Suspense filmado no RS narra conflitos de um grupo de imigrantes alemães
Estreia nesta quinta-feira (30), em todo o Brasil, o suspense filmado no Rio Grande do Sul "A Colmeia". O filme mostra um grupo de imigrantes e descendentes de alemães que vive isolado em uma casa no interior do Sul do país. As filmagens aconteceram em quatro municípios: Maratá, Pareci Novo, Harmonia e Bom Princípio.
"'A Colmeia' é um filme de época, mas não é propriamente um filme histórico", afirma o diretor Gilson Vargas em entrevista ao g1.
Ele explica que, quando a temática se relaciona com os movimentos migratórios, a tendência é imaginar as sagas dessas trajetórias, mas ressalta que o filme é mais uma "fabulação, uma fantasia," que tem como pano de fundo o trabalho de imigrantes alemães durante a Segunda Guerra.
"É a história de uma adolescente, no final do anos 1940, vivendo no campo e desafiando o modo de viver por um desejo, simplesmente, de conhecer a vida além dos limites que foram impostos. De certa forma, isso é uma metáfora de muita coisa que a gente vive hoje", define.
As diferentes perspectivas sobre o que é o melhor para a vida vão gerar conflitos dentro desse grupo de pessoas que tenta ser invisível, em um momento em que a guerra, apesar de distante, tinha reflexos também no Brasil.
O filme tem como cenário uma casa onde o grupo de imigrantes vive — Foto: Bruno Polidoro/Divulgação
Vargas acredita que os mais velhos têm uma determinação em, primeiramente, sobreviver, poder ter um teto, um alimento, viver em paz e longe das confusões; enquanto os mais jovens querem viver além daquela sobrevivência, daquele campo, querem sair dali.
"Isso desafia o estado das coisas, e os mais velhos veem isso como uma insurgência", entende.
O diretor lembra que, no Brasil, durante esse período, "houve uma série de restrições, leis que proibiam inclusive idiomas estrangeiros, para proteger o país de ameaças externas ou de conluios internos".
"É uma situação de paranoia", compara.
Vargas destaca que foi nesse conjunto que une questões históricas e o imaginário de medo e temor que o roteiro do filme foi construído.
"Os atores falam português e falam alemão, até porque tem essa proibição, e a gente sabe que as proibições não são sempre cumpridas. Tem momentos em que eles deixam escapar. E isso faz parte da dramaturgia, faz parte da história", relata.
A casa centenária que serve de principal cenário é original do final do século XIX. Em estilo típico enxaimel, foi restaurada especialmente para o filme.
É nessa costura de acontecimentos de um lugar no passado com temas que podem ser debatidos no presente que o diretor encontra o porquê do filme.
"É muito mais falar de coisas que estão nos afligindo hoje, questões que têm um eterno retorno para nossa pauta social, do nosso convívio, que é a intolerância, que é não conseguir dividir, através do diálogo, posições que divergem, que é tentar sobrepor a nossa visão do outro", conceitua.
O casting, que tem nos papeis principais Andressa Matos (Mayla) e João Pedro Prates (Christoffer), teve aula de alemão e fonoaudiologia e trabalho de pesquisa e de convivência com as pessoas da região.
"O elenco fez um trabalho de preparação muito intenso, muito imersivo. A gente se inspirou muito naquele processo do 'Lavoura Arcaica', que é colocar os atores na realidade daquela época e proporcionar para os atores um trabalho de laboratório", afirma.
Lançamento
O elenco do filme teve uma preparação intensa antes das gravações — Foto: Bruno Polidoro/Divulgação
O diretor relata que foi após começar a dar aulas no curso de cinema da Unisinos, em São Leopoldo, que ele passou a conviver na região, e "essa incursão ali foi me dando esse imaginário."
As gravações aconteceram em 2017, mas o lançamento atrasou em dois anos por causa da pandemia. O diretor festeja a chegada do longa às grandes telas e avalia como o melhor momento.
"O filme é feito pra isso, no final das contas, para chegar nesse momento, para chegar no público, chegar em pessoas que a gente não conhece, que não são as pessoas especializadas", afirma Vargas.
Ele destaca a possibilidade de a narrativa chegar em diferentes pontos do país e cita um dos pontos abordados: o projeto de branqueamento do Brasil a partir do fomento da colonização europeia.
"É legal que a gente consiga fazer um filme, aqui no Sul do país, que aborda essa questão, mas que circula na diversidade das nossas salas em estados e cidades. Acho que gera debates muito interessantes", propõe.
O filme estreia nesta semana em 13 salas de cinema, sendo 12 delas em capitais. No RS, o filme entra em cartaz na Casa de Cultura Mário Quintana, Espaço de Cinema do Shopping Bourbon Country e Cine Grand Café, os três em Porto Alegre, e no Cinesystem Bourbon de São Leopoldo.
Premiações
Vencedor do prêmio de melhor longa estrangeiro do Festival Internacional de Zaragoza e cinco kikitos na mostra gaúcha do 49º Festival de Cinema de Gramado (direção, ator, fotografia, som e arte), "A Colmeia" é o segundo longa do realizador gaúcho Gilson Vargas e teve estreia mundial na Estônia, durante o Black Nights International Film Festival.
"É sempre importante que a gente tenha um circuito de festivais, onde a gente vai discutir o filme, onde a gente vai entender melhor o próprio filme, onde a gente vai comparar as soluções que a gente teve pro filme com outros filmes e onde, eventualmente, a gente vai colher algum reconhecimento", afirma o diretor.
O filme é uma realização da Pata Negra e tem distribuição da Lança Filmes. O financiamento é do Edital Pró-cultura RS FAC de Produção Audiovisual, realizado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul/SEDAC, e Fundo Setorial do Audiovisual, através da Ancine e BRDE.