Por Marcelo Gomes e André Coelho


Polícia Civil do RJ não tem tecnologia necessária para desbloquear celulares

Polícia Civil do RJ não tem tecnologia necessária para desbloquear celulares

A Justiça do Rio de Janeiro autorizou, a pedido do Ministério Público estadual (MPRJ), que uma empresa privada colaborasse com a investigação da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes.

Promotores enviaram cinco celulares apreendidos com Ronnie Lessa e Élcio Queiroz – presos em março, denunciados pelo atentado – a uma empresa especializada em extração de dados que fica em São Paulo.

(CORREÇÃO: ao ser publicada, esta reportagem errou ao informar que uma empresa particular foi contratada a fazer perícia nos celulares. A empresa foi contratada para desbloquear e extrair dados. A informação foi corrigida às 16h39.)

"O órgão público incumbido das perícias oficiais – no caso, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli – não dispõe de tecnologia adequada para a devida extração dos dados contidos nos aparelhos iPhone (Apple), haja vista que se encontram bloqueados com senhas de acesso", diz o documento obtido com exclusividade pela GloboNews.

O MPRJ cita uma empresa paulista, com a qual firmou contrato, no pedido à Justiça – enviado em 24 de abril e deferido dias depois. "Para tentativa de desbloqueio, se faz necessária a utilização de tecnologia de ponta, através de software da empresa Cellebrite", destaca.

Marielle Franco, em foto de fevereiro de 2018 — Foto: Renan Olaz/Câmara Municipal do Rio de Janeiro/AFP/Arquivo

O pedido do MPRJ foi anexado ao processo dias depois de um ofício em que a Polícia Civil informava não ter conseguido extrair dados dos celulares, bloqueados com senha.

Os investigadores pretendem vasculhar conversas em aplicativos de troca de mensagens criptografadas, fotos, áudios e vídeos.

Esses arquivos podem estar disponíveis apenas fisicamente nos celulares apreendidos, e não na nuvem, quando o armazenamento é remoto.

A Globonews apurou que até agora, quase cinco meses depois de os celulares terem sido apreendidos, os investigadores ainda não tiveram acesso aos dados dos aparelhos.

Cellebrite fica em um prédio comercial em SP — Foto: Reprodução/TV Globo

O que dizem os envolvidos

A Polícia Civil informou apenas que o caso está sob sigilo.

A produção da GloboNews entrou em contato com a Cellebrite, mas ainda não recebeu resposta.

Em nota, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que a empresa foi contratada para desbloqueio de senha de acesso e extração de dados dos celulares. De acordo com o MPRJ, existe no contrato um termo de sigilo e confidencialidade, e a empresa é a única com representação no Brasil que tem a tecnologia adequada para o serviço. O MP afirma, ainda, que o procedimento, autorizado pela Justiça, não inclui a perícia do conteúdo extraído.

Críticas à falta de tecnologia

Para Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade, "a polícia tem que ser hacker".

"O que falta à polícia não é tecnologia, é conhecimento. Pode haver documentos que estão na nuvem, e você pode ter acesso a eles. Pode ter um aplicativo que copia informação para outro. A polícia precisa ter conhecimento para extrair informações que estão nos celulares, mas que hoje não consegue acessar", detalha.

Especialistas ouvidos pela GloboNews criticam a falta de investimentos em perícia e inteligência nas polícias do brasil.

"A situação da perícia é crítica e vem piorando há anos", afirma José Ricardo Bandeira, presidente do Conselho Nacional de Peritos. "Não se investe em inteligência e em perícia. Com isso, investigações são paralisadas, o que gera um baixo índice de resolução de casos", emenda.

“Em termos de tecnologia da informação, o rio de janeiro está na idade das trevas”, frisa.

Mario Bonfatti, ex-diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, atenta para a importância da prova técnica. "É a materialidade do crime. Se não tem a prova técnica, não existe crime. O criminoso vai ser beneficiado por isso", explica.

Projéteis sem digitais

Essa não é a primeira vez que a investigação do Caso Marielle expõe deficiências da polícia do Rio.

Em abril, a GloboNews mostrou, com exclusividade, que a falta de cuidado pode ter inutilizado uma prova encontrada na cena do crime.

Um documento da Polícia Federal apontou que cápsulas recolhidas no local não foram tratadas com o cuidado necessário.

Das nove cápsulas periciadas, os policiais encontraram fragmentos de impressões digitais em apenas uma.

A PF disse que "os estojos passaram por algum exame prévio, já que foram marcados com caneta verde para indicar o código do lote de cada estojo".

Afirmou ainda que “o exame do estojo em que foi encontrado um fragmento de impressão digital revela ausência de cristais papilares nos locais marcados com caneta”.

Isso, de acordo com a Polícia Federal, indica que a caneta “apagou” uma parte do fragmento.

O que diz a denúncia

  • O PM reformado Ronnie Lessa é o autor dos 13 disparos que mataram Marielle e Anderson; ele estava no banco de trás do Cobalt que perseguiu o carro da vereadora.
  • O Ex-PM Élcio Vieira de Queiroz dirigiu o Cobalt na noite do crime.

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz estão presos na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.

Nesta sexta-feira (2), eles vão acompanhar, por videoconferência, mais uma audiência do processo contra eles, em que devem ser ouvidas testemunhas de acusação e de defesa.

Selo feed Elcio e Ronnie — Foto: Arte/G1

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