Música

Por Braulio Lorentz, G1


ABBA nos anos 70 e Ace of Base nos anos 90 são nomes fortes do pop sueco, além do Roxette — Foto: Divulgação

ABBA, Roxette e Ace of Base cantam em inglês, mas são representantes de três fases do pop feito na Suécia. O país escandinavo é especialista em hits grudentos com letras e arranjos mais simples, como os cantados por Marie Fredriksson, que morreu nesta segunda-feira (9).

Aprimorando essa fórmula, Max Martin se tornou o produtor com maior número de hits número 1 nos últimos 50 anos. Desde o fim dos anos 90, o sueco levou 22 músicas ao topo do hot 100 da "Billboard". A lista vai de Britney Spears a Justin Timberlake, passando por Katy Perry, Pink, Maroon 5 e Taylor Swift .

"Podemos ser uma nação pequena em termos de população, mas somos o terceiro exportador de música do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido", conta Johanna Brismar-Skoog, embaixadora da Suécia no Brasil, ao G1.

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Ela diz que o pop orgulha os suecos não apenas do ponto de vista comercial, "mas também em termos de soft power". A expressão (algo como "poder brando") é o termo para falar da influência que um país exerce através dos seus produtos culturais, como o cinema americano.

"Uma das razões para o sucesso da indústria fonográfica sueca está relacionada às políticas domésticas de promoção da cultura e da experiência musical desde a infância", completa ela.

Segundo estudo do Instituto Sueco, a agência de promoção cultural equivalente ao British Council, cerca de 600 mil suecos cantam em corais.

O número impressiona em um país com 10 milhões de habitantes. Ainda segundo o instituto, o investimento em cultura do governo é de cerca de US$ 151 milhões por ano (R$ 626 milhões).

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Fonte: Instituto Sueco

Desde 1997, o governo sueco também concede o Music Export Prize para os que colaboram na exportação do pop local. Swedish House Mafia, Robyn, ABBA, Hives, Cardigans, Martin e Roxette já foram premiados.

Um dos maiores nomes da eletrônica dos últimos anos (Avicii, DJ morto em 2018) e duas das principais plataformas de música on-line (Spotify e Soundcloud) também são suecos.

Qual a música típica sueca?

Em 1993, o trio de irmãos Jenny, Linn e Jonas Berggren fincou "All that she wants" no topo das paradas de todo mundo.

Hits como esse e "The Sign" foram produzidos por Denniz Pop, morto em 1998, aos 35 anos. Ele foi o primeiro grande produtor de pop sueco e, durante o tratamento para um câncer de estômago, deixou o trabalho em seu estúdio nas mãos de seu então pupilo, Max Martin.

Ace of Base em 1993: Ulf Ekberg, Jenny, Linn e Jonas Berggren (da esq.) — Foto: Divulgação

O quarto elemento do Ace of Base era Ulf Ekberg, que já falou ao G1 sobre o porquê de os suecos serem uma máquina de hits: "Um dos nossos segredos é a habilidade para versos pegajosos. Refrões grudentos são a nossa música típica."

Segundo Ekberg, desde os anos 60 o governo local incentiva a educação musical básica nas escolas. "Você pode aprender a tocar qualquer instrumento e ter aulas extras. Há estúdios para ensaio, equipamentos, tudo o que você precisa é dado pelo governo."

Ekberg também diz que outro trunfo é o idioma: "Pessoas no Japão ou na Alemanha entendem fácil nossas letras. Às vezes, americanos ou ingleses escrevem versos complicados. É mais simples entender o que um sueco está tentando dizer em inglês."

Zara Larsson se multiplica no clipe de 'Lush Life' — Foto: Divulgação

Candidata a popstar da nova geração, Zara Larsson tem 21 anos. Mas as impressões da cantora sobre o sucesso do pop sueco são quase iguais às dos veteranos, como já contou ao G1:

"Uma das razões é que temos aulas de música desde pequenos. Eu sinto que por termos grandes músicos na nossa história, isso nos faz ficar mais confiantes. Sabemos que podemos fazer sucesso, porque outros suecos já fizeram."

"Eu acho que tem também uma herança do socialismo, do ensino de qualidade para todos", diz Zara. "Eu era paga para ir à escola. Tudo o que é necessário para se viver temos de graça, como bons médicos e dentistas. Isso faz com que possamos estar mais leves para fazer boa música pop."

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Fácil de cantar junto

Muitas letras do pop sueco têm um inglês quase rudimentar, com expressões que causam estranhamento em quem é fluente no idioma de Beyoncé e Shakespeare:

  • "All that she wants", do Ace of Base, tem versos sobre "pegar um bronzeado" ("catching tan") e diz que a moça da canção quer "mais um bebê" ("another baby"). Era para ser "crush", mas parece ser neném;
  • "How do you do!" é como um trava língua nível easy, dada a repetição de palavras: "How do you do, do you do! The things that you do?" "Hello, you fool, I love you", de "Joyride", também é dureza e ninguém fala assim na vida real;
  • "...Baby one more time", primeiro hit de Britney Spears, tem letra escrita por suecos. O "hit" era para ser "liga pra mim", mas fica parecendo que Brit quer apanhar. A pancada involuntária ficou na letra mas foi tirada do título da música, que se chamava "Hit me baby one more time";
  • O ABBA, quarteto formado por dois casais que depois se separaram, também têm versos bem diretos.

Estudando o pop sueco

A pedido do G1, professoras de inglês analisaram algumas das letras do pop sueco. Veja trechos dos comentários delas.

Jackie Katsis (dona do canal Ask Jackie, no YouTube) e Carina Fragozo (doutora em Linguística pela USP e dona do canal English in Brazil) falaram dos seguintes versos:

Ace of Bace - 'All that she wants'

Jackie: "O uso da palavra 'baby' soa um pouco diferente e não seria normal para um nativo."

Carina: "A música fala sobre uma mulher que não quer ter um relacionamento sério, que quer se divertir com parceiros diferentes. A letra diz que ela é uma 'caçadora' e você (o homem) a 'raposa', o que também mostra a mulher como a parte dominadora da relação e o homem como o subordinado."

Britney Spears - '...Baby one more time'

Jackie: "A linguagem fica um pouco estranha em alguns momentos. 'Hit me baby' soa muito estranho em inglês e até parece violento."

Carina: "Uma tradução possível de 'hit' é 'bater', ou seja: me bata mais uma vez, querido. Outra possível tradução para 'hit' seria o efeito que uma droga traz, a euforia que se sente. Poderia indicar o desejo de sentir isso com a paixão. Mas o autor disse que o uso de 'hit' foi um engano! Ele pensou que era uma gíria para 'call' (ligar), já que existe a expressão 'hit me up', que significa 'ligar, telefonar'. Acontece que sem o 'up' o 'hit' perde esse sentido de fazer uma ligação e acaba dando a entender que o significado é um dos outros dois."

Backstreet Boys - 'I want it that way'

Jackie: "Um erro na música é 'Can't reach to your heart' (não deve ter o 'to' na frase). Não é uma surpresa que a música tenha sido escrita por um estrangeiro."

Carina: "O significado não é tão fácil de interpretar. É possível entender que o casal está separado, ou vive em realidades diferentes. É bem difícil entender o sentido do verso 'Me diga por quê / Nunca quero escutar você dizer / Quero isso daquele jeito'. Não parece fazer muito sentido."

Roxette - 'How do you do!'

Jackie: "O 'How do you do?' para perguntar 'Tudo bem?' é correto. Seria muito formal e não muito usado. Mas 'How do you do the things that you do?' é 'Como você faz as coisas que você faz?'. Tudo bem, assim."

ABBA - 'Dancing Queen'

Jackie: "Essa música não tem nenhum erro e não dá para perceber que um estrangeiro escreveu a música. Em 'Digging the dancing queen', digging é uma gíria popular entre os nativos da língua inglesa. Em 'Night is young and the music's high', falaríamos que a música está alta, 'loud'. Seria uma licença poética dizer 'high'."

Carina: "Não há indícios de que não tenha sido escrita por um falante nativo de inglês. Há termos datados como a gíria 'dig', que era comum nos anos 70. É uma letra simples."

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