Por Caíque Rodrigues, Valéria Oliveira, g1 RR — Boa Vista


GIF - Infestação de lagartas mata milhares de bois e destrói plantações em RR — Foto: Caíque Rodrigues/g1

A morte de mais 7 mil bois e vacas por falta de pasto ocorreu no período de ao menos 40 dias em Roraima. O problema, que deixou o estado em situação de emergência em 10 dos 15 municípios, é causado pela infestação de lagartas e ervas daninhas que têm devorado a comida do rebanho em propriedades rurais.

Desde maio, morreram 7.139 cabeças de gado. No interior, as áreas das fazendas viraram cemitérios de animais mortos de fome. O levantamento do prejuízo é do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Iater), órgão do governo do estado que acompanha a situação junto aos produtores afetados.

A estimativa é que ao menos 54 mil hectares de pasto - o equivalente a 75 mil campos de futebol, tenham sido devastados. O prejuízo, até agora, é de R$ 63 milhões, entre perda de gado e capim morto em 840 propriedades de Roraima, conforme estimativa preliminar do Iater. Equipes ainda estão em campo e o dano pode ser maior.

👉 O motivo da morte desse gado é a infestação de lagartas das espécies lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda) e o curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes). Elas devoram o pasto que serve de alimento para os bois.

🐛 A superpopulação das lagartas está relacionada ao desequilíbrio ambiental causado pelo El Niño intenso nos primeiros meses do ano em Roraima. Com a estiagem e os focos de calor, diminuiu a população de predadores naturais dessas pragas nas áreas rurais e o impacto tem sido, principalmente, no rebanho de produtores.

🔎 Para se ter ideia, a cadeia da devastação ocorre desta forma: com o início do período chuvoso, o capim começou a brotar novamente e ganhar vida. No entanto, neste mesmo período, surgiram as lagartas e os percevejos que atacaram os brotos que se tornariam alimento para gado. Com isso, o capim não nasceu - e ainda foi impactado pela ação voraz do mata-pasto, uma das espécies de erva daninha.

"A morte dos animais começaram há aproximadamente 40 dias. Desde então, começamos a fazer o diagnóstico das principais áreas afetadas", explicou o presidente do Iater, Marcelo Pereira. Ela afirma, ainda, que há o registro de que as lagartas também estão atacando plantações agrícolas.

"As plantações incluem áreas de mandioca e outras culturas tradicionais, como milho e feijão", disse, acrescentando que ainda não há um levantamento sobre a quantidade de lavouras e roças devastadas pela praga.

Além disso, o problema chegou a comunidades indígenas. Há relatos de plantações de milho, mandioca, feijão, além de hortaliças no município de Uiramutã, como a região de Willimon, conforme o Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Rebanho de mais de 6 mil bois morre por falta de pasto após estiagem em Roraima

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Regiões impactadas

Nos dados obtidos pelo g1, Mucajaí é o município com as maiores perdas. No entanto, o problema se estende a Amajari, Alto Alegre, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Iracema, Pacaraima, Normandia e Uiramutã.

Diante da situação, com um número crescente de gado que morre a cada dia, o governo decretou situação de emergência. A ideia é oferecer apoio financeiro a produtores rurais das regiões afetadas. Veja no gráfico a seguir:

Número de bois e vacas mortos de fome em 40 dias em Roraima (até 25 de junho)
Mucajaí é o município com maior número de animais mortos pela praga da lagarta.
Fonte: Iater

Como a falta de comida impacta o gado

Sem ter pasto para se alimentar diariamente, o gado morre em poucos dias. É o que explica doutor em zootecnia e professor de bovinocultura na Universidade Federal de Roraima (UFRR), Jalison Lopes.

Ele explica um boi consegue sobreviver sem comida por até 20 dias, dependendo do estado nutricional. Sem água, sobrevive até 4 dias, no máximo. As alternativas para enfrentar o problema incluem substituir a pastagem morta por alimentos conservados, como silagem (alimento conservado) ou feno (mistura de plantas secas) .

"A ideia seria substituir o pasto pela ração, podendo fornecer milho-grão inteiro junto com núcleo proteico mineral vitamínico. Diversas plantas podem ser usadas para produzir feno, assim como palhadas de culturas. Coprodutos de agroindústria indústria, como a borra de dendê em Roraima, também são opções para substituir a pastagem", explica o professor ao g1.

Para ele, o alimento mais viável e seguro para garantir a saúde do animal é a silagem, sendo um processo mais simples e barato para o pequeno produtor. O feno pode ser caro para pequenos produtores, por isso, é necessário pesquisar a alternativa que melhor sirva para substituir a pastagem.

"Essas alternativas são essenciais quando não há pastagem disponível devido a ataques de lagartas e queimadas, que resultaram em grande mortalidade de animais. É triste, mas os produtores devem se precaver e planejar com esses alimentos alternativos para evitar futuras perdas", explicou o doutor.

Número de pastagem prejudicada em hectares (dados do dia 25 de junho)
Mucajaí é o município com maior número de perda de pastagem em Roraima
Fonte: Iater

Praga da lagarta 🐛

O engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Daniel Schurt, explica a relação entre a infestação e o período de estiagem.

"Esse fenômeno causa um período muito seco, resultando no desequilíbrio da natureza. A seca pode reduzir a população de inimigos naturais das pragas, como sapos, insetos predadores, pássaros e morcegos. Esse desequilíbrio facilita a proliferação rápida e agressiva das lagartas, que causam danos significativos nas pastagens e plantações", explica o pesquisador da Embrapa, Daniel Schurt.

Espécie de curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes), lagarta que está infestando os pastos em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Reflexos do desequilíbrio ambiental

O g1 esteve em dois locais que foram severamente afetados pela morte de rebanhos em fazendas por falta de comida: as vilas Samaúma e a Apiaú, município de Mucajaí, no Sul de Roraima. Na região, produtores perderam grande parte do gado. Emocionados, eles relataram o clima de desespero, apreensão e medo.

Historicamente, a criação do estado de Roraima se entrelaça com a da pecuária e, consequentemente, com os impactos ambientais que a atividade engloba, como o desmatamento. No entanto, desta vez, especialistas afirmam que ainda é prematuro associar o desequilíbrio ambiental das lagartas e mortes dos bois com a supressão de vegetação. Até agora, a principal relação é com o El Niño intenso dos últimos meses.

“Não há qualquer estudo que relacione o aumento populacional das lagartas com o desmatamento na Amazônia. As pesquisas mostram uma relação com as queimadas que aconteceram no período seco e com o El Niño intenso enfrentado em Roraima no início do ano”, frisa o pesquisador na Embrapa, Cirano Melville.

Agricultor Domingos Pereira da Silva, de 57 anos, ajudando bezerro fraco de fome a levantar em meio ao mato que cresce no lugar do capim em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

'O gado foi caindo e morrendo de fome'

Foi neste cenário que o pecuarista Joaquim Simão Costa, de 55 anos, se viu obrigado a buscar pasto em outras regiões. Para fugir da fome, ele levou o rebanho a pé para uma fazenda alugada de um amigo na região do Truarú, em Boa Vista, distante quase 113 Km da Sumaúma, onde vive, numa viagem de aproximadamente 10 dias.

Carcaça de boi em fazenda na Vila Samaúma, no município de Mucajaí, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

No trajeto, muitos animais de Joaquim morreram e foram deixados na estrada, outros tiveram a carcaça arrastada pelo caminho. Vídeos mostram ele levando o rebanho pelas ruas para fugir da fome.

Na vila Samaúma, o cenário é de tristeza. Urubus sobrevoam por todas as partes nas ruas e nas estradas. Carcaças de bois e vacas mortos são vistas com facilidade nas margens das vias. As áreas de pastos se tornaram cemitérios dos animais que antes eram o sustento de famílias rurais.

Antes da praga da lagarta, o produtor Joaquim tinha um rebanho com 1.300 cabeças de gado, mas 150 bois morreram durante o período de um mês, um prejuízo que pode ultrapassar os R$ 500 mil. Por isso, a solução encontrada foi levar o gado para outro pasto distante dali.

No caminho, com o rebanho fraco e com fome, animais morrem e são abandonados . Rastros de sangue de cascos machucados são deixados na estrada. Tudo isso deixa Joaquim emocionado.

Passar pela situação é um "pesadelo" para ele, mas não há outra solução a não ser levar o gado para outro lugar que não esteja infestado por lagarta.

"É muito triste ver essa situação. Estamos enfrentando uma dificuldade enorme, muita tristeza. A situação está muito feia e difícil. Moro aqui há 40 anos. Nunca tivemos um fenômeno tão desesperador. Está muito difícil, nunca tinha visto algo assim. Fomos pegos de surpresa."

"Em dez dias o gado foi morrendo de fome na estrada, debilitado, caindo e ficando para trás. É uma tristeza imensa, muito difícil", contou o pecuarista ao g1.

Com o decreto de emergência, o governo tamb��m criou o Programa Emergencial de Apoio à Pecuária Familiar, medida que prevê a contratação temporária de pessoas, dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços essenciais, além da convocação de voluntários para reforçar as ações de resposta ao desastre.

Para o combate às pragas e recuperação do pasto nas propriedades, o governo, por meio da Agência Desenvolve, anunciou o o repasse de R$ 1.750 aos produtores rurais. O valor será concedido por meio do programa Desenvolve Roraima. O teto máximo que cada produtor deve receber é de 5 hectares, o equivalente R$ 8.750.

Urubus comem carcaça em fazenda na Vila Sumaúma, no município de Mucajaí, Sul de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Emocionado, o produtor rural Domingos Pereira da Silva, de 57 anos, mostra boi que morreu de fome pela perda do pasto com a infestação de lagartas na propriedade em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

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