Que ele tem chance de sobreviver fora do útero. Então técnica de assistolia fetal é uma técnica cruel que provoca dor no bebê, que já sente dor comprovadamente. O Conselho Federal de Medicina entendeu que essa técnica é antiética", declarou Raphael Câmara, relator da resolução do CFM.

O que é aborto legal

O que é aborto legal

Em relação ao projeto de lei, o presidente da câmara dos deputados, Arthur Lira (PP), disse nessa semana que vai criar uma comissão representativa para discutir a pauta. O debate está marcado para o segundo semestre.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se posicionou contra o projeto de lei e disse que ele é inconstitucional.

"É um projeto que vai de encontro aos direitos fundamentais das mulheres das meninas. É ilegal, ilícito. São anos de luta além dos tratados internacionais de direitos constitucionais da disposição do corpo da mulher e dos direito reprodutivos", afirmou Daniela Gonçalves, integrante da Comissão de Direito da Saúde da OAB de Santa Catarina.

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