Filmes adultos

qui, 31/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Gosta de sexo oral? Então não deixe de assistir aos primeiros minutos de “O conselheiro do crime”, o novo trabalho do diretor Ridley Scott – até porque, à primeira vista, este talvez seja o único bom motivo para você ver o filme. Ok, se o que você procura no cinema ultimamente é um tipo de excitação (sexual) que a pornografia da internet não é mais capaz de suprir (ironicamente, pela própria facilidade de acessá-la), então talvez você tenha, seguindo essa linha de raciocínio ao longo desse mesmo filme, pelo menos mais um bom motivo para ir em frente na sessão: não quero revelar muito, mas você vai perceber do que eu estou falando quando Cameron Diaz tenta uma relação sexual com um carro. Aliás, tentar é eufemismo: ela transa com um carro. (Em tempo: se essa conversa está te animando, a data de estreia do filme vencedor de Cannes este ano, “Azul, a cor mais quente” – duas adolescentes apaixonadas!!!! – já está definida para o Brasil: 6 de dezembro). Porém, a, digamos, “força” dessas duas cenas que acabo de citar não é exatamente o motivo por eu chamar “Conselheiro” de um filme adulto – aquela designação sombria, que sempre indicava nas locadoras de vídeo (lembra de locadoras de vídeo?) o espaço em que você tinha que entrar “por engano”, como se estivesse procurando “documentários” e “sem querer” acabou se deparando com títulos como “Licença para sentar” ou “Jorrada nas estrelas”.

Quando falo de filmes adultos, falo daqueles que não ofendem sua estupidez (e, veja bem, usei a expressão “ofender a estupidez”, e não “ofender a sua inteligência” de propósito, já que algumas produções recentes – “Elysium” e, pelo que vi do trailer, “Thor: o mundo sombrio” – são tão sem pé nem cabeça que não satisfazem nem mesmo sua/nossa preguiça de raciocinar; mas eu, claro, divago…). Refiro-me a dois filmes que vi recentemente: “O conselheiro do crime” e “Os suspeitos”. Com resultados bem diferentes, estes são dois exemplos (atualmente raros) de como ainda é possível ir ao cinema e não sair sentindo que você foi enganado.

“Suspeitos”, sobre o qual vou discorrer mais para frente, é o melhor deles. Mas mesmo “Conselheiro”, no meio da confusão toda que é, resgata uma intenção que eu já tinha perdido a esperança de ver nas telas este ano: a de envolver o espectador com uma boa história. Há alguns dias, publiquei aqui mesmo um “post minimal”, apenas com uma foto de “Gravidade” e o título “O único argumento que você precisa ter para entrar numa reunião onde o assunto acaba e você começa a discutir com seus amigos se o cinema, como a gente conhece hoje, deveria continuar a existir”. Era uma provocação, claro – e também um elogio ao filme. Mas “Gravidade”, espetacular como é (além de apresentar um novo e mais elevado patamar de cinematografia), sofre do mal maior conhecido como “roteiro ruim”. Entenda: eu fiquei tão estupefato quanto você com tudo que eu vi na tela (Imax e 3D!). Mas quando Sandra Bullock “reencontra” George Clooney num momento de aflição, ou quando as contagens regressivas terminam perfeitamente no momento em que ela consegue escapar do perigo (e não vamos nem falar do final, com aquelas pegadas na areia…), minha vontade era a de perguntar para Alfonso Cuarón: “Vem cá… Só porque você tinha imagens deslumbrantes para mostrar, resolveu mandar a história para o espaço?” (Com o trocadilho totalmente proposital).

Num constaste saudável, “O conselheiro do crime” traz um roteiro assinado por Cormac McCarthy (“Onde os fracos não têm vez”, entre outros) que, embora demore mais de uma hora para fazer sentido, te conta uma história de fato interessante. Não exagero quando falo que com uma hora de filme você não tem muita ideia do que está rolando. Ridley Scott tem o talento – pelo menos a minha devoção total – para conseguir sequestrar minha atenção pelo tempo que quiser (se bem que “Prometheus” testou perigosamente esses limites!). A história principal – do roubo de uma milionária carga de drogas – não é exatamente apresentada, mas aparece como se nós, sentados ali na cadeira do cinema, já soubéssemos o que estava acontecendo – ou ainda, como se nós também fizéssemos parte da gangue, como um comparsa. Eu diria até mais: com aqueles três ou quatro primeiros minutos de sexo oral entre Penélope Cruz e Michael Fassbender (que é o tal conselheiro), você já começa num clima de intimidade tamanha, que perguntar alguma coisa sobre o que está acontecendo é quase como dar um fora – sob o risco de ser expulso da turma.

Então, sua melhor opção é seguir tudo como cúmplice, e tanto o diretor quanto o roteirista te oferecem isso de maneira tão irresistível, que só lá na frente, já quase no final do filme – bem depois de você perceber que o plano inicial desandou -, é que você se dá conta de que acima do círculo da maldade que você está acompanhando (ou ainda, desse círculo que você “convive”) existe um pior – ainda mais cruel e malvado.

Quando saí da sessão de “O conselheiro” estava incomodado. O filme tem pelo menos uma inconsistência grave (o caminhão de drogas é sequestrado duas vezes… afinal, de que lado vai parar a cocaína?) – e a sensação imediata é a de que você foi enganado. Só no dia seguinte (vi o filme no último sábado) é que fui revisitando a trama e me sentindo recompensado pela maneira como tudo me foi contado. Seria fácil elogiar aqui o elenco incrível – além dos já citados, tem ainda Javier Bardem, Brad Pitt e Cameron Diaz (sei que já falei dela, mas acredite: nunca é demais ressaltar sua participação neste filme!!), mas o mérito do “Conselheiro” é maior do que a soma de todas essas performances. Usando velhos truques – filmes “snuff” (em que sexo e morte não são atuados, mas “reais)”, milionários exóticos (que tal ter dois leopardos de estimação?) -, “O conselheiro” consegue ser original. E inteligente. E misterioso. E sensual. Ou seja: filme adulto.

Já “Os suspeitos” satisfaz de outras maneiras – e aqui, dispenso trocadilhos… O sexo não é nem um pouco gráfico – quando aparece, é na velada insinuação de pedofilia. Mas o que te alimenta ao longo de quase duas horas e meia (e vamos combinar que é preciso ter muito peito para fazer um filme tão longo quase sem nenhum efeito especial nos dias de hoje) é o simples poder da narrativa.

Por uma bizarra associação de ideias (duvido que seja por isso que os distribuidores no Brasil resolveram batizar o filme por aqui com o mesmo nome do clássico de Kevin Spacey) lembrei de outro “Suspeitos” – aquele sobre a história de um certo Keyser Söze. (O título original dessa nova produção é “Prisioners”, ou “Prisioneiros”, em português – custava usar isso?). O que une os dois filmes, ao meu ver, é a sutil inserção de pistas falsas, que não são atiradas gratuitamente, mas elegantemente sugeridas para que você nunca perca o interesse na trama. Que aliás, não poderia partir de uma premissa mais simples: duas meninas desaparecem de uma pacata cidade americana, depois de um jantar de “Ação de graças”. Joy e Anna – respectivamente filha de casais representados por Viola Davis e Terrence Howard, e Hugh Jack e Maria Bello – foram vistas pela última vez brincando ao lado de uma van cujo motorista é um suspeito com idade mental de 10 anos de idade. Ele é preso, mas como o detetive Loki (o excelente Jake Gyllenhall) não tem nenhuma evidência física do envolvimento dele no sequestro, o menino não pode ficar mais que 48 horas na cadeia. E é então que o pai de Anna (Jackman) resolve fazer justiça com as próprias mãos. “Brigada do spoiler”, pode relaxar. Não estou contando nada que já não esteja no trailer no filme. Essa trama toda ocupa mais ou menos o primeiro terço de “Suspeitos”. O “filé” mesmo começa dali em diante. E é sensacional.

Jantando ontem com amigos, soube que a aniversariante da mesa adivinhou o final já na metade do filme – e fiquei indignado! Eu precisei chegar no início da terceira parte para desconfiar que o que tinha acontecido de verdade era… Bom, claro que não vou contar, mas o que é fascinante é que o diretor Denis Villeneuve (do também surpreendente “Incêndios”) nunca entrega tudo. Mesmo as coisas mais óbvias que vemos acontecer podem – e muitas vezes são – pistas falsas. Mas como num outro clássico recente do suspense, “Se7en”, você nunca se sente traído por elas, mas sim estimulado.

Como Villeneuve já havia deixado claro em “Incêndios”, julgar o que é certo e o que é errado não é seu objetivo principal. Esse tipo de escrutínio está totalmente a cargo do espectador – e você pode chegar à conclusão que quiser (o risco é seu). O que interessa é prender sua atenção – e isso ele consegue com louvor (só lembrando: são mais de duas horas de filme). Quando você percebe, já está tão “fisgado” pelo que está sendo contado, que é quase impossível escapar do labirinto – um símbolo que, muito propriamente, tem um papel importante na reta final de “Os suspeitos”. Ah! E eu mencionei que o clima é apavorante?

A estranha expressão de Paul Dano (que faz o papel do suspeito) colabora bastante para isso – e prepare-se para vê-lo ainda mais desfigurado à medida em que Keller (Jackman) deixa seu cativeiro mais e mais sombrio. Mas a fotografia cinza-chumbo do filme e mais o olhar sempre dúbio de Loki também contribuem para transformar “Suspeitos” em uma experiência extraordinária. E adulta…

Na janela de trailers que agora tenho na minha “Smart TV” – o nome é irritante, reconheço -, vejo que a temporada no cinema se anuncia como uma das mais incríveis dos últimos anos – “12 anos de escravidão”, “Dallas buyers club”, “Capitão Phillips”, “Nebraska”, “Blue Jasmine”, para citar apenas alguns… Tomara que esses filmes nos façam parar para pensar, ainda que apenas retoricamente, se queremos sempre ser adolescentes diante de uma tela de cinema…

O refrão nosso de cada dia: “Afterlife”, Arcade Fire – que música é essa minha gente? E quem teve a ideia de colocá-la sobre imagens de “Orfeu negro”? Talvez seja o caso de eu rever meus conceitos sobre esta banda… “Reflektor”, o novo álbum, foi lançando anteontem… Adivinha o que eu vou baixar agora?

O Superman

seg, 28/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Música

Antes de tudo, eu prometo poupar você de qualquer trocadilho com a letra da música “Take a walk on the wild side” (e veja bem: se nem o “The Guardian” escapou dessa armadilha, cumprir minha promessa não será tarefa fácil). Dito isto, Lou Reed morreu neste domingo, aos 71 anos e, como mesmo quem não tem um mínimo interesse em música percebeu desde ontem, todo o universo do rock sentiu a perda.

Não tanto pelo seu trabalho recente – e por “recente”, no caso, entenda-se “das últimas três décadas” (ainda que, reconheço, há centelhas brilhantes em seus discos desse período). Porém o que mais vai incomodar na ausência de Reed daqui em diante não será a expectativa de um novo trabalho seu, mas a simples lembrança de que alguém com 25 anos é capaz de compor um disco revolucionário. Afinal, era essa a idade de Lou Reed quando um dos trabalhos mais influentes de toda a história do rock, “The Velvet Underground & Nico”, foi lançado – e se você disser que nunca escutou sequer uma faixa deste álbum eu tenho certeza de que você está mentindo.

Há poucas semanas, escrevi aqui mesmo neste espaço sobre a triste situação dos festivais de, hum, rock – que não conseguem lotar estádios (ou grandes arenas) com bandas cujos membros tenham menos de 30 anos. A morte de Lou Reed cria uma triste lacuna nessa memória – ou ainda, na possibilidade dessa memória: a de que dá sim para mudar tudo, e a melhor época para fazer é quando você ainda tem 20 anos.

Estou, como quem acompanha meu trabalho sabe, às vésperas de estrear um novo programa – ou, para ser mais preciso, de reestrear um programa de TV totalmente reformulado. E uma das minhas preocupações com a equipe – que inclui pessoas de várias faixas etárias (inclusive dos 20!) tem sido essa: de onde surgem as ideias originais? A provocação que sempre coloco é ligeiramente focada em linguagem de televisão, mas ela vale para qualquer pessoa que gosta de arte: de onde vem o novo? Bem, você pode sempre olhar para o “velho” à procura de respostas.

Foi isso que eu tentava mais ou menos fazer quando o entrevistei há dois anos. Num encontro rápido e tenso – que, como contei então, quase não aconteceu, de tão nervoso que eu estava (e de tão resistente que o próprio Lou Reed apareceu para falar) – eu tentava decifrar a esfinge que estava sentada na minha frente. Recapitulando rapidamente, eu fui a Nova York em setembro de 2011 falar com o Metallica (que estava vindo tocar no Rock in Rio daquele ano) e, de bônus, “ganhei” Lou Reed – que, na época, tinha feito uma colaboração com a banda: o estranho (ainda que altamente recomendável) “Lulu”. Assim, diante de mim, eu tinha um cara que sempre foi reverenciado, não apenas na música, mas na arte em geral. E eu queria, em apenas alguns minutos (se bem me lembro, não fiquei mais do que 15 com ele), tentar entender com funciona a cabeça de um gênio.

Não consegui, claro. Para chegar a algo perto disso, eu teria que ter tido a chance de ficar bem mais tempo com ele, e elaborar uma pauta bem mais extensa do que simplesmente um de seus trabalhos recentes. Curiosamente, porém, não saí frustrado daquele encontro. Como descobri ao longo de alguns anos entrevistando artistas como Reed (de Paul McCartney a Kurt Cobain) o melhor que pode acontecer num encontro desses é você ter é um vislumbre de uma mente brilhante. O resto? O resto você pode achar no próprio trabalho do artista. E “The Velvet Underground & Nico” é, claro, o melhor exemplo disso.

Seria constrangedor – se não oportunista – fazer aqui uma revisão desse disco. Eu estava tentando, até há pouco, escolher apenas uma faixa para usar como parâmetro para a originalidade do trabalho todo. Mas qual delas? Como resumir aquela explosão de criatividade, energia e ousadia em apenas uma música? Eu poderia evocar a erudição e o psicodelismo de “Venus in furs”. Ou o clima sombrio e hipnótico de “Run run run”. Poderia encaixar todos os elogios que eu queria fazer em “Heroin” – uma música que até hoje permanece insuperável em sua densidade, provocação e, sim, acessibilidade. Ou elogiar a alta ironia – e incrível originalidade musical – de “I’m waiting for the man”. Ou concentrar todos meus esforços para descrever o infinito que cabe em “All tomorow parties”. Poderia ainda discorrer sobre a icônica “Femme fatale” – e sobre o que faz uma música se tornar uma referência imortal. Ou rir do romantismo absurdo (e deslocado) de “I’ll be your mirror”. Cheguei a pensar em defender “Sunday morning” como a canção mais perfeita de todos os tempos (desbancando inclusive a própria perfeição de “Say a little prayer”, na versão de Aretha Franklyn). Mas tudo isso seria inútil: se você não absorver “The Velvet Underground & Nico” como um todo, não vale a pena nem tentar entender esse cara chamado Lou Reed.

A força gravitacional deste trabalho é tanta, que ele é quase um buraco negro da sua carreira. Mas fãs mais dedicados – não só do Velvet, como também do próprio Lou Reed – sabem que mesmo depois dele vieram discos de uma inventividade absurda. “White light/white heat”, que é do ano seguinte (naquela época, acredite, os artistas eram tão criativos que chegavam a lançar um álbum por ano!), é outro “vortex musical”: você é sugado para aquela sonoridade desde a primeira faixa – e só quando eles vêm com “Stephanie says” você lembra de respirar. E quem será capaz de dizer que “Loaded” (1970) – com músicas como “Sweet Jane” e “Rock & roll” – é um trabalho menor? Fãs dedicados, como eu, devem se debruçar até sobre os incríveis “lados B” da caixa com os singles da banda (que foram relançados em edição especial há uns quatro ou cinco anos). E por que mergulhamos nessas músicas, nesses sons, com tanto prazer? Porque ali tinha um bando de gente querendo fazer diferente. E entre eles, esse tal de Lou Reed.

Sua carreira solo – que, confesso, acompanhei bem de longe (o último álbum seu que ouvi com atenção, e olhe lá, foi “Songs for Drella”, que é de 1990!) – talvez tenha sido menos menos fulgurante, mas ninguém pode acusar Lou Reed de ter traído sua arte. Ele seguiu sempre fazendo o que mais acreditava – e talvez a maior prova disso tenha sido justamente “Lulu”, o tal álbum com o Metallica, que acabou sendo seu último trabalho de estúdio. O que poderia ser uma grande oportunidade comercial – uma vez que o Metallica seria um veículo perfeito para disparar as vendas de qualquer artista que colabore com essa banda que tem uma legião fiel de fãs – chegou como um almoço indigesto, uma brilhante regurgitação sobre o trabalho de um dramaturgo alemão (Benjamin Franklin Wederkind) da virada do século 19 para o 20. Difícil. Mas honesto.

Quer conversar sobre transgressão? Taí um bom ponto de partida.

Não quero ser ranzinza a ponto de estressar a falta que Lou Reed vai fazer – ou como já expliquei acima, a falta que sua referência como artistas que pode ser criativo e revolucionário nos seus 20 anos vai fazer – citando bandas e artistas que dominam o atual cenário musical. Isso seria um exercício perverso e cruel. Mas não posso terminar sem lembrar que não tem ninguém – absolutamente ninguém – preocupado em fazer algo sequer parecido com o que fazia o Velvet Undergroud (que, para deixar claro, contava não só com a genialidade de Reed, como também as de John Cale, Maureen Tucker e Sterling Morrison). Não na sonoridade, claro – o que não faria nem sentido hoje em dia -, mas no atrevimento.

E lamento isso não como um saudosista dos anos 60. Em mais de um obituário de Reed que você deve estar lendo esses dias, você vai encontrar o surrado bordão de que “o Velvet Underground nunca fez sucesso comercial mas influenciou todo mundo que veio depois deles”. (Como li na matéria do “Guardian”, indicada acima, parece que foi Brian Eno que disse que o primeiro disco do Velvet não vendeu mais que 10 mil cópias no seu lançamento, mas que todo mundo que o comprou acabou formando uma banda – não está bom isso como epitáfio?). E, de fato, você pode encontrar “inspirações velvetianas” em várias bandas ao longo das últimas décadas – Sex Pistols, The Clash, Talking Heads, Blondie, INXS, Nirvana, Beck, Portishead, Blur, The Strokes… (E essa é uma lista bem curta, elaborada de cabeça em cima da hora).

Mas quem está criando alguma coisa hoje que pode servir de inspiração para o futuro? Você pode até argumentar que nem Reed nem ninguém do Velvet Underground (nem mesmo Andy Warhol, que era seu mentor maior) estava pensando em criar alguma coisa para o futuro quando esboçaram suas primeiras músicas. Mas será que não estavam? Essa não deveria ser a missão maior de todo artista?

Talvez Lou Reed tenha respondido essa pergunta ao longo desses anos todos. E até mesmo na sua vida pessoal. Não falo das drogas ou da bebida – fatores que certamente permearam sua vida (e que tiveram um papel inegável na debilidade de sua saúde, como mais de uma reportagem sobre sua morte nos fazem questão de lembrar). Mas sim do seu casamento com uma das mais interessantes artistas americanas da segunda metade do século 20 (e talvez até hoje): Laurie Andeson.

Esbarrei no seu trabalho no começo dos anos 80, quando, na época em que eu ainda sobrevivia basicamente da dança, fui convidado a fazer um espetáculo e o coreógrafo Ivaldo Bertazzo apresentou a música “Born, never asked” – um bizarro tango eletrônico, que me parece moderno até para o anos de 2013… Essa era uma das faixas do álbum “Big science” (1982), de Anderson, que foi um dos mais inesperados hits da história das paradas musicais. Não tanto pelo álbum, mas por uma outra faixa, chamada “O superman” – que por uma cadeia de acontecimentos imprevisíveis, um belo dia chegou a ser o segundo single mais vendido no Reino Unido!

Entrar no trabalho de Laurie Anderson – que tem um forte conteúdo político – agora é desviar demais o assunto do verdadeiro homenageado: Lou Reed. Mas só o faço para celebrar a união desses dois artistas únicos, que sempre estiveram, de fato, preocupados a levar nosso pensamento a um outro patamar. Agora Anderson segue só na sua arte. E é também em sua homenagem que eu peguei emprestado o título de sua canção mais famosa para celebrar seu companheiro.

Porque super-homem, para mim, é quem tem a capacidade de transcender.

O refrão nosso de cada dia: “O superman“, Laurie Andeson – o que acrescentar?

(Crédito das fotos: AP Photo/John Smierciak e Greg Wood) 

“Adiós para siempre”

qui, 24/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

“Contra los clichés, las frases robadas, las canciones maracas… aprendé a despedirte de todos”. Ou, em português, “Contra os clichês, as frases roubadas, as músicas vagabundas (ou, como leriam os portenhos, “de bicha”)… aprenda a despedir-se de tudo isso”. Esta é a missão de “Adiós para siempre” (cujo símbolo maior é essa mãozinha espalmada com as iniciais “APS”), uma das páginas mais engraçadas do Facebook – e também Twitter – que me apresentaram recentemente.

Digo “apresentaram” porque, como você que é leitor ou leitora frequente deste blog sabe bem, eu não tenho uma página (oficial) de Facebook nem Twitter. Mas almas caridosas sempre cuidam de indicar algo que está acontecendo nessas minigaláxias e que seja realmente divertido e interessante – o que, pelos últimos estudos, já está batendo a marca dos 0,0000000001% das coisas que circulam por lá. Fui algumas vezes à página do “APS” conferir o que havia sido postado e não demorou muito para que eu, hum, assimilasse a mensagem – e passasse a adotar a frase “adiós para siempre” em várias situações do meu cotidiano. E tenho certeza de que você vai fazer o mesmo assim que entender “o espírito da coisa”.

A melhor maneira de captar o que significa o, hum, “movimento” é lendo alguns dos diálogos curtos que os autores da página do Facebook dão como exemplos (e você não precisa ser PHD em espanhol para entender os exemplos que dou a seguir):

“Que buena esta tarta (torta).”

“Ahora te doy para que la pruebes”

“…”

“¿Que haces?”

“Estoy sacando una foto… para instagramearla.”

“Adiós para siempre.”

 

Traduzindo rapidamente, alguém na sua mesa de jantar tira uma foto de comida para postar no Instagram? “Adiós para siempre”. Ou ainda, para entender a implicância do “movimento” contra os clichês:

“Vos trabajás con un chico que se llama Ariel, ¿no?”

“Si, ¿de dónde lo conocés?”

“De la vida.”

“Adiós para siempre.”

 

E, se não quiser perder um amigo, é melhor você repensar até no seu email…

 

“¿Me pasás tu e-mail, por favor?”

“Si, cómo no: lluviadeestrellitas@… (chuvadeestrelinhas@…)”

“Adiós para siempre”.

 

Você adora inventar “seu jeitinho” de falar – tipo, assinar uma mensagem com “bjkitas”? “Adiós para siempre”. Quer reinventar de uma maneira “descolada” uma expressão que já existe – tipo, responder a um convite para fazer alguma coisa com um “demoreuzis”? “Adiós para simpre”. Chegar numa festa e logo dizer para todo mundo, meio que cantando: “Prê-pára…”. “Adiós para siempre”. Seu cumprimento favorito é a mão fechada e um “Brô”? “Adiós para siempre”. Quer defender seu Blackberry? “Adiós para siempre”. Prefere usar o Explorer? “Adiós para siempre”. Quer discutir que o novo filme do Thor não vai ser tão bom quanto o primeiro? “Adiós para siempre”. Ou os dez anos de “Kill Bill”? “Adiós para siempre”. Grazi apagou suas fotos com Cauã do Face? “Adiós para siempre”. Só vai ver os filmes sul-coreanos dessa Mostra Internacional de Cinema? “Adiós para siempre”. Ainda está esperando para ver se aparece um convite “mais legal” para o réveillon? “Adiós para siempre”. Escandalizado com Miley Cyrus fingindo que é malandra? “Adiós para siempre”. #chatiado porque o Restart abandonou as calças coloridas? “Adiós para siempre”. #chatiado por qualquer outra coisa? “Adiós para siempre”.

Eu sei, eu sei: os exemplos são infinitos. Bem como – como diria o escritor inglês Martin Amis – a “guerra contra o clichê”. Nem por isso é menos importante combatê-los – ou mesmo listá-los (tenho certeza de que você é capaz de aumentar a lista acima com situações que você mesmo presencia e tem vontade de dizer: “Adiós para simpre” – sinta-se à vontade para mandar comentários

A ideia de criar o bordão é, para mim, a alternativa mais bem-humorada para o tsunami de bobagens que a gente vê todo dia na internet. “Haters” com seus emails anônimos? “Adiós para siempre”.

Fãs que soltam hastags tipo #(nome do ídolo)meuamorportiserasempreumachamaquenaovaiseapagar. “Adiós para siempre”. Na verdade, a todos os “espertos” que acham que estão criando alguma coisa quando estão simplesmente retuitando algo que outra pessoa criou: “Adiós para siempre”!

Outro dia li, com enorme deleite, a lista da revista “New York” com os artistas mais importantes da atualidade – aos olhos, claro, do “showbizz” americano (se não dou o link disso agora é porque pretendo desenvolver o tema em breve, mas se você não consegue conter sua curiosidade, faça uma busca por “2013 most valuable star list”). O ranking é extremamente curioso e pede uma discussão mais aprofundada – algo que, insisto, farei pelas próximas semanas. Mas o que eu queria chamar a atenção na lista na nossa discussão de hoje é o quão insignificante é a “força” de uma estrela no Twitter – e o “barulho” que ela faz – com relação ao apelo da própria celebridade na cultura de massa.

Sei que ao ler a última frase, que corre o risco de parecer pretensiosa, você já quis me dar um “Adiós para siempre”. Mas baixe a guarda… O que quero dizer é que esses TTs (os “Trending Topics”, algo como os assuntos mais tuitados do dia) que a gente vê todo dia significam muito pouco no cotidiano da maioria das pessoas – mesmo no cotidiano da cultura pop que as pessoas em geral consomem. Segundo um post do “Vulture” (o blog de cultura da própria “New York”), a relação entre popularidade na internet e “na vida real” é, no mínimo, enganosa. Reis do Twitter nem sempre são os atores que atraem as maiores bilheterias – ou sequer são os artistas mais reconhecidos pelo grande público. O post dá uma série de exemplos, entre os quais cito apenas o mais divertido: Andrew Garfield é um dos queridinhos recentes da “cultura online”, mas apenas 10% dos americanos sabem quem ele é.

A distorção se dá, evidentemente, porque Garfield é o “novo” Homem-Aranha – um personagem enormemente (e legitimamente) popular. Mas seu trabalho como ator – e sobretudo o reconhecimento dele como uma verdadeira estrela pelo grande público – passa despercebido. E olha que estamos falando do público americano – algo me diz que no Brasil esse índice de 10% de reconhecimento para Garfield seria ainda menor. Só para você ter algo para comparar, os “índices de reconhecimento” de atores como Will Smith (que não é um “top de linha” na internet) ou Matt Damon (que passa ainda mais despercebido no circuito online) é muito maior do que o do ator que é o novo Homem-Aranha: 89% e 73% respectivamente.

Não tenho dados empíricos sobre isso, mas é fácil fazer a mesma associação no Brasil. Recebo todos os dias relatórios de TTs com assuntos que estão dominando o Twitter, e não são poucas as vezes em que me pergunto: mas quem exatamente está falando disso? Se esses TTs fossem relevantes, uma novela mexicana seria o assunto nacional (dia sim dia não aparece algo como #cuidadocomoanjo127 – ou qualquer outro número que designe o capítulo da novela no ar). Os apelos de fãs de “boybands” de Bogotá seriam atendidos. E as intrigas sobre os garotos do One Direction seriam manchetes de primeiras páginas (ainda que virtuais).

O fato é que esses pequenos frissons não passam de, bem, pequenos frissons. Mais de uma vez vi estupefato editores se debruçarem sobre assuntos tolos, simplesmente porque parece que está todo mundo falando sobre eles. E está todo mundo falando sobre eles sim – só que num universo muito pequeno (o do Twitter, ou mesmo o da internet, se comparado com o da cultura de massa). E para tudo isso, então, eu hoje mando meu “Adiós para siempre” – ciente até de que essa mesma página de humor não é mais que uma gota d’água num oceano de besteiras (uma figura de linguagem tão “criativa” que certamente ganharia o seu próprio “Adiós para siempre” dos fundadores do movimento).

Mas não quero destruir o mundo de quem vive para isso. Se essa é sua vida, vá em frente. Siga postando seus memes e gifs “engraçadíssimos”. Continue espalhando seus manifestos “haters” e seus apelos fanáticos. Mantenha a crença de que, fazendo isso, você está participando de um movimento cultural (ou mesmo atuando nele). Não pare. Esse imenso devaneio ainda é melhor do que você perder tempo com pornografia na internet. Espere um pouco… será?

Enfim, siga aí no seu caminho, que nós seguimos no nosso. E para assinar no espírito do post de hoje…

O refrão nosso de cada dia: “Come live with me“, Heaven 17 – sei que já visitei os anos 80 na minha última indicação, mas o que posso fazer? Numa recente reunião de trabalho, uma discussão de ideias sugeriu uma situação que eu mesmo tinha vivido e que remetia diretamente à letra dessa canção – que é do tempo em que música eletrônica ainda era para ser ouvida, e não apenas dançada. De vez em quando eu ainda a escuto e choro. Aliás, como sempre.

A vida em Marte

seg, 21/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Tem sido uma adaptação lenta, é verdade. Mas aos poucos estou reaprendendo a me divertir num fim de semana. No último sábado, veja só, fui ver dois filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – um evento que ajudou na minha formação cultural, mas que eu não costumava conferir há quase duas décadas (mais sobre o que fui lá conferir daqui a pouco). Um deles tinha até projeção numa sala do Museu da Imagem e do Som – onde não apenas acontecia a disputadíssima exposição sobre os trabalhos do diretor Stanley Kubrick, como também uma rave, em plena luz do dia. Enquanto tomava um mojito no restaurante do MIS, e olhava o frisson que acontecia a apenas alguns metros de onde eu estava, de repente percebi que ainda não estava acostumado com esse ritmo de vida, no qual as pessoas trabalham por cinco dias e, enfim, divertem-se no sábado e no domingo.

Estaria eu pronto para retomar este ritmo com o resto da humanidade? Depois de quase 18 anos trabalhando intensamente nos fins de semana, eu confesso que me sinto um pouco resistente a abraçar esses “novos” costumes. A nova rotina de preparar um novo “Vídeo Show” tem, pelo menos por enquanto, hábitos bastante mundanos. Uma reunião de “brainstorm” aqui, uma manhã esboçando pilotos acolá, uma leitura de roteiros no Rio, um conferência por skype em São Paulo – mas tudo dentro dos limites do que convencionou-se chamar de “dias úteis”. Claro, uma vez ou outra troco com algumas pessoas da equipe um whatsapp sobre uma ideia repentina no fim de semana, mas a maior parte do trabalho está concentrada nesse período de “segunda a sexta”. O que me deixa então o sábado e o domingo livres – uma possibilidade, por enquanto, apavorante.

Meu sábado começou com uma ida ao supermercado – uma atividade que sempre deixo para as primeiras horas do dia, e nunca me arrependo. Porém, anteontem, também fui cedo às compras, mas… era sábado! E o que vi entre as prateleiras de “matinais”, “congelados”, “hortifruti”, “limpeza” e “higiene pessoal” foi um quadro de guerra. Famílias inteiras enchiam seus carrinhos para o fim de semana (possivelmente até para uma viagem para a qual sairiam dali mesmo, do supermercado); senhoras zelosas empurravam suas compras, bem mais exageradas que seus apetites, ostentando os melhores penteados; pais divorciados presenteavam a companhia do filho no seus dias de visita com pacotes e mais pacotes de guloseimas; domésticas dedicadas acompanhavam suas patroas apontando artigos de primeira necessidade que a “madame” nem fazia ideia de que eram necessários para sua casa funcionar; e vários consumidores sem companhia não disfarçavam que suas compras eram apenas uma boa desculpa para tentar achar alguém tão solitários quanto eles.

Não que eu não cruzasse tipos assim quando ia ao supermercado numa segunda ou quarta – que era a minha rotina até poucas semanas atrás. Mas me parece que no sábado de manhã todas essas pessoas estavam juntas no mesmo lugar – e em quantidades surpreendentes. Até mesmo o assédio a uma pessoa pública – no caso, eu! – era mais intenso. Estou acostumado com isso no dia-a-dia – e gosto de perceber essa aprovação das pessoas. Mas, naquela manhã de sábado, a frequência era impressionante – desde pessoas gentilmente curiosas para saber como anda meu novo projeto, até os mais desavisados que insistem dizer que não deixam de me assistir todos os domingos (sendo que eu já não apresento o “Fantástico” há pelo menos três fins de semana). Não cheguei a ficar assustado – acho que “surpreso” é uma palavra melhor. Mas meu sábado estava só começando.

Com a geladeira cheia, fiz um almoço em casa mesmo e, logo no começo da tarde, fui conferir o lançamento do livro (infantil) escrito por um grande amigo na Livraria da Vila – no caso, a Vila Madalena, um bairro que eu sempre achei que conhecia como a palma da minha mão. E conhecia mesmo, mas tinha desaprendido o que significava circular pela Vila num sábado à tarde. Feiras livres, mais o movimento dos restaurantes com várias mesas nas calçadas, tornavam a travessia de apenas algumas quadras num trecho da Transamazônica! Moro num bairro nada distante da Vila Madalena, mas para chegar à livraria levei o mesmo tempo de um voo entre Rio e São Paulo – para usar uma referência habitual do meu “antigo” fim de semana.

Uma vez lá, fiquei encantado em ver mais amigos – e outras pessoas – num ambiente relaxado, de tranquilidade de confraternização. Normalmente, no meio da tarde de sábado, eu já estaria me preparando para entrar no estúdio e gravar as chamadas do programa, alheio ao resto da humanidade que se divertia lá fora. Um pouco desnorteado pela descontração no lançamento do livro do meu amigo, ousei sugerir uma continuação da tarde com dois outros amigos. Eu queria ver o filme da Mostra que iria passar às 17h30 no MIS, um outro amigo estava com fome, e outra amiga queria ver a exposição do Kubrick – por que não irmos todos para aquele espaço que, do que eu me lembrava, era um oásis de tranquilidade nos fins de semana?

Não demorou para eu descobrir que as coisas tinham mudado – e muito – nos últimos 17 anos… Na calçada, uma fila enorme não se intimidava com o sol: uma pequena multidão esperava cerca de 90 minutos ali até ter a chance de conferir a mostra dos filmes de Kubrick. Minha amiga imediatamente desistiu do empreendimento, mas, enquanto fui ver se encontrava ingresso para o filme que queria ver – um indiano chamado “The Lunchbox” – o outro amigo a convenceu de enfrentar o movimentação e a música alta da rave (que já começava a rolar, por volta das 16h!) para comer alguma coisa ali no restaurante do museu. Fui com eles para matar o tempo até a sessão – que, num traço típico da Mostra (que eu havia esquecido), estava atrasada uns 40 minutos.

Cena de "The Lunchbox" - Foto: Divulgação

Dois outros amigos mandaram uma mensagem perguntando se eu ia ver este filme (como todos sabem, tenho um fraco por produções indianas…) e se eu não queria encontrá-los. Como já estava lá, comprei mais duas entradas e disse que esperaria por eles tomando um mojito ali mesmo. Antes mesmo de a jarra com a bebida chegar, recebo um ‘whatsapp’ de um casal amigo meu, ligadíssimo ao cinema brasileiro, me perguntando se eu tinha planos para a noite – e se eu queria assistir a “O lobo atrás da porta”, o novo (e elogiado e premiado) filme com Leandra Leal, que é uma amiga querida, e que estaria na sessão. Respondi que sim, servi meu copo com o perfumado líquido – rum, limão, hortelã – e fiquei olhando as movimentação lá fora. Então era assim que as pessoas se divertiam num sábado comum…

Pensei então em escrever este breve relato, já com esse título que coloquei acima. Afinal, o que eu sentia naquela tarde de sábado era ao mesmo tempo um conforto – de momentos tão mundanos que eu estava novamente redescobrindo – e uma estranheza: como se um terráqueo chegasse a Marte e observasse de longe como é a vida dos marcianos…
Depois de “Lunchbox” – que é um filme sensível sobre duas pessoas que se envolvem emocionalmente sem se conhecerem cara a cara (uma espécie de “Nunca te vi, sempre te amei”, só que com marmitas de deliciosos quitutes indianos, misturado com o clássico “Nunca te vi, sempre te amei”) – segui então para um shopping center, que além de salas de cinema (onde estão levando filmes da Mostra) havia também teatros. E me deparei com mais grupos incríveis de pessoas – isto é, incríveis para mim, que estava “redescobrindo” aquilo, mas que não passavam de tipos corriqueiros de um sábado à noite. Havia as pessoas mais arrumadas, no bom estilo de quem ainda se produz para uma noite no teatro – bom ver que essa espécie contraria qualquer previsão de extinção! E, misturada com essas, outros grupos de pessoas com uma certa “deselegância discreta” – se Caetano me permite a licença poética: aqueles tipos estudadamente desarrumados, que eu já via frequentar a Mostra lá nos idos dos anos 80. Pois é, certas coisas não mudam.

Leandra Leal em cena de ‘O lobo atrás da porta’ - Foto: Divulgação/Andrea Capella

Em seguida, minha atenção foi totalmente roubada pelo incrível filme de Leandra – ou ainda, pelo filme de Fernando Coimbra, estrelado por Leandra Leal. “O lobo atrás da porta” só deve entrar em circuito comercial nos primeiros meses de 2014, mas quero deixar desde já minha recomendação para que você não o perca. Eu tinha uma vaga lembrança de que a história do filme era baseada num fato real, mas assisti a tudo como se fosse uma ficção e tive uma experiência fantástica. Quanto menos eu falar dele, pelo menos por enquanto, melhor (quem sabe na sua estreia oficial não o retomo por aqui?), mas só quero acrescentar que depois da sessão, tive chance de participar de um debate – um debate! – com o diretor, Leandra e Milhem Cortaz (que contracena com a atriz). Eu estava definitivamente de volta à rotina de fim de semana em São Paulo! E isso era algo a ser comemorado.

Será esse meu destino daqui para a frente? Será que é isso que eu posso esperar como diversão? Não quero parecer que estou esnobando um ritmo que 98% da humanidade segue – e com ele é feliz. Estou apenas questionando o quanto eu demoraria para voltar a viver nele – e o quanto eu tiraria prazer disso. Em vários outros momentos do fim de semana, fiz coisas da minha antiga rotina: vi meus seriados de TV (ainda não terminei a série “Orange is the new black”, mas estou quase!); cozinhei um jantar para poucos amigos na minha casa mesmo (já que é um dos meus hobbies favoritos); fiz um pouco de exercício (se bem que, no lugar de andar pela Lagoa Rodrigo de Freitas, como fazia todo domingo pela manhã, tive de considerar opções mais “caseiras” de exercício). Por outro lado, dormi numa manhã de domingo, como não fazia há anos – uma vez que acordar nesse dia era sempre o primeiro passo de um dia razoavelmente cheio e tenso de trabalho. Acho que tive sim um fim de semana bastante cheio e variado.

E hoje, na segunda – que, até bem pouco tempo atrás era “o meu domingo” – acordei já com um telefonema de trabalho, e uma programação de reuniões e gravações já praticamente organizada. Experimentei – como vários paulistanos, que me contavam isso com frequência – um corte de energia em boa parte do dia (o que explica eu ter publicado este texto tão tarde), como se não vivesse numa cidade dinâmica, moderna e poderosa, mas em Nova Déli, cenário parcial de um ótimo livro que estou lendo agora (“At the bottom of everything”, de Ben Dolnick). E fui a um “almoço de negócios”, para, de fato, começar a semana.

Acho que de agora em diante vai ser assim. E acho que vou me divertir com isso. Afinal, se os marcianos gostam, por que eu também não posso me adaptar?

O refrão nosso de cada dia: “Uncertain smile”, The the – talvez seja a nostalgia de “ter voltado aos anos 80″, com essa lembrança toda da Mostra Internacional de Cinema. Ou simplesmente um aniversário de um amigo dessa época, que foi comemorado neste domingo – uma ocasião que foi, inevitavelmente regada com lembranças da mesma época. Fato é que andei cantarolando muito essa música entre ontem e hoje, e quero recomendá-la hoje aqui para você. Ela tem um refrão meio disfarçado – uma dica: começa quando Matt Johnson canta “I’ve got you under my skin where the rain can’t get in” (quantas vezes eu repeti isso para ouvidos apaixonados?). E depois, nesta versão que indico, vem uma longa esticada instrumental, que vale cada minuto. Depois o pessoal reclama que eu falo demais dos anos 80… Mas ouça “Uncertain smile” e responda: quem anda fazendo uma música sequer parecida com essa hoje em dia?

O único argumento que você precisa ter para entrar numa reunião onde o assunto acaba e você começa a discutir com seus amigos se o cinema, como a gente conhece hoje, deveria continuar a existir

qui, 17/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Seus problemas acabaram (desde que um deles não seja “ler livros”)

seg, 14/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Estou doente. Não sou bom de diagnósticos – incrível como em mais de 40 anos de convivência com um pai médico, não aprendi nada… Mas acho que tem a ver com minha total falta de intimidade com algo que para a imensa maioria das pessoas é a coisa mais comum no mundo – se não uma das mais desejadas: um fim de semana livre! Como você talvez tenha acompanhado aqui, para driblar essa mudança de rotina – que eu já sabia que iria enfrentar desde que deixei a apresentação do “Fantástico” -, no domingo passado “inventei” uma viagem a Buenos Aires… Mas este fim de semana agora, não teve jeito. Já envolvido como estou nos novos projetos no “Vídeo Show”, não poderia me dar o luxo de ficar mais uns dias fora do Brasil – e então tive de encarar um sábado e um domingo inteiros em casa!

“Em casa” é maneira de dizer. Não fiquei o tempo todo aqui, claro. Saí com amigos para comer alguma coisa no sábado, na hora do almoço. Fui a uma peça de teatro – em plena noite de sábado, algo que eu não fazia há milênios! (Aliás, para quem mora ou passa por São Paulo, fui ver “O duelo” – uma adaptação de um livro de Tchekhov, com a Mundana Companhia, cujo elenco agora inclui a excelente Camila Pitanga, que, em nome da transparência, devo dizer que é também uma grande amiga, por quem tenho enorme admiração, sobretudo na coragem e ousadia com que desenha sua carreira, um traço que inclusive já elogiei aqui). Tomei o café da manhã de domingo com uma amiga que visitava (olha que ironia) o Rio de Janeiro. Mas de resto fiquei em casa, em São Paulo.

Pensei em assistir a “Gravidade”, mas me julguei incapaz de enfrentar um cinema de shopping center num domingo (ainda mais para ver um filme que obviamente estaria lotando as salas). Conferi mais uns dois ou três episódios da série que agora rouba minha atenção – “Orange is the new black” -, mas de resto fiquei no meu canto. E quando eu achava que os “males” dessa readaptação de rotina iam tomar conta de mim… Eis que surge… Um livro! Sim, um livro – algo que quase nunca encaramos como um “remédio”, mas que é sim uma das melhores terapias, não só para um “problema” como este que enfrento agora, mas para tantos outros momentos introspectivos.

Mas este livro, mais especificamente, é exatamente sobre isso: sobre como outros livros podem ajudar você no dia a dia. Falo de “The novel cure: from abandonement to zestlessness – 751 books to cure what ails you”, uma incrível compilação literária organizada por Ella Berthoud e Susan Ekderkin. (Uma tradução apressada do título do livro, apenas para dar uma ideia melhor do que se trata, pode ser: “A cura do romance: de abandono à falta de entusiasmo – 751 livros para curar o que te aflige”). Descobri o título lendo uma resenha na “Economist”, e fiquei imediatamente interessado! Primeiro por conta do próprio assunto: livros! Um “livro sobre livros” é sempre uma coisa fascinante. Depois, gostei mais ainda quando soube mais uma das autoras de “Novel cure” é uma “biblioterapeuta” da “School of Life”.

Explico: a “Escola da Vida” foi criada em Londres, há cinco anos, por um dos meus ídolos literários – o filósofo e escritor Alain de Botton (para quem já me desdobrei em elogios, aqui mesmo neste espaço). Não contente em escrever um livro atrás do outro fazendo a ponte entre a alta filosofia (e alta literatura) e nossa vida prática – um de seus melhores é “As consolações da filosofia” (L&PM, Rocco) -, ele também resolveu abrir essa “escola” onde ensina as pessoas a fazer algo que está cada vez mais difícil em tempos disperso como o nosso: parar para pensar. E faz isso não com pesadas palestras sobre grandes pilares da nossa filosofia, mas com encontros, conversas e leituras saborosas – que rendem livros como “Novel cure”, ainda inédito no Brasil, ou a coleção “The School of Life” (editada aqui pela Objetiva, com títulos tão fascinantes como “Como pensar mais sobre sexo”, “Como manter a mente sã”, e, talvez o mais urgente de todos, “Como viver na era digital”).

Além disso, sua “escola” – que já organizou alguns encontros no Brasil (Rio e São Paulo, por enquanto), e quer fazer ainda mais por aqui, segundo informações do site oficial – oferece sessões de “biblioterapia”. Nunca fiz uma (ainda!), mas parece que funciona assim: você marca uma sessão, fala quais são os principais problemas que te afligem e… pronto! O seu “biblioterapeuta” te indica um livro – de literatura! – que pode ajudar você a superar seu problema! Não é incrível?

Outro dia, lendo uma sessão interessante do suplementos de livros do jornal “The New York Times”, deparei-me com um autor (não consigo me lembrar qual, e as pesquisas na internet que fiz hoje de manhã se mostraram infrutíferas…) que, ao ser perguntado se ele tinha algum livro em sua estante que surpreenderia seus leitores, como um título de autoajuda, por exemplo, respondeu: “Mas todos os livros são de autoajuda, não?”. A ideia da “biblioterapia” é exatamente esta: não existe livro do qual você não seja capaz de tirar uma lição! Ele não precisa ser especificamente de autoajuda – quantos de vocês (eu mesmo!) têm coragem de se aproximar abertamente de uma sessão dessas nas livrarias? Basta você ler o romance certa, na hora certa!

No já citado “Consolações da filosofia” (que é de 2000), há capítulos específicos para, por exemplo, problemas amorosos. A solução, segundo Botton, está em ler Schopenhauer (um filósofo alemão do início do século 19). Frustrado com tudo na vida? Leia Sêneca – um pensador romano, contemporâneo de Jesus Cristo! Anda se sentido deslocado, “um peixe fora do aquário”, inclusive sexualmente? Montaigne (que viveu na França, no século 16) é o cara certo para você! O que Alain de Botton parece ter feito com sua “Escola da Vida” é a simples evolução dessa ideia: livros podem te ajudar sempre! E agora já existe até um manual para provar isso.

“The novel cure” – que então baixei no meu smartphone – é fascinante. Comecei a ler, claro, pelas listas – tipo “top 10″. Como resistir a uma seleção de “Dez livros para baixar sua pressão sanguínea”? – entre eles, “As horas”, de Michael Cunningham, e “O coração é um caçador solitário”, de Carson McCullers. Ou “Dez livros para convencer seu parceiro de que ler é legal”? – tente “O nome da rosa”, de Umberto Eco, ou “Micro servos”, de Douglas Copland (se você precisar convencer sua parceira, as indicações vão de “Um quarto com vista”, de E. M. Foster, a “Dentes brancos”, de Zadie Smith). Ou que tal “Dez livros para planejar uma viagem”?: “A sombra do vento”, de Carlos Ruiz Zafrón; “O conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas; e até “Os homens que não amavam as mulheres”, de Stieg Larsson.

Berthoud e Elderkin, as autoras de “Novel cure”, sugerem ainda que você pode partir de indicações mais específicas. Se você está se sentindo um estrangeiro em algum lugar, elas indicam “Tudo se ilumina”, de Jonathan Safran Foer (que os leitores mais frequentes deste blog sabem que é um dos meus livros favoritos de todos os tempos – e que, analisando a receita de Berthoud e Elderkin, tudo faz sentido: alguém que viaja tanto como eu, não escapa de se sentir estrangeiro…). Você está decidido a ir atrás de uma mulher mesmo sabendo que ela é casada? Seu livro é “O paciente inglês”, de Michael Ondaatje! Pensando em matar alguém? Que tal controlar seus impulsos com “Thérèse Raquin”, de Emile Zola? Ou simplesmente se seu coração está partido… mergulhe em “Alta fidelidade”, de Nick Hornby (que, aliás, acaba de ser reeditado num belo volume pela Companhia das Letras). Obcecado com alguma coisa? Leia “Morte em Veneza”, de Thomas Mann (ou “Moby Dick”, de Herman Melville). Inutilidade da vida – de tudo (leia-se “desespero total”!)? Fique com “A vida: modo de usar”, de Georges Perec.

Veja bem, são 751 livros – não vai dar para ficar citando todos aqui hoje (para não falar das maravilhosas e divertidas justificativas que as autoras dão para receitar este ou aquele livro). Minha torcida é para que alguém tome logo a iniciativa de lançar “Novel cure” por aqui – uma ousadia, admito (ainda mais quando se pensa nas indicações que, como várias que pesquisei, não tem ainda um título lançado no Brasil – por exemplo, “English Passengers”, de Matthew Kneale (um dos romances mais engraçados que já li na minha vida!). Ou que você se arrisque a comprar o livro em inglês mesmo – e se divertir com suas “curas”.

Pensei até em fazer meu pequeno receituário aqui hoje. Rapidinho, assim… Para quem está com problemas de fidelidade conjugal em casa, adivinha qual seria a leitura recomendada? Pois claro, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis! Crise no casamento, na linha “sobra conversa e falta sexo”? Tente “Sobre a beleza”, de Zadie Smith. Sua vida anda miserável? Eu sugeriria que você lesse “Um delicado equilíbrio”, de Rohinton Mistry. Sentindo-se rejeitado? Ah… Você precisa ler então “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Decepção com sua família, sobretudo com seus pais? Que tal passar os olhos por “Tempestade de gelo”, de Rock Moody? Apaixonado(a)? Vá de “Coração tão branco”, de Javier Marías. Querendo fugir de tudo? Minha recomendação é “Invisível”, de Paul Auster.

Mas seria leviano eu tentar imitar aqui, com tamanha superficialidade (todas as indicações acima foram feitas à queima-roupa, confiando apenas na minha memória, que como você já sabe, está longe de ser infalível), o trabalho dedicado de Berthoud e Elderkin, em “The novel cure”. No máximo, faço isso como um exercício saudável, para que eu mesmo possa me lembrar de como os livros me ajudaram ao longe de toda minha vida – e lá se vão cinquenta anos… E é nesse sentido que ouso jogar o desafio para você também!

Digamos que você foi convidado (ou convidada) a sugerir uma entrada para uma edição brasileira de “A cura do romance”. Que livro você indicaria? Para que males? E por quê? Como eles poderiam ajudar uma alma em apuros? Quem sabe você não tem dentro de si uma alma de “biblioterapeuta”?

O refrão nosso de cada dia: “Botch-a-me”, Rosemary Clooney - sabia que a tia de George Clooney era uma cantora famosa? O caminho pelo qual cheguei ao refrão de hoje é tortuoso – começa em “Gravidade”, o filme, e vai parar em “Mad men”. Mas não vou alugar você com isso agora. Divirta-se com o sotaque “suave” de Rosemary Clooney – e se quiser um bônus, veja também “Mambo italiano”.

Entressafra

qui, 10/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Acabo de ler um livro ruim – pois é, essas coisas acontecem. O livro, ainda inédito no Brasil (mais sobre ele daqui a pouco), tem todos os defeitos de um “thriller” moderno e mais uma (des)vantagem: 624 páginas (no formato tradicional, ou “10.147 Pos.” no meu e-reader – que foi onde eu o li). Também atravessei com certo sacrifício dois álbuns que deveriam ter me entusiasmado bem mais segundo as expectativas em torno deles – um é de uma banda veterana (e que já foi aclamada como a solução para o rock independente no século 21), e o outro é de uma dupla novata que prometia renovar a “dance music”. Nenhum deles, sinto informar, chegou perto de me animar. E então fui ao cinema – e vi uma performance espetacular de um ator brasileiro com chances reais de seduzir Hollywood, só que num filme que está bem aquém do potencial não apenas do seu elenco, mas também do seu diretor – quem eu ainda acho que pode ser um grande nome do cinema atual. (Este trabalho eu nem preciso dar mais detalhes, uma vez que imagino que o caro leitor ou a cara leitora desta coluna esteja sempre em sintonia com o que acontece nesse nosso fascinante universo pop – que, apesar dos rumores, segue sendo a grande razão da existência deste espaço!). É, nem tudo é prazer na vida deste blogueiro.

Mas aí ontem mesmo eu assisti aos dois primeiros episódios de uma série de TV que é, até agora, uma das mais comentadas na TV americana – aliás, a mais comentada se você excluir a onipresente “Breaking bad” da equação (em nome da transparência, digo que ainda não fui “infectado” com o vírus de “Breaking bad”, que sei ser letal e irreversível, a julgar pela reação de amigos e pessoas cuja opinião respeito sobre a série; espero contrair esse vício em breve). Falo de “Orange is the new black”, uma produção original da Netflix sobre uma mulher de classe média americana que vai passar um ano e pouco numa penitenciária feminina. (O título pode ser traduzido apressadamente por “Seu pretinho básico agora é laranja” – numa referência à cor dos uniformes das presidiárias nos Estados Unidos). Fiquei tão surpreso com a qualidade do texto, da edição e – com algumas exceções – da atuação de todo o elenco, que resolvi escrever sobre isso aqui hoje – ainda que brevemente.

Estou, como você acompanhou, em um período “entre programas”, uma vez que, depois de ter me despedido do “Fantástico” tenho algumas semanas para me preparar para a reformulação do “Vídeo Show”. Isso, porém, nem de longe quer dizer que estou “de folga” (descontando os últimos 4 dias que passei, como alguns acertaram, na minha querida Buenos Aires). Estou, isso sim, em uma entressafra – uma palavra que pode definir também o período pop que vivemos. Na minha Apple TV – como descobri recentemente -, posso ver trailers de produções fascinantes que estão por chegar (“Gravidade”, “Capitão Phillips”, “12 years a slave”, “Blue Jasmine” etc.), mas que ainda não estão disponíveis em nossas telas. Os grandes lançamentos de livros estão enchendo aos poucos as livrarias – a tempo de conquistar um lugar nas prateleiras dos mais vendidos e ajudar quem não conhece bem seu colega de escritório (ou seu primo distante) mas o pegou como “amigo secreto”. E dos lançamentos musicais, Lady Gaga está a apenas alguns dias de abrir – com seu aguardado “ARTPOP”, que já acerta na exuberante capa elaborada pelo artista plástico Jeff Koons (um dos mais venerados no cenário contemporâneo) – a temporada de canções realmente interessantes. Enquanto isso, eu vou me distraindo com “Orange is the new black”.

Difícil imaginar uma série como essa sendo produzida no Brasil – e não falo nem por conta das, hum, “autorizações” que todos os personagens ali deveriam dar para que o livro, que conta uma história real, fosse publicado aqui (caso a personagem fosse brasileira, claro). Sim, eu divago. O que me parece distante da nosso universo de ficção é a transparência – tanto da brutalidade quanto do erotismo (e mesmo da emoção) – com que a nova rotina de Piper Chapman, a personagem principal que vai para a cadeia, é retratada. Sufocados com as injustiças da lei por aqui – e de um sistema penitenciário mais que precário – um seriado que se propusesse a contar uma história similar no Brasil dificilmente escaparia da “armadilha” que o filme “Tropa de elite”, mesmo com todos os seus méritos, criou para o (tele)espectador brasileiro: se for para falar de justiça, tem que ser com porrada.

Não que a ficção americana esteja livre desse clichê. “Oz”, para citar um exemplo (e de um clássico), é outra série sobre a vida atrás das grades que, pelo menos nos poucos episódios que vi, não escapa da tentação de colocar a brutalidade em primeiro plano (“Oz” escapa do lugar-comum ao investir na brilhante observação do personagem principal Augustus Hill (interpretado pelo ótimo Harold Perrineau Jr). Mas “Orange”, insisto, tem um charme diferente.

Chapman (vivida por Taylor Schilling) começa a contar sua história desde o primeiro dia em que entra para a prisão de Litchfield, no estado de Nova York. Seu crime – ter levado uma mala com dinheiro de tráfico de drogas para uma antiga namorada (que era a traficante principal) – aconteceu há dez anos, quando ela tinha 22, e vivia uma fase lésbica. Hoje, aos trinta e poucos e prestes a se casar com um novo namorado (interpretado pelo ótimo Jason Biggs) ela finalmente recebeu sua sentença, e vai sem muita resistência encarar 15 meses atrás das grades. (O fato de Chapman ser uma mulher de classe média que vai cumprir pena também é outro fator que, pelo menos no campo do real, faz duvidar que essa história pudesse acontecer no Brasil, onde raramente se vê uma punição como essa – mas eu divago novamente… hoje é uma tentação atrás da outra…).

E o que ela encontra na penitenciária? Uma porrada atrás da outra. Não literalmente – para ficar nas estatísticas, nos dois primeiros episódios que vi, aconteceu apenas uma briga entre presidiárias. Mas os insultos que Chapman sofre são por vezes muito mais doloridos que uma bofetada (pense em torturar uma pessoa com fome). O que não impede de “Orange is the new black” ter momentos irônicos, engraçados – e alguns até mesmo hilários. Ah! E cenas bem eróticas também – e não só da fase “glamurosa” da relação entre duas mulheres, mas também da crueza dos boxes de banho da prisão, onde a expressão “comida” ganha um novo significado…

Tem espaço, acredite, até para a emoção – e não só no “chororô” do romance central entre Chapman e seu noivo, mas também nas nada sutis e complicadas situações entre as internas. “Orange” trabalha ainda nuances sentimentais como a rejeição – amorosa e social (como na história passada da personagem Red) -, as (más) relações familiares (o “flashback” em que Piper conta para seus parentes que vai para a prisão é hilário!), e a repressão sexual (resumida numa curiosa cena em que um vaso de plantas balança numa mesa…). Tudo com isso com uma detalhe fundamental: o respeito a sua inteligência.

Tudo bem, só vi dois episódios por enquanto. Mas nada ali, em nenhum momento do roteiro, me pareceu gratuito. As histórias são amarradas; os “flashbacks” não “enchem linguiça”, mas completam a narrativa; e mesmo os pequenos papéis (o meu favorito é o de Lorna Morello, interpretada pela ótima Yael Stone) tem um sentido na engrenagem maior da história – e não somem de uma hora para outra…

Não fiquei tão “maluco” por “Orange” – como aconteceu com “Mad men” ou “Downton Abbey”. Mas fui totalmente seduzido por suas possibilidades narrativas, pela originalidade da história, e – por que não? – pela coragem de todo o projeto. Que, vale lembrar, foi lançado dentro de um esquema “seguro”: no cardápio de uma distribuidora de filmes e séries (a Netflix), para um público que já tem a assinatura e para quem o sucesso ou o fracasso da série faria pouca diferença. (Numa TV aberta, ou mesmo num cabo, os riscos envolvidos são outros, como você imagina, e os obstáculos para se lançar um projeto tão ousado são quase impensáveis). Mesmo assim, aplaudo a ousadia – e o frescor que ela traz em tempos de entressafra como essa.

De entressafra e de escolhas erradas que fiz, como o livro “Night film”, de Marisha Pessl – onde a morte da filha de um misterioso cineasta “cult” (Cordova!) é a desculpa para uma série de mistérios que vai se revelando aos poucos, sem muita conexão entre eles, gratuitamente, quando a conclusão final poderia ter sido dada já logo no primeiro capítulo (será que essas pessoas não aprenderam nada com Agatha Christie – que uma revelação só pode acontecer se a anterior vier à tona?). Ou os discos de Franz Ferdinand (o novo, “Right thoughts, right words, right action” – um título que, diante do que eles apresentaram, só pode ser irônico) e AlunaGeorge (não perca seu tempo com eles – prefira a banda que eu indico hoje no “Refrão”, logo abaixo).

Mas logo vem a safra boa. Pelo menos assim espero…

O refrão nosso de cada dia: “Gun”, Chvrches – então você quer sangue novo em música eletrônica? Que tal olhar para a Escócia? Ouça tudo do novíssimo Chvrches – e depois a gente conversa…

Foto: Reprodução/Globo News 

Indo, indo, fui…

seg, 07/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

E o que eu fiz no primeiro domingo em que eu formalmente não tinha o compromisso de trabalhar? Viajei – é claro! Aliás, estou viajando. E se escrevo hoje é só para reafirmar o compromisso de que esse espaço segue vivo – independente de que programa eu apresentar, eheh! Por falar nisso, acho que já agradeci a todos que me escreveram com votos de boa sorte no novo projeto – e mesmo até a alguns que desejavam exatamente o contrário. Mas um outro “obrigado” nunca é demais… Enfim, este é mesmo só um breve lembrete de que sigo colecionando coisas interessantes para dividir aqui com você. Onde? Bem, eu até pensei em te convidar para adivinhar onde eu estou, mas olhando as fotos… Essa é fácil né? Até quinta!