Dissonâncias cognitivas

qui, 27/06/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Sem programa para sábado, depois da novela? Como dizia o velho bordão das Organizações Tabajara, “seus problemas acabaram”! Talvez você até já tenha visto, mas um episódio recente do “Porta dos fundos” (“Porta na TV”) anuncia que ele “finalmente chegam” à telinha! Uma provável resposta aos eternos rumores de que eles estão sendo sempre sondados pela TV aberta – ou até mesmo, arrisco, uma esperta resposta à provocação que este blog fez há poucas semanas -, o esquete é um desastroso (e hilário) retrato do que seria o humor do “Porta” se fosse feito nos padrões tradicionais de como a TV trata o humor até hoje, com seu tripé (já bastante discutido aqui) de bordões, caretas e caricaturas.

O alvo principal da sátira é o “Zorra total” – um descendente direto de um grande sucesso do rádio dos anos 50: o “Balança mas não cai”. Mas, como uma boa característica darwiniana que conseguiu sobreviver por várias gerações – e agora, pelas mesmas regras darwinianas tem que lutar para sobreviver – ela pode ser vista em mais de uma atração da TV aberta (e mesmo da TV a cabo). Mas mais do que discutir os caminhos de humor (que é um assunto recorrente aqui), o que queria hoje, brevemente (como sempre) era chamar a atenção para quando produtos da cultura pop nos oferecem dissonâncias cognitivas.

Não se assuste. A primeira vez que ouvi essa expressão foi na faculdade de propaganda que fazia – e se estou falando do meu período universitário, lá se vão trinta anos! Um professor o usava para descrever a decepção que um consumidor tem ao comprar um produto e não conseguir corresponder à expectativa que ele tinha elaborado com relação àquela aquisição. “Dissonância cognitiva” é muito mais que isso no seu amplo sentido psicossocial, mas para nossa discussão de hoje, vamos ficar com a interpretação “mercadológica” que trouxe da sala de aula: vemos o “Porta dos fundos” fazendo “Zorra total”, nossa percepção entra em parafuso. O resultado disso poderia ser apenas um deboche grosseiro – quantos não optam pelo caminho mais preguiçoso de pegar um quadro ou um personagem famoso da TV e simplesmente fazer uma caricatura dele? Mas como estamos falando do “Porta”, o que vemos é um esquete não só inteligente, como também engraçado. Ah! E debochado também – no sentindo de que vai fundo na crítica à fórmula de humor que eles pretendem (se já não conseguiram) renovar.

Poderia listar aqui uma série de exemplos. Música? Pense em Strokes fazendo “brega brasileiro” (e se dando muito bem) em “One way trigger” – aliás, num dos melhores clipes do ano, que se você ainda não vou, tire o atraso aqui. Literatura? Pense em uma escritora respeitada como Jennifer Egan (“A visita cruel do tempo”) escrevendo uma história brilhante num formato de Twitter em “Caixa preta”. E no cinema? Imagine que Brad Pitt é capaz de fazer um filme de ação que você consegue assistir até o final sem se sentir um imbecil. E que um diretor alternativo que chamou atenção por um trabalho inovador é capaz de te decepcionar.

Primeiro, Brad. Ou melhor, “Guerra mundial Z”. Na preparação para uma entrevista com o astro aqui no Brasil que não aconteceu – contei os bastidores disso no post anterior  - assisti ao filme com boa antecedência. E, embora seja difícil de acreditar, confesso que fui assistir à superprodução sem ter ideia de que se tratava de uma história sobre zumbis. Sério! Viu o primeiro trailer do filme? A palavra zumbi nem é sugerida – a não ser pela letra “Z” do título. E as imagem – que são incríveis – não dão uma pista de quem são aquelas “pessoas” correndo e destruindo tudo. Sabia, justamente por conta do trailer, que seria um filme de ação e terror. Não tinha lido o livro – e nem sabia que o autor, numa das notas mais curiosas sobre a história, era filho do comediante Mel Brooks com a atriz Anne Bancroft! Mais material sobre “Guerra” seria entregue nessa sessão especial, exibida só para mim. Assim, encarei o filme sem viés.

Quando a projeção começou, na pequena mas bem equipada sala do QG da distribuidora, no centro do Rio de Janeiro – uma espécie de miniatura daqueles grandes cinemas antigos (como é bom estar rodeado por gente que ainda adora filmes!) -, logo entraram mais duas pessoas que ali trabalhavam para assistir também. A princípio fiquei incomodado por eles terem me roubado o privilégio de estar sozinho num lugar como aquele. Mas em menos de dez minutos eu agradeci que tinha companhia. Pois esse é o tempo que leva para você começar a sentir medo. Muito medo. E com zumbis! Reforço isso porque, como já expressei aqui algumas vezes, se tem duas coisas que eu tenho o maior bode em ficção – pode ser nos livros, no cinema ou na TV -, elas são zumbis e vampiros. Leitores e leitoras mais frequentes talvez tenham notado que, nos quase sete anos de existência deste blog, não me aprofundei em nenhum desses assuntos. Resisti a qualquer comentário sobre uma série bem popular como “Os mortos vivos” – e, com mais dificuldade ainda, consegui passar batido pela saga “Crepúsculo”, apesar de ela ter sido um enorme sucesso. E o motivo disso é o mesmo: não tenho o menor interesse por nenhum dos assuntos. Se Brad Pitt (com uma ajuda boa da escritora Anne Rice e do diretor Neil Jordan) não conseguiu me inspirar na tentadora história de sugadores de sangue que participou (“Entrevista com o vampiro”), será que ele me convenceria a ver mais de duas horas de perseguições de zumbis? Pode apostar.

O mérito de “Guerra Mundial Z” não é apenas do ator. Mesmo sem ter lido, sei que o material original (o livro de Max Brooks) é interessante. E o diretor, que já tinha feito um bom James Bond (“Quantum of solace”, menos apreciado do que merecia), deu sua contribuição. Por isso, digo sem medo de errar que “Guerra” tem sequências genuínas de puro suspense – especialmente o final que, ao que parece, foi reescrito um zilhão de vezes. E mesmo as cenas de ação – a tomada de Jerusalém, a mais impressionante delas! – trazem novidades (e mais suspense, quando não terror) para o gênero. Ao contrário daquelas destruições gratuitas – de pessoas e de cenários – que vemos em filmes de super-heróis (“Os vingadores” é o exemplo mais escandaloso disso, e pelo que li, “Homem de aço” vai pelo mesmo caminho), cada uma das minicatástrofes de “Guerra” é brilhantemente coreografada. Das pirâmides humanas – ou melhor, pirâmides de mortos-vivos – às vigorosas cabeçadas nos carros (que causam pânico nas primeiras imagens), tudo me pareceu original, a ponto de fazer eu encarar com frescor um gênero que já é batido – e que, só esforçando, eu detesto.

Para minha surpresa maior, o final nem é feliz. Quer dizer, sem contar muito (se não a “brigada do spoiler” me crucifica), até é feliz, mas o problema dos zumbis ameaçando a raça humana de extinção está longe de ser resolvido quando entram os créditos finais. E isso cria mais uma dissonância cognitiva: um filme de Hollywood que não acaba bem? Será isso mesmo? Pois é! E quem sai ganhando é você. “Guerra mundial Z” é um dos primeiros lançamentos do ano que eu gostaria de ver de novo – nem que seja para prestar atenção aos efeitos especiais (e levar todos aqueles sustos de novo – não foi uma vez apenas que eu pulei da cadeira). E já que estou recomendando cinema, vá ver também “O lugar onde tudo termina”. Apesar de ter me decepcionado um pouco, o novo filme do diretor de “Namorados para sempre”, Derek Cianfrance, é bastante instigante. O único problema é que ele cai na mesma armadilha da qual “Guerra” escapou: tem um final feliz demais para ser verdade. E isso quase estraga tudo.

“O lugar” é um filme estranho – exatamente o que você espera de um diretor que contou uma das histórias de amor mais lindas no cinema do século 21. (Não vou “Namorados para sempre” ainda? está esperando o quê?). Até boa parte dele, você fica achando que trata-se na verdade de duas histórias: a primeira, do motoqueiro rebelde (Luke, interpretado por Ryan Gosling) que não sabia que tinha um filho – fruto de um romance com Romina (Eva Mendez) – e, quando descobre, resolve mudar radicalmente de vida, para pior; a outra, é a história de um policial correto, Avery (Bradley Cooper), que virou um herói depois de ter denunciado um grande esquema de corrupção na cidade em que mora. Antes disso, porém, ele já era considerado um herói, justamente por seu envolvimento com Luke – mas explicar exatamente como eles se “conheceram” é estragar um bom gancho do filme.

Fato é que as duas histórias são bem contadas, mas à primeira vista você fica meio sem entender como elas vão se encontrar no final. Como já tinha demonstrado em “Namorados”, o diretor é bom de fazer a gente conhecer um personagem intimamente – e todos os de “Lugar”, inclusive os periféricos (como o segundo marido de Romina), são bem construídos. Eu estava bastante seduzido pela narrativa do filme, até que aquele “velho truque” apareceu escrito na tela: “15 anos depois…”. No momento em que a história dá esse salto, você entende o que vai acontecer, como Luke e Avery vão se “encontrar” de novo – com resultados desastrosos. Mesmo com essa previsibilidade toda, dei crédito a Cinafrance – mas ele o desperdiçou quando, bem no final… tudo termina bem.

A gente espera mais de um diretor que levantou nossas expectativas com um trabalho tão original como “Namorados para sempre”. Mas eu acabei saindo do cinema com mais uma dissonância cognitiva para minha coleção…

Será que “Porta dos fundos” vai um dia para a TV aberta – aumentando o meu acervo?

O refrão nosso de cada dia: “Desa suci”, M. Osman & Les Fentômes – você vai me perguntar por quê? E eu vou responder apenas que estou nadando nas águas da minha fase de pop da Malásia e Cingapura dos anos 60. Quer dar um mergulho?

 

Modelo de comportamento

seg, 24/06/13
por Zeca Camargo |
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É provável que a notícia tenha passado despercebida, diante dos frementes acontecimentos dos últimos dias. Talvez os fãs de cinema tenham notado, ao menos aqueles que não se contagiaram pelo belo sentimento de união que vimos eclodir nas ruas de todo o Brasil – mas isto é apenas uma possibilidade. Mas o fato é que Brad Pitt cancelou sua vinda ao Rio de Janeiro no último fim de semana. Soube disso em primeira mão, uma vez que estava me preparando para entrevistá-lo, até que na sexta-feira de manhã veio o e-mail confirmando que o astro não viria mais ao país promover seu novo filme, “Guerra mundial Z” – mais um retrato apocalíptico do fim do mundo (será que todo fim do mundo não é apocalíptico, ou eu divago?), desta vez encarnada por um exército de zumbis (mais sobre o filme, em breve).

O motivo do cancelamento? Você já pode imaginar. A distribuidora diplomaticamente julgou que o momento no país não seria adequado para tal visita, mas não é difícil imaginar que parte da decisão foi tomada por que a segurança do astro estaria comprometida, uma vez que as manifestações legítimas (e algumas poucas ilegítimas – falo, claro, das ações de vândalos) do povo brasileiro não dão sinais de cansaço. (Para quem chega aqui desavisado, lembro que este é um espaço de cultura pop: os eventos recentes, devidamente dentro deste contexto, foram comentados aqui na semana passada, e podem mesmo voltar a ser assunto se cruzar novamente o universo de nossa pauta – hoje, porém, seguimos falando do pop, seja bem-vindo ou bem-vinda; mas se você precisar de uma boa dose de política e belas letras, recomendo o excelente e emocionante texto que li ontem de um dos melhores jovens escritores da nossa nova literatura, Julián Fuks, publicado na “Ilustríssima”).

A agenda de Pitt no Brasil era até modesta: alguns encontros com jornalistas no Morro da Urca, no sábado; um dia de folga aproveitando alguma paisagem luxuriante não muito longe do Rio; e uma presença na pré-estreia de “Guerra mundial Z” hoje, na capital carioca – talvez o compromisso mais provável de se tornar alvo de protestos (não pelo evento em si, mas pela visibilidade internacional que ele geraria). Mas o risco da passagem do astro causar um grande tumulto – não exatamente da maneira que a distribuidora do filme gostaria, com fãs delirantes de Pitt o idolatrando freneticamente ao longo de um provável tapete vermelho – fez com que todos desistissem da empreitada. Não cabe aqui julgar essa decisão – sobre a qual o próprio ator (que, ironicamente interpreta, nesse filme, um ex-funcionário da ONU, do alto escalão, especialista em conflitos políticos em países que atravessam turbulências) certamente também deu seu parecer. O filme provavelmente fará algum sucesso – arrecadou quase 70 milhões de dólares neste seu fim de semana de estreia nos Estados Unidos – e tem méritos suficientes para agradar até este que voz escreve, com sua ferrenha antipatia por qualquer história que envolva zumbis. Mas o que queria comentar aqui hoje é um certo bastidor dessa entrevista, que provocou em mim um desconforto maior do que aqueles “zekes” – o apelido carinhoso que o filme dá aos mortos-vivos.

Praticamente junto com o convite para assistir a “Guerra mundial Z”, recebi também um rico material, com informações sobre a produção, a carreira recente de Brad Pitt, e detalhes da história em geral. Até aí, tudo bem. Mas o que me chamou realmente a atenção foi um anexo que listava as perguntas sugeridas ao astro – todas, como você pode imaginar, bem comportadas. Não que eu tivesse perguntas mal comportadas em mente, mas fiquei ligeiramente perplexo com a transparência de todo a proposta. Não quero nem sugerir que a distribuidora – ou mesmo os agentes do ator – estivessem dando dicas para um repórter (no caso, um com uma certa experiência em falar com personalidades do “show business”). Isso deve ser procedimento protocolar: uma lista de perguntas que eles gostariam que fosse incluídas na pauta (a expressão até é de uso corrente em inglês: “question sheet”) – não me senti nem um pouco “diminuído” profissionalmente com isso. Mas o que me incomodou nisso foi o descaramento com o que o “bom-mocismo” das celebridades agora costuma vir à tona.

A reflexão ficou ainda mais interessante quando vi a entrevista recente de Kanye West ao jornalista e crítico Jon Caramanica, do “The New York Times”. Se você passar (ou mesmo se já passou) os olhos sobre ela, vai ver que a primeira impressão é a de que o cara enlouqueceu. Não que Kanye tenha sempre tido um comportamento exemplar – das megalomanias pessoais ao curioso relacionamento com Kim Kardashian (com quem ele acaba de ter uma filha batizada de, hum, North, ou “Norte” em português), ele nunca deixou de ser histriônico. Mas no “New York Times”, jornal com o qual ele se recusou a falar quando lançou o álbum “My beautiful dark twisted fantasy”, em 2010, ele dessa vez extrapolou.

Para te dar alguns exemplos de suas “aspas”, recorri a uma lista feita pela revista “New York”. Aqui vão eles, na minha tradução sempre apressada:

- “Eu sou sem dúvida, você sabe, o Steve (Jobs) da internet, da cidade, da moda, da cultura. Ponto. De longe. Eu honestamente sinto isso porque o Steve morreu”.

- “Eu tenho tanta credibilidade, sou tão influente e relevante, que vou mudar as coisas”.

- “Eu sou da linhagem de Gil Scott-Heron, dos grandes artistas agitadores. Mas também sou da linhagem de Miles Davis – você sabe, que gosta de coisas bonitas”.

- “Eu serei o líder de uma empresa que ainda vai valer bilhões de dólares, porque eu tenho as respostas. Eu entendo a cultura. Eu sou o núcleo”.

A gente tem que tirar o chapéu: o cara é uma metralhadora de provocações. E por conta disso, a imprensa americana tende a sempre ridicularizá-lo. Mas, como meu ídolo Sasha Frere-Jones perguntou há poucos dias na “The New Yorker”, “por que tanta gente adora se irritar tanto com Kanye West”? Numa lúcida resenha sobre seu novo disco  – com o modesto título de “Yeezus” –, Frere-Jones ousadamente lança-se numa defesa do músico: “Numa época em que empresas de relações públicas estão tentando anexar o jornalismo como mais uma ferramenta de promoção, dar uma entrevista esquisita atrás da outra é uma forma de rebelião, fracassando novamente a missão de projetar um profissionalismo insosso”.

Agora responda (e nem precisa ser um jornalista para acertar): entre entrevistar um artista que está programado para respostas totalmente previsíveis para perguntas que ele já aprovou de antemão ou um outro que pode disparar qualquer coisa num encontro que não foi roteirizado – quem você escolheria?

Por compromisso profissional, claro, eu certamente entrevistaria os dois – como já foi o caso nesses “acanhados” 25 anos de profissão. Mas eu não tenho nenhuma dúvida de qual seria a situação mais divertia – nem de qual renderia um material mais interessante. Talvez porque, desde os meus primórdios na MTV Brasil, eu tenha sido acostumado à irreverência das estrelas do rock, é exatamente isso que eu espero de ídolos que são criativos e geniais. Mas, nos últimos tempos, tenho notado uma sutil mudança de comportamento – e não só nas estrelas de Hollywood, mas mesmo nos nossos artistas mais queridos.

Qual foi a última vez que você viu um ídolo seu ser realmente irreverente? Dizer uma coisa inesperada? Lançar – ou mesmo esboçar – uma transgressão? Quando você vê uma dessas superestrelas numa entrevista, pode apostar que ele ou ela está dizendo a coisa mais previsível que você pode imaginar. É sempre alguma coisa para agradar os fãs, para reforçar a “boa imagem” do próprio artista, para passar uma mensagem positiva – enfim, para não dizer nada!

Poucos são os que chegam ao exagero de (nada sutilmente, como Brad Pitt) sugerir perguntas previamente combinadas. Mas não são raras recomendações – sempre lançadas casualmente pelas pessoas em torno do artista (jamais por ele mesmo, ou ela mesma) – de assuntos que ele ou ela não vai falar. Você, quase sempre, quer demais a entrevista – já que certamente aquela celebridade vai te trazer leitores, ouvintes, telespectadores, internautas… – e acaba encarando o esquema (na esperança perene de que a gente consiga fugir dessa armadilha, como às vezes é – se consegui uma espontaneidade de Madonna, tudo é possível!). Mas esse não é problema.

A questão é que os artistas não estão mais a fim de arriscar nada. Os megacantores e cantoras, os superastros das telas, as pessoas que vivem de imagem – tudo na carreira deles hoje em dia envolve tanto dinheiro, que um deslize pode por tudo a perder. Mesmo que isso signifique deixar um compromisso artístico de lado, o que importa mesmo nesses nossos tempos delirantes é agradar. Um “louco” como Kanye West é, infelizmente, uma espécie em extinção. Mesmo no nosso cenário, é só olhar para trás para ver que artistas que nos instigavam não só com sua arte, mas também com suas ideias já não estão mais conosco – pense em Cazuza, Renato, Cássia, e até mesmo Chorão. Ou ainda, tente lembrar de um artista recente que te impressionou numa entrevista – aliás, tente lembrar de algum que fez um pronunciamento relevante sobre os recentes protestos nas ruas pelo Brasil…

Bom, acho que já temos material suficiente para pensar por hoje. Escrevi tanto que acho que seria demais até pedir sua atenção para minha opinião sobre o novo filme de Brad Pitt – então vamos deixar isso para segunda-feira? Até porque, semana que vem pode ser até que eu consiga então fazer uma entrevista com ele – se não no Brasil, num outro canto mais sossegado do mundo. Isto é, se seus assessores não se incomodaram com o que eu disse aqui hoje.

 

O refrão nosso de cada dia
“Dumb ways to die”  – só para variar, o refrão de hoje não é exatamente uma canção, mas um jingle. Esse vídeo ganhou o grande prêmio de propaganda para a TV no festival de Cannes, esta semana – e é fácil entender por quê. A mensagem foi criada para uma campanha de segurança nos trens australianos e consegue passar a mensagem com eficiência máxima. Não apenas por conta da animação simples e cativante (mais de 50 milhões de acessos não podem estar errados), mas também pela ótima música – que eu diria até que pega alguma coisa emprestada de “Changes”, de David Bowie. Mas eu, você já sabe… divago!

O país do futebol

qui, 20/06/13
por Zeca Camargo |
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“Você pode reparar, quando aparece algum estilo com a grife ‘universitário’, pode esperar por algo abominavelmente ruim, malfeito e postiço. Nada é de verdade. Tudo vira um pastiche horroroso. Tudo em nome de uma estrambólica brasilidade.”
Lobão, “Manifesto do nada na terra do nunca”

Esse trecho do livro recente de Lobão, um delírio quase fascinante, veio à minha cabeça quando estava vendo os protestos da última segunda-feira. Para colocá-lo no contexto certo, ele não se refere aos acontecimentos recentes – nem poderia! -, mas aos gêneros musicais que se apropriam do adjetivo “universitário”, por mera aproximação. Mas achei apropriado começar uma reflexão sobre os acontecimentos recentes com essas palavras de Lobão. Vamos ver se eu consigo explicar porquê.

Mas antes, ainda que não sem um constrangimento, sinto-me na obrigação de esclarecer que este é um espaço onde se discute cultura pop. Os protestos que começaram com mais força na última quinta-feira talvez nem chegassem a ser um assunto adequado para cá se eles não tivesse entrado de fato no universo pop, servindo de referência para um sem número de pessoas envolvidas com a cultura. Gente que gosto geralmente de acompanhar, de escritores (como Antônio Prata) a humoristas (como Rafinha Bastos) – mais sobre eles daqui a pouco. O que só aconteceu, efetivamente, depois da tarde de segunda – quando, aliás, eu já havia postado meu texto sobre o fim da MTV Brasil.

Senti um certo incômodo de algumas pessoas por não ter me dedicado já na segunda de manhã aos protestos mas, se você ler nas entrelinhas, um texto que falava que tudo tem limite e que é importante perceber quando se vive de excessos – e não ficar só dançando enquanto a música estiver tocando era, decerta maneira, até premonitório. Mas não quero contar vantagem… Ademais, se o movimento pelo Brasil não tivesse tomado as proporções que tomou, posso garantir que eu seguiria focando nossos assuntos aqui na pauta da cultura pop. Porque ela não para – avança inexoravelmente, alheia a qualquer movimento social. Duvida? Pois não foi com surpresa que, no relatório que recebo periodicamente sobre quais são os TTs do dia (TT, esclarecendo, é a abreviação de “trending topics”, uma expressão que define quais são os assuntos mais comentados pelo Twitter) – enfim, não foi com surpresa que vi na última segunda, ao lado de “topics” como “Faria Lima” (onde a multidão se concentrou em São Paulo) e “Praça Sete” (referente aos protestos em Belo Horizonte), temas como #AskFly (onde fãs da nova banda brasileira, Fly, eram convidados a fazer perguntas aos seus ídolos – nunca ouviu falar da Fly?) e #Faltam20diasDVDLuanSantana (acho que não preciso explicar, né?).

No dia seguinte, com o país acordando de um enorme triunfo popular – como as manifestações provaram ser – e, em sua grande maioria pacífica, o relatório de TTs novamente não me decepcionou. Ao lado de assuntos como #TodosUnidosPorUmBrasilMelhor, Praça da Sé (local da concentração da manifestação de terça em São Paulo) e Palácio (o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo Paulista, que foi cenário de alguns dos protestos mais violentos no dia anterior), lá estavam #DareiMeuArParaVocêRespirarLS (trecho de uma nova música de… Luan Santana) e o enigmático #IgorDoaUmIngressoDa1DProHiago (cujo significado talvez seja truncado demais para você entender aqui – a não ser, claro, que você seja fã do One Direction e dos cariocas da P9, outra banda que acho que estou te apresentando agora…).

Não estou dizendo que um assunto é mais importante que o outro – são escalas diferentes e eu respeito isso. Afinal, dificilmente alguém seria capaz de recrutar uma fã do P9 (que, a título de curiosidade, pronuncia-se “pínaine”, como se fala em inglês a abreviatura de Posto 9, sim, uma referencia ao bairro se Ipanema, zona sul do Rio da Janeiro, bem distante da Assembleia Legislativa da cidade, que foi depredada nos protestos cariocas), ou mesmo uma admiradora de Luan Santana, para cantar “o gigante acordou” e “acorda, Brasil” em coro com dezenas de milhares de pessoas. Mas, se é que TT é uma estatística realmente relevante, isso só mostra que, ao mesmo tempo em que uma parte dos jovens sai às ruas para mostrar sua indignação com várias coisas – o estopim foi o aumentos das tarifas nos transportes públicos, mas não demorou para as reivindicações abraçarem outras causas, da PEC 37 (e se eu precisar explicar o que é isso para você, aqui vai uma dica: agora só faltam 17 dias para o lançamento do novo DVD de Luan Santana!) , os gastos com a Copa, e até a corrupção em geral -, enfim, se esse é um anseio de parte dessa geração, existe uma outra facção que tudo que ela reivindica é fazer sua pergunta chegar à banda Fly. Ou será que são a mesma coisa? Se você tem algum problema com isso, melhor nem ir adiante no texto de hoje…

Que aliás, nem vai muito adiante mesmo. Longe de ser um manifesto, espero com este post apenas jogar uma questão: apesar da indiscutível validade de uma manifestação como essa – e da importância que ela traz para a construção da democracia no nosso país – eu pergunto se ela é mesmo 100% genuína. Antes de você vir com pedras, deixe-me apresentar alguns argumentos.

As passeatas que vimos – e quando uso a primeira pessoa do plural, coloco-me na mesma posição que você, telespectador que acompanhou tudo pela TV e pela internet – foram, como sugeri, em sua maioria pacíficas. Condenáveis (e oportunistas) atos de vandalismo eram criticados pela maior parte dos manifestantes. Assim como a apropriação do movimento por qualquer que fosse o partido político – uma característica inédita e refrescante que essa manifestação trouxe. Mas além dessas qualidades, o que mais essas pessoas que foram voluntariamente se juntando à manifestação queriam? Protestar contra tudo – era o emblema mais comum. Mas tudo mesmo? Numa lembrança dos meus tempos universitários, recordei-me agora de uma regra de ouro que uma professora de marketing me ensinou numa aula quando, numa referência a um produto que gostava de dizer que tinha 1001 utilidades, ela disse: aquilo que serve para tudo não serve para nada… Seria essa a tônica dos protestos também?

Num dos textos mais lúcidos que li esta semana sobre o assunto, o escritor Antonio Prata, escrevendo na “Folha de S.Paulo”, descreveu bem essa, digamos, dissonância cognitiva: “Sejamos francos companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e vem, humilde ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância”. E ainda completa: “Duzentas mil pessoas de esquerda, de direita, de Nike e de coturno por causa da tarifa?”. Tal perplexidade se tornou ainda maior quando, ontem mesmo, depois que o governo paulista e a prefeitura paulistana terem decidido conjuntamente revogar os aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus, uma das porta-vozes do Movimento Passe Livre, Mayara Vivian, anunciou numa entrevista suas próximas metas: lutar pela reforma agrária e pela reforma urbana! Oi? Alguém aí falou em “foco”? O que aconteceu com as bandeiras de corrupção, melhor educação, e melhorias inclusive na própria condição do transporte urbano? Existe mesmo alguma coisa que unifique todos esses movimentos populares? Foi aí que me lembrei da citação de Lobão, que abre o texto de hoje. Repito: ele se refere a movimentos musicais com a “grife” de “universitário” acoplada – pense em “sertanejo universitário”! Mas, por extensão, quem disse que, parafraseando Antonio Prata, os Nikes não se juntaram ao coturnos por uma mera contaminação da grife universitária?

Não questiono de maneira alguma a validade da mobilização – pelo contrário, como cidadão, só posso festejar a simples possibilidade de ela ter acontecido. Mas como ela vai se encaminhar daqui para frente é o que vai definir se ela foi um mero frisson cultural coletivo – como alguém que excitadamente cola um adesivo escrito “Eu vou” no vidro do seu carro – ou um momento de reflexão séria de uma sociedade, ou melhor, de uma geração que aprendeu a exigir respeito e cidadania – se cansou de achar que somos apenas o país do futebol. Se caminharmos para a primeira opção, riremos com mais desconforto do que graça das piadas de Rafinha Bastos sobre o assunto – ele, que na sua apresentação dessa Semana da Comédia do YouTube, se dedicou aos protestos de São Paulo de maneira brilhante e, acredite, engraçada (meu trecho favorito: “Nesse momento meus senhores, são mais de 64 mil pessoas no Largo da Batata. Vocês sabiam disso? 65 mil pessoas? Isso são exatamente 100 pessoas a mais do que costuma ter o Largo da Batata nesse horário do dia”). Se formos pelo segundo caminho, quem sabe não conseguimos mais credibilidade para as próprias reivindicações que estamos pleiteando – lembrando sempre que a mais simples e direta forma de protestar é com seu voto?

Estarei, como você, assistindo de perto ao desenrolar da História…

O refrão nosso de cada dia: “És largo el camino”, Ana y Jaime

“You say you wanna a revolution. Well, you know”… Pegando o gancho dos Beatles – e dos protestos da semana – apresento aqui a melhor canção de protesto de todos os tempos. Na verdade, a única que me faz chorar. Gravada nos anos 60 (claro), por dois irmãos colombianos – Ana e Jaime. Não digo que funciona para todo mundo, mas se tem algo que me emociona é ouvir Ana cantando: “tu eres mi amor, el mundo de hoy, cambiando en el grito”. Será que funciona na Avenida Paulista?

 Foto: Davi Pinheiro/Reuters

Antes do tempo?

seg, 17/06/13
por leticia.mendes |
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Escrevendo sobre o novo disco do Daft Punk num número recente da revista “Time”, Jesse James cita uma frase da revolucionária coreógrafa americana, Martha Graham: “Nenhum artista está à frente do seu tempo – ele é seu tempo; são os outros que estão atrás do tempo”. A ideia, claro, era falar que o Daft Punk está há 20 anos no seu próprio tempo – como todo artista que vale alguma coisa tem que estar (pense em Bowie, que faz a mesma coisa há mais de quatro décadas; ou Madonna, que é assim desde o início dos anos 80). Mas não resisti à tentação de estender esse conceito, diante da notícia que circulou com mais intensidade na última semana, e que deixa pesarosa mais de uma geração de amantes do pop (e mais ainda este que vos escreve, e que fez parte do início desta história): a MTV Brasil, como a gente conhece, está prestes a terminar.

O que vai exatamente acontecer depende da fonte que você estiver lendo. Como ninguém no Brasil faz reportagens de verdade sobre televisão – uma vez que o assunto aqui sobrevive de “notinhas” e opiniões, mas não de investigações aprofundadas –, sei tanto quanto você sobre os destinos da MTV Brasil. Pode ser que hoje, segunda-feira, haja uma leva de demissões. Pode ser que ela vire um canal exclusivo de TV paga. Pode ser que ela só seja uma repetidora de clipes e arquivos (o que, para mim é até motivo de comemoração, uma vez que, se isso realmente acontecer, vou ter mais chances de ver entrevistas “históricas” que fiz com luminares da música como Renato Russo e Kurt Cobain). Pode ser que ela se reinvente e conquiste uma nova geração de fãs. Mas em qualquer uma dessas hipóteses, o que é certo é que nada será como antes. Como, aliás, já não é há muito tempo…

Há uma palavra em inglês que gosto muito – e cuja transição para o português, como sempre (“traduttore, traditore”, não é?), trai um pouco seu significado original: “fizzle”. Se você procurar uma tradução (online mesmo), vai achar definições como: “malogro”, “fiasco”, e até “assobio”. Mas uma consulta a um dicionário de inglês para inglês mesmo (tipo o Oxford), “fizzle” aparece como algo que termina num desfecho decepcionante depois de um começo promissor. Assim, tipo MTV Brasil.

Para você que me acompanhou nestes três parágrafos na expectativa de ler alguma coisa sobre “O grande Gatsby” e “Mad men” – como eu tinha prometido falar na semana passada –, obrigado pela paciência. Como você vai ver mais adiante, não vou fugir tanto assim do assunto. Gostei de “Gatsby” e mais ainda de “Mad men”, como vou desenvolver melhor daqui a pouco. Mas esses dois fenômenos pop (o filme, com sua bilheteria de US$ 140 milhões só nos Estados Unidos, e a série com uma coleção de elogios que só perde talvez para “Os Sopranos”) têm uma coisa em comum que curiosamente me remeteu aos últimos dias da MTV – e, indo ainda mais adiante na licença poética, ao cenário cultural do Brasil: são retratos de períodos de excessos e que estão prestes a entrar em colapso.

Dificilmente vou achar alguém para defender comigo a ideia de que a MTV Brasil estava no seu auge, em pleno 2013. Porém, embora ela estivesse longe de irradiar o mesmo impacto daquele início dos anos 90 (sua estreia, só lembrando, foi em 20 de outubro de 1990), até hoje o canal continuava a ser uma razoável fonte de talentos. Se nesses quase 23 anos nossa MTV dificilmente pode dizer que estourou uma banda nacional (um feito praticamente rotineiro na história da MTV americana), ao menos o canal brasileiro pode se orgulhar de sempre ter exportado talentos – a modéstia me impede de dar exemplos, mas tenho certeza de que você já tem esses nomes na sua cabeça… E, nesse sentido, a MTV Brasil sempre foi aquilo que Martha Graham disse: um “artista do seu tempo”. Aquela força criativa que estava presente desde a sua origem (que presenciei de perto) sempre aparecia em um ou outro aspecto de sua programação – o “canto do cisne”, a série “A menina sem qualidades”, é a prova mais recente disso. O que terá acontecido então?

Uma explicação possível é que as inovações que ela apresentava perderam consideravelmente sua força. Na verdade, eu diria que elas foram diluídas – estão espalhadas por todas as TVs, já incorporadas e boa parte dos programas que querem fazer alguma coisa diferente. Outra possibilidade, menos otimista, é o que podemos chamar de “maldição de Martha Graham”: a MTV Brasil deixou de ser uma “artista de seu tempo”, ou ainda, passou para a ala dos que, como definiu a coreógrafa, estão atrás de seu tempo.

Uma das coisas mais cruéis da cultura pop é que ela tem prazo de validade. É triste, mas é verdade: de Gera Samba a Oasis, a realidade é que se você faz sucesso, você está fadado à extinção. Exceções existem: a já citada Madonna, Ivete, Angelina Jolie… Mas para cada estrela que sobrevive mais de uma temporada, centenas de outros talentos perecem. As variáveis que definem o êxito ou o fracasso são quase sempre imprevisíveis – e não tenha dúvida de que quem aprende a se reinventar tem sempre chances melhores de continuar relevante. Mas a máquina trituradora do pop é implacável. E não é nem uma questão de credibilidade: é fácil prever que uma banda tão superficial como, digamos, as Spice Girls teriam uma vida curta. Mas nem o “rock sério” escapa – e um bom argumento a favor disso é o número recente do “NME”, celebrando os “anos dourados” do “britpop” (mais ou menos, de 1994 a 1997). Em uma das matérias do semanário mais influente da música britânica, eles convidam vários artistas, escritores e jornalistas para apontar os “culpados” pela morte do movimento: de cocaína a Tony Blair. Independente do ponto de vista de cada um, fica claro que mesmo um dos movimentos mais sólidos do rock (que era representado, entre tantos nomes, por Blur, Oasis, e Radiohead) tinha, desde seu início, seus dias contados. É assim…

Nesse sentido, as mais de duas décadas da MTV Brasil é sim uma história de sucesso. O fôlego vinha faltando, é verdade. A vertente do humor, que surgiu como uma boa alternativa à programação musical (assim como a saída dos “realities” tipo “Jersey shore” foi uma boa solução para a MTV americana), foi a última braçada do canal em águas turbulentas, mas eu não diria que a MTV Brasil morreu na praia. Ela sai da água não com a cabeça baixa, mas com um legado considerável, cujos ecos ainda vamos ouvir por um bom tempo.

Mas, para usar mais uma vez a expressão em inglês, ela “fizzled”. Aquela promessa do início por mais de uma vez pareceu que ia explodir, mas ficou por isso mesmo. Guardadas as proporções, ela viveu até recentemente, um tipo de “exuberância irracional” – cujo ponto alto foi o show, no ano passado de Wagner Moura à frente do Legião Urbana. Era a MTV celebrando o poder da música (pedindo licença a Renato) “como se não houvesse amanhã”. Aquela noite funcionou como um delírio catártico, que parecia acontecer longe de tudo. Todo o cenário mudando em volta e ali no palco uma celebração vitoriosa daquilo que a música é capaz de fazer: nos transformar. O apocalipse batia à porta, mas a banda continuava tocando.

Como nas festas de Gatsby ou nos “happy hours” de Don Draper, em “Mad men”. Com que prazer assistimos a cenas como essas – seja pelos excessos alucinados de Baz Luhrmann (que achei uma escolha certíssima para refilmar essa saga americana), ou pela preciosidade da dramaturgia de “Mad men” (quem foi mesmo que disse que se Shakespeare estivesse vivo hoje ele estaria escrevendo para a TV americana?). Aos olhos de quem vive nos excessos da segunda década do século 21, os exageros dos anos 20 e 60 do século 20 parecem pura alucinação – mas só porque estamos vendo de longe. Se você perguntasse para o próprio Gatsby ou para Draper se eles percebiam o que estava prestes a acontecer, a resposta certamente seria um não. Assim como se nós olharmos para os lados, teríamos dificuldade de sacar que… o fim está próximo. Não “O FIM” no sentido mais categórico, cataclísmico. Mas a farra está para acabar…

Todo mundo está se divertindo – e eu acho isso ótimo. Mas sem querer parecer um estraga-prazeres, as coisas estão indo numa velocidade que daqui a pouco vai jogar contra toda essa animação, levando todos nós ao que gosto de chamar de “crise de conteúdo”. Então a MTV Brasil vai fechar – mas as más notícias não param por aí. Tem revistas que também estão prestes a acabar. Todo mundo acha o máximo que não é mais preciso mais pagar para ouvir música – e a atitude com relação aos filmes caminha na mesma direção. A TV está tentando entender como se adaptar aos novos tempos. Jornais estão fechando e sites de notícia se enfraquecendo (quando um site começa citar outro site como “fonte”, é porque a coisa está feia…). Todo mundo está sempre rindo da mesma piada. E quem é que vai produzir conteúdo? Netflix? YouTube? Colunas de fofoca? Sua página do Face? (Este é outro ponto crítico, prestes a entrar em ebulição sem que as pessoas envolvidas  percebam, justamente porque estão tão dentro do processo – suas vidas cada vez mais devassadas e menos interessantes, acabam se tornando narrativas vazias, construídas do mesmo argumento, e ilustradas com a mesma pose que todos fazem para a foto: o ombrinho de lado, o cabelo das meninas caídos, os meninos cruzando os braços para realçar os bíceps que não têm, a falsa intimidade dos casais ou das turmas definida pelo tamanho reduzido da tela de um smartfone… mas eu, claro, divago…).

Estamos exatamente no meio de uma dessas “exuberâncias irracionais” e, insisto, a banda continua tocando. Se soo um pouco reacionário é porque justamente a música está alta demais para você ouvir – ou então você só quer dançar, dançar, dançar… Mas até quando? Nesse ritmo, logo perderemos a noção do que é ser dono do tempo – e viveremos eternamente atrás dele: reciclando o que já foi moderno, numa ilusão reconfortante de que somos super descolados. OMG!!!

O refrão nosso de cada dia

“I didn’t mean to hurt you”, Felt – a notícia de que Maurice Deebank estava finalmente lançando um novo disco mexeu com minha nostalgia. Quem? – você deve estar se perguntando. Deebank era o guitarrista de uma das minhas bandas favoritas dos anos 80 – Felt. Imediatamente encomendei o CD pela internet e aguardo ansiosamente sua chegada para matar a saudade. Uma vez que “Inner thought zone” é bastante instrumental, devo sentir falta dos vocais excêntricos de Lawrence – o cantor e líder do Felt -, mas a chance de ouvir as sofisticadas harmonias de Deebank é boa demais para deixar passar. Mas do que eu estou falando? De uma banda que é do tempo em que ainda se produziam músicas originais! Quem ainda está interessado nisso? (Em tempo, se você estiver interessado nisso, procure ouvir também outra canção genial do Felt, “Ballad of the band” – dura menos de três minutos, mas é a pura perfeição pop).

Exuberância irracional

qui, 13/06/13
por Zeca Camargo |
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Encontrei uma curiosa semelhança entre “O grande Gatsby”, de Baz Luhrman, e a série “Mad men”. Eu sei, eu sei: “descobrir” esta preciosidade da TV a essas alturas é falha grave de um espaço que pretende acompanhar a cultura pop corrente – afinal, em que ano estamos, 2007? Porém, confinado em minha casa recentemente, por uma questão de saúde, resolvi ver então a primeira temporada da saga de Don Draper – menos por curiosidade voluntária, do que por uma cobrança de uma cara amiga, que havia me emprestado os DVDs e os queria de volta. Estava “à toa” mesmo, por que não? Preciso dizer o que aconteu? Fiquei completamente fascinado! E quis o destino que, praticamente na mesma semana que fui transportado ao universo das agências de propaganda da Madison Avenue, na Nova York dos anos 60, fui também conferir “Gatsby”.

O que une esses une essas duas histórias? Bem, por razões que você pode bem imaginar (sim, viagem – conto com sua compreensão), tenho que deixar esta resposta para a semana que vem. Mas se você já viu o filme e passou o olhos sem pelo menos um episódio de “Mad men”, pode talvez arriscar um comentário. O título do post de hoje já é uma boa pista… Até segunda.

O refrão nosso de cada dia: “Set adrift on memory bliss”, P.M. Dawn - Adiantando um assunto que devo falar aqui em breve, mais de uma roda de conversa que participei esta semana falava do fim da MTV Brasil – pelo menos como a gente a conhece há, hum, quase 23 anos. O tema, como você pode imaginar, é denso – ainda mais para mim, que participei da sua criação (sempre é bom lembrar os mais jovens disso…). Mas, apenas para registro, deixo aqui hoje esta música que é “do meu tempo”, quando eu trabalhava lá e achava ligeira graça em ver fazer sucesso um “sample” de um sucesso antigo da própria MTV (no caso, “True”, do Spandau Ballet). E por falar em metalinguagem, o próprio título da canção de P.M. Dawn (em português, algo como “À deriva na alegria da memória”) tem a ver com uma certa nostalgia da MTV dos velhos tempos, não é mesmo?

Quando foi que você ouviu um disco inteiro pela última vez?

seg, 10/06/13
por Zeca Camargo |
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Então, fui assistir a “O grande Gatsby” – e… Bem, não vou escrever sobre ele aqui hoje. Os fãs de Daft Punk podem respirar aliviados, pois finalmente encontrei tempo e espaço para falar de “Random access memories”, o novo (ou talvez já nem tão novo assim) álbum da banda. Sei que estou ensaiando há semanas tocar nesse assunto – e o adiei por mais de um motivo, desde minha “paralisação criativa” diante de um trabalho tão bom (mais sobre isso, daqui a pouco) até uma enxurrada de distrações que o mundo pop nunca cansa de nos oferecer. Quase desisti de falar de “Random”, com receio de que o assunto tivesse ficado velho, mas insisto nele agora – e também por mais de um motivo: desde a cobrança (leve) de alguns leitores deste espaço até uma inesperada inspiração, que surgiu esta semana quando tirei uma manhã para ouvir algumas coisas que tinha trazido de uma viagem recente a Nova York (a saber: Ex-Cops, Savages, Queens, Har Mar Superstar, Palma Violets – você sabe, os suspeitos de sempre).

Tal inspiração – na verdade, uma inquietude – veio do fato da percepção de que eu mesmo não ouvia um álbum inteiro havia muito tempo. E eu adoro álbuns! Se o meu comportamento, em junho de 2013 era assim, como seria o da maioria das pessoas que ouve música hoje? Será que alguém ainda tem tempo – leia-se, paciência – para ouvir um disco inteiro? E perceber que ele é uma obra só – e não um punhado de faixas juntas? Indo mais adiante na filosofia: será que ainda faz sentido ouvir um álbum do começo ao fim? Essa é a pergunta que eu vou jogar para você no final do texto de hoje. Mas antes, resolvi fazer uma pesquisa com os próprios títulos que eu tinha à minha disposição.

A última vez que fiz pelo menos o exercício de escutar discos inteiros foi nas minhas férias recentes na Islândia. Viajando pelas estradas geladas do sul do país, escutei no som do carro que me levava as dezenas de álbuns que havia comprado. Embora eu estivesse prestando a devida atenção – em nome de possíveis descobertas de artistas incríveis que eu nem suspeitava que existiam –, meus ouvidos eram constantemente distraídos pela gloriosa paisagem branca ao meu redor. Tudo que eu registrava era uma “impressão geral” do trabalho dessa ou daquela banda – e com base nisso decidia se levava um determinado CD ou o “abandonava” no quarto onde estava hospedado. Mas não posso dizer que estava “ouvindo álbuns” – como eles, imagina-se, são concebidos para ser ouvidos. Se é que – insisto – eles ainda são criados assim…

Com seis títulos na minha frente, resolvi verificar empiricamente se isso ainda era verdade – e comecei por uma banda que quase me fez acreditar que sim: Queens (atenção para o plural… não vá confundir com aquela do Freddie Mercury…). Adquiri esses últimos álbuns, como disse, em Nova York, mais especificamente na Other Music (que aqueles que vêm sempre aqui sabem que é minha loja favorita de CDs – no mundo!). Uma recomendação da OM (para os íntimos) é uma ordem – e o Queens estava lá na prateleira de destaques, com o devido esclarecimento de que o cara por trás da banda, Scott Mou, fazia parte da equipe da própria loja. Logo, eu tinha a “obrigação” de comprá-lo e ouvi-lo como prioridade. “End times” é um álbum estranho, sombrio, cheio de climas – mas curiosamente uniforme. Por vezes tinha dificuldade em perceber que uma faixa tinha acabado e outra havia começado, mas longe de achar que isso era um defeito, considerei como um mérito do Queens. “Comprei” totalmente a proposta e avancei animado na minha pesquisa.

“Bye bye 17”, do Har Mar Superstar era minha próxima escolha, descaradamente pela bizarrice de sua capa. Quem seria aquele cara dançando de cuecas nas fotos? O cantor? Um guru indiano? Uma mera ilustração? Seria aquela linguagem visual uma alusão à música que eu estava prestes a ouvi?. Como logo descobri, apenas a suspeita de que aquela figura era mesmo o nome por trás de Har Mar Superstar – seu nome verdadeiro, Sean Matthew Tillmann – estava correta. As canções, para a minha surpresa, eram uma espécie de “neo soul”, e me pegaram quase que imediatamente. O “choque de expectativas” foi tão forte, que me senti indefeso diante da sedução daquelas músicas. E, mais uma vez, fiquei impressionado com a coerência do conjunto – e achei que estava indo bem na minha exploração.

O disco do Savages também me pareceu, pelo menos na primeira vez que eu ouvi, também bastante coerente. Como se diz lá no meu querido Portugal, essas meninas não estão aqui “a desporto”. Têm uma mensagem muito simples para passar: estão aqui, nervosas, para fazer algum barulho. Os ecos de “Husbands”, talvez a melhor faixa de “Silence yourself” (o trabalho de estreia) são ouvidos por todo o disco – ainda que nem todas as músicas tenham a mesma levada, hum, “dançante”. “Shut up”, que abre o álbum, com seu discurso de mais de um minuto antes de a própria música começar, me deixou bastante entusiasmado, mas foi só lá quase no final de “Silence yourself” que “Husbands” veio resgatar minha atenção. Ou seja, embora ele seja sedutor de início, o disco do Savages me pareceu mais um punhado de boas ideias – além das duas citadas, “City’s full” completa um sólido tripé – do que um “álbum de verdade”.

E o mesmo, logo senti, valia para “180”, a estreia de outra banda inglesa, Palma Violets. Com pinta de quem achar que o melhor do “brit pop” ainda está por vir (e não exatamente acabou no final dos anos 90), a proposta deles é quase enternecedora. Não digo isso com ironia. Em vários momentos, o Palma Violets lembra outras boas estreias britânicas: The Charlatans, Elbow, e até mesmo Libertines. Minha faixa favorita, “We found love”, é um bom raio-x das pretensões do Palma Violets – épica, pop, atrevida e “catchy” (ou ainda, fácil de gostar logo de cara) –, mas nem todas as faixas conseguem o mesmo efeito. “180” é, sim, quase um álbum, mas com incoerências que nos atrapalham a identificar um estilo único. Devo até ouvi-lo de novo – mas no iPod, onde eu posso pular as faixas (um gesto tão moderno que denota, justamente, a importância cada vez menor de um álbum como conceito).

Com “True hallucinations”, do Ex-cops, tive a mesma sensação – a de que vou ouvir tudo de novo com um “dedo nervoso” na tecla “shuffle”. Mas por um motivo diferente. Ao contrário de “180”, gostei de quase todas as faixas da estreia dessa banda nova-iorquina (a primeira lançada por um novo selo, da própria Other Music), mas elas dificilmente formam um conjunto. Ex-cops sai da alegria californiana de “Ken”, ao (que ironia) “brit pop” de “Separator”; ou do “folk” de “Spring break” ao “sub-Joy Division” de “Broken chinese chairz”. “True hallucinations” é daqueles discos que, sem querer, fazem uma cômica alusão ao seu título (no caso, “Verdadeiras alucinações”), mas, embora confuso é, enquanto álbum, uma boa promessa.

E finalmente chego a “Random access memories”, do Daft Punk – e esqueço tudo que havia ouvido antes. Deixei esse para o fim de propósito. Já havia escutado ele em partes – e não preciso nem falar que “Get lucky” já está instalado no meu “HD” há semanas (e, com um pouco de sorte, no seu também). E, de certa maneira, como inclusive já havia demonstrado aqui, tinha quase um “medo” de encarar seriamente um disco que fez um dos críticos que mais respeito, Sasha Frere-Jones (da “The New Yorker”), perguntar: “Boa música precisa ser boa?”. A expectativa – não só minha – ante a “Random” era tão grande, que o disco colocava uma espécie de armadilha dupla para quem quisesse escrever sobre ele: se alguém gostasse, seria mera “babação de ovo”; se alguém não gostasse, seria puro desdém de quem não entendeu um trabalho tão sofisticado. Será que eu me arriscaria?

Essa saída – de olhar novos lançamentos sobre o prisma da questão de álbum hoje em dia (ser ou não ser?) – foi, confesso, uma espécie de proteção, uma maneira de falar “sem falar”, sem me comprometer demais… A questão é que eu não aguento disfarçar… Eu adorei “Random access memories”! Eu nunca ouvi um disco tão bom assim (pelo menos não neste século)! Eu tenho que resistir todos os dias à tentação de só querer ouvir isso! Eu tenho pena das outras bandas que estão tentando mostrar sua música na mesma época em que o Daft Punk lança alguma coisa! E eu só quero dançar “Get lucky” nas próximas festas que eu for!

Exclamações demais? O exagero, desculpe, é seu. Pois não há exclamações suficientes para elogiar os caras – Guy Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter. Em primeiro lugar, ele é a resposta definitiva do meu questionamento metafísico de hoje: sim, é possível e – mais que isso – necessário pensar em um disco como uma obra completa, que evolui a cada faixa, que desenvolve um conceito, que funciona melhor junto do que em partes separadas. “Random access memories” é algo que vale a pena esperar, que mostra que os dois “robôs” por trás daquela música gastaram muito bem todo o tempo em que ficaram elaborando cada som, cada “riff”, cada batida, cada refrão (cantado ou não), cada convidado ilustre (de Nile Rodgers a Panda Bear, passando por Julian Casablancas). “Devolva vida à música”, suplicam eles logo na faixa de abertura (“Give life back to music”), e aos poucos, é isso mesmo que o Daft Punk vai fazendo, seja em forma de homenagem (“Giorgio by Moroder”) ou de lamento (“The game of love”); “retrôs” (“Lose yourself to dance”) ou futuristas (“Doin’ it right”); só no piano (“Within”) ou com toda uma orquestra (“Beyond”) – pelo menos na introdução. Mas acima de tudo, “Random” tem “Get lucky”.

Acho que não ouço uma música tantas vezes seguidas desde “Hey ya!”. Ainda não cheguei à marca do sucesso imortal do Outkast – que, se eu acreditar no meu iTunes, já está na casa das 15 mil repetições. Mas quem sabe “Get lucky” não bate esse número? Afinal, ali está uma espécie de resumo de tudo de bom que já passou pelas pistas de dança nos últimos, hum, 35 anos! E, sem entrar em muita teoria, tudo pode ser condensado na frase musical que Nile Rodgers imprimiu para a faixa. Na exuberância que é “Get lucky”, os ouvidos menos atentos talvez não percebam que é exatamente essa sequência de umas cinco ou seis notas no final de cada refrão (“we’re up all night to get lucky”) que mexe com todo o seu corpo. Mas ali está toda a ciência e toda a sabedoria do músico que espalhou seus tentáculos em tudo quanto é ritmo dançante desde os tempos em que ele mesmo inventou uma banda chamada Chic (cujo disco de estreia, além sucessos como “Dance, dance, dance” e “Everybody dance” trazia também, inexplicavelmente, uma faixa chamada “São Paulo”, mas eu divago…). Só vou dizer, para encerrar, que “Random access memories” restaurou minha esperança de que a música pop não vai ser necessariamente só uma coleção de “singles” no futuro. Porque o Daft Punk já está trazendo ele para nós. E é melhor você não se atrasar…

Agora é sua vez: tem algum álbum recente que você acha que vale a pena ser ouvido do começo ao fim?

O refrão nosso de cada dia

“Turnt up”, Talib Kweli – foi uma recomendação recente que me fez comprar o último álbum de Talib – um artista de hip-hop que eu mal conhecia (apesar de ele já estar na ativa há alguns anos). Que surpresa sensacional! Foi ouvir “Prisioner of coincious” e gostar imediatamente de quase tudo – em especial desta faixa que é, digamos, um tanto “meta”, uma vez que sampleia um dos clássicos da própria arte de samplear: “Paid in full”, de Eric B. & Rakim – que, aliás, se você quiser conferir, vale a pena. Nem que seja pelo próprio sampler pioneiro que a dupla usou, de uma artista israelense até então pouco conhecida mundo afora, chamada Ofra Haza – que, aliás, se você quer mesmo se divertir (e ver que no pop nada se cria…), eu sugiro que procure ouvir também “Im nin’alu”. Que por sua vez, é uma versão repaginada de um grande sucesso “folk” da própria Ofra Haza, que eu achei no YouTube. Nossa! Onde isso vai parar?

Por que rir dos clássicos

qui, 06/06/13
por Zeca Camargo |
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Onze anos separavam a última gargalhada que dei com “Sai de baixo” da minha falta de ar que tive (de tanto rir) logo nos minutos iniciais da gravação do primeiro de uma série de quatro episódios do programa humorístico, que o canal Viva vai exibir nas próximas semanas, para celebrar seu terceiro aniversario. Sim, eu fui nessa gravação “quase histórica” na última terça-feira – e sim, isso significa, para o desespero dos fãs do bom pop (e da boa música em geral), que eu vou adiar para o próximo post nossa discussão sobre o novo álbum do Daft Punk, já contando com o fato de que eu devo assistir “Gatsby” este fim de semana e vou ter que negociar a tentação de escrever dele também… Mas isso é outra história: o adiamento do assunto de hoje é por uma causa justa. Afinal, quando é que se tem a chance de ver um elenco de comediantes que fez o Brasil rir por anos, junto novamente, se divertindo e divertindo a gente?

Para muitos pode soar como um certo saudosismo – e, em parte, é mesmo (eu, por exemplo, não sabia o quanto eu sentia falta de ouvir a Magda falando bobagens…). Mas, de certa maneira, ter revivido este momento tão marcante do humor na nossa TV abriu meus olhos para o fato de que, como em qualquer manifestação cultural (ou mesmo em qualquer forma de pensamento), olhar um pouco para trás faz bem. Por isso, além de me dedicar ao próprio episódio cuja gravação acompanhei, vou passar rapidamente por alguns clássicos do humor – apenas para provar que, longe de envelhecer, eles podem sempre servir de inspiração para quem diz que está fazendo um “novo humor”, quando está na verdade repetindo coisas do passado (e não exatamente seus acertos…). E demonstrar, parafraseando com toda reverência Italo Calvino, autor do livro “Por que ler os clássicos”, porque é importante rir deles.

Os que já estão na mesma faixa etária que eu (lembrando, estamos falando dos 50!) certamente devem se lembrar de um “Sai de baixo” da pré-história da TV (pense em final dos anos 60) chamado “Família Trapo”. O formato era o mesmo: uma família e seus agregados, juntos, com seus desafetos e paixões, numa receita de confusão. Sei que a nostalgia faz a gente achar (perigosamente) que tudo do passado era melhor, mas graças ao YouTube – onde você pode achar vários trechos de “Família Trapo” – é possível comprovar que eles eram de fato engraçados, independente do tempo (e do espaço!). O time era impecável – contava com a hilária Renata Fronzi, Otello Zeloni, Ricardo Corte Real, e “um certo” Jô Soares (mais sobre ele daqui a pouco). Ah! Contava também com Ronald Golias – que para sempre ficou marcado na minha memória como o personagem Carlos Bronco Dinossauro (é ele na foto ao lado). A química desse elenco é impressionante – nos remete mais uma vez ao “Sai de baixo”, e até mesmo ao “Porta dos fundos”! Mas o registro mais forte é que aquele time era realmente engraçado – e sem um mínimo de apelação (você acha que hoje, como já discutimos aqui hoje é difícil emplacar humor na TV sem palavrões e baixarias, imagine nos anos 60…).

Mais ou menos nessa época, eu me lembrava de ver na TV também um outro programa chamado “Balança mas não cai”, que é a matriz de 80% do que se faz de humor na TV até hoje – e é fácil entender o porquê. “Balança” era um sucesso estupendo de rádio, que migrou para a TV justamente no final dos anos 60 – e, nessa mudança de veículo, trouxe uma espécie de cacoete: um humor que foi criado no rádio, ou seja, para ser apenas ouvido, tinha que depender fortemente de uma marca sonora forte, algo que pudesse ser repetido sempre, lembrando as pessoas de que elas deveriam rir. Ali nascia, então, o bordão – que atravessa décadas como uma espécie de atalho para a piada no humor nacional. Alguns deles são bons, e marcaram época: o próprio “Balança”, já nos anos 60, lançou, entre outros, a assinatura da “burríssima” Ofélia – que só abre a boca quando tem certeza… Chico Anysio nos levou pelos anos 70 (e mais longe!) perguntando: “É mentira, Terta?”. Jô Soares – uma verdadeira usina de bordões – entrou pelos anos 80 fazendo o Brasil repetir frases como “Tem pai que é cego”, “Casa, separa, casa, separa, casa, separa”, e “Madalena, você não quer que eu volte”… Anos 90? Pense no “Casseta e Planeta” (Seu Craysson!). E até hoje nosso humor não consegue dispensar o bordão – quer ver? “Ai, hoje eu tô bandida!”.

Quando ele funciona, como nos exemplos citados acima, a associação ao riso é imediata – e duradoura (para dar mais um exemplo, Caco Antibes gritando “Cala a boca, Magda” entrou para o inconsciente coletivo do brasileiro). O problema é quando ele vira uma mera muleta – um disfarce para um texto que não é bom – sequer engraçado. E, aí sim, vira uma praga…

Nessa pequena retrospectiva que fiz do bordão, deixe propositalmente de fora um programa chamado “TV Pirata” – que talvez você se lembre… Eu, bem, não é que eu me lembre do “TV Pirata – eu sei alguns quadros de cor! Não deixei de fora porque ele não tinha bons bordões – alguém se lembra do “Barbosa”, de Ney Latorraca? Mas simplesmente pelo fato de que “TV Pirata” é uma estranha exceção: um programa que, ao contrário de tantos outros que se arrastam depois de já terem passado da sua melhor fase, nasceu, aconteceu e morreu – tudo no tempo certo. E por isso deixou tanta saudade. Tenho a convicção de que “TV Pirata” acabou na hora certa, antes que todo mundo se cansasse dele – inclusive o próprio elenco (que é o que mais acontece hoje em dia com programas que, no lugar de se reformularem, preferem apostar na mesma fórmula surrada…). Mas, mais do que isso, esse programa provou o que hoje muitos acreditam ser um paradoxo: que um humor inteligente pode ser popular.

Hoje em dia existem alguns bons exemplos disso também – o “CQC” é certamente um deles. Mas para cada ótima sacada de Marcelo Tas & Cia, existe um punhado de arremedos do formato que suplicam para ser engraçado. Porém, o resultado desse “esforço” (quem foi que disse mesmo que quando o humor fica complicado, é porque não é mais bom?) é um pastiche. Ou, como disse certa vez Marcius Melhem (na gravação de um programa sobre humor que fiz no ano passado para o próprio canal Viva), o que se vê muitas vezes é um bando de humoristas “fazendo gol com a mão”. Explico: o entrevistado que você pegou não rendeu uma graça? Tudo bem! Coloca um efeito sonora (buzina é sempre bom!), solta um palavrão, faz um efeito gráfico (pode ser uma luva de boxe na cara da pessoa) e finalmente olha para a câmera e puxa uma risada bem forçada! Voilá! Sua piada está pronta. O humor inaugurado já há alguns anos – com sucesso – pelo “Pânico” abriu uma nova esperança de renovação. Porém, como todo formato de humor, quem correu atrás disso simplesmente na cola dos “corajosos pioneiros” Vesgo, Silvio & Cia percebeu que ele também precisa ser constantemente reinventado.

E, por isso mesmo, é que é tão importante, como defendo aqui hoje, olhar para trás. Inicialmente pensei até em levar esse exercício do post de hoje também para o cinema – quando assisti ao terceiro “Se beber não case”, Zach Galifianakis mais de uma vez me fez lembrar de Jerry Lewis dos bons tempos. Mas isso, claro, ia nos tomar mais tempo e espaço. E eu ainda nem falei do “novo” “Sai de baixo”… Então, vamos a ele.

O primeiro elogio vai para Artur Xexéo. Convidado a escrever esses novos episódios, ele veio com uma solução brilhante para explicar essa reunião depois de 11 anos – isso mesmo, já faz esse tempo todo que você não vê o “Sai de baixo”! Como devem ser os grandes “revivals”, um a um os atores vão entrando em cena – para o delírio do público, que não consegue esconder o prazer do reencontro. Cassandra (a divina Aracy Balabanian), Vavá (o incomparável Luis Gustavo), Magda (como usar apenas um adjetivo para Marisa Orth?), e Caco Antibes (o grande – grande tá bom? – e mentor maior do humor na TV Miguel Falabella). Todos recebidos com uma enxurrada de aplausos, na platéia, e por um estranho mordomo francês (vivido pelo convidado especial Tony Ramos), no palco. Todos enfim estão de volta ao velho apartamento do Largo do Arouche (São Paulo), reunidos em um jantar em torno de um misterioso anfitrião. Que é, afinal, ninguém menos do que a nova proprietária do apartamento: Neide Aparecia, a empregada (interpretada pela debochada Márcia Cabrita, a cara da personagem na segunda fase do programa no ar).

Contar mais que isso – explicar como ela ficou rica – é tirar o seu prazer de assistir ao programa no ar (o primeiro episódio vai ao ar na próxima terça-feira. Mas basta dizer aqui que você vai ter o conforto de encontrar nele tudo de bom que você já conhecia do programa: o improviso, as falas erradas (as interrupções na gravação do dia que eu vi eram inúmeras, ainda bem, sempre “salvas” pelo diretor Denis Carvalho), os ataques de riso espontâneos do elenco, o enorme talento cômico de todos eles. E vai ver também o melhor de tudo que já foi feito no humor na TV: bordões (eu tinha me esquecido de “Eu quero sexo, sexo, sexo!”); brincadeiras com celebridades (Tony Ramos, garanto, não foi poupado); temas atuais (o tomate do jantar custa mais caro que caviar – e Caco Antibes ainda solta um hilário “Chupa, Feliciano!”); caricaturas (mais uma vez Caco Antibes, no caso, oferecendo uma descrição surreal de um salgadinho “de pobre”). Mas está tudo feito com talento. E com vontade. Tudo engraçado. E ninguém precisando “fazer gol com a mão”…

O refrão nosso de cada dia: “Husbands”, Savages - um aperitivo para nossa discussão de segunda-feira. Você já vai entender…

João livre

seg, 03/06/13
por Zeca Camargo |
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O Brasil não premia seus roteiros adaptados no grandes festivais de cinema – aliás, como diz a velha piada, já tem dificuldade em premiar os originais… Mas “Faroeste caboclo” certamente poderia inaugurar essa categoria. Uma ou outra notícia de internet dá conta de que o diretor, René Sampaio, bem como os autores do roteiro, Marcos Bernstein e Victor Atherino, “sacrificaram” a, hum, história original – tirada, como todo bom fã do Legião Urbana sabe, da poesia de Renato Russo. Eu diria que o que Ben Affleck fez com “Argo” é um pouco mais grave, em termos de adaptação – e, lembrando da música de cabeça, enquanto assistia ao filme, não me senti nem um pouco incomodado com as liberdades que “Faroeste” ganhou na tela.

A razão disso, claro, tem a ver com o fato de que o filme é bom. Imagine ter que atravessar mais de uma hora e meia ao longo de uma arrastada (e esticada) letra de música? No entanto, o que diretor e roteiristas conseguiram foi driblar um argumento familiar e vir com um filme que realmente vale a pena ver – fã ou não fã do Legião. Os personagens principais da saga estão todos lá: João de Santo Cristo (o ótimo Fabrício Boliveira); Maria Lúcia (Isis Valverde, que simplesmente não consegue dar um passo em falso na sua carreira – e aqui dá outra prova disso); Jeremias (Felipe Abib, sempre versátil e sempre bom). E novos rostos surgiram – por exemplo, Maria Lúcia ganhou um pai (e, diga-se, senador), interpretado por Marcos Paulo; e João foi brindado com um perseguidor implacável (e policial corrupto), vivido por Antônio Calloni. Toda a trama tomou uma forma mais interessante, e veio num caprichado acabamento visual – uma “bobagem”, por exemplo, como Maria Lúcia vendo as horas passar do alto do seu prédio em Brasília, remete a tons quase poéticos; e mesmo as cenas nos ambientes mais simples escapam da afetação do visual publicitário que vez por outra assombra nosso cinema.

Se alguma coisa me incomodou foi a inevitável aproximação da história de um certo filme, também recente, onde o personagem principal é um negro buscando vingança das injustiças que viveu – sim, você acertou, estou falando de “Django livre”, cujo título uso como referência para o post de hoje. O contexto é outro, sei bem. Enquanto Tarantino contava uma história que vomitava de volta os horrores da escravidão nos Estados Unidos, João de Santo Cristo vive num país onde essa questão já foi resolvida há muito tempo, não é mesmo? Mas olhe de perto: “Faroeste caboclo” se passa na Brasília do início dos anos 80, e o romance de João com Maria Lúcia é recebido não apenas com estranheza, mas com horror e chacota – e se essa é a reação dos amigos da mocinha, que curtem Clash e se soltam em shows do que parece ser o Aborto Elétrico, sempre regados a “drogas recreativas”, você pode fazer ideia da resposta do pai de Maria Lúcia quando ele descobre os dois dormindo pelados no sofá… As humilhações que João sofre, porém, são mero eco da própria tensão racial que matou seu próprio pai – assassinado friamente por um policial do interior da Bahia. Não é um país maravilhoso esse nosso?

A proximidade entre Django e João, no entanto, termina por aí. Sampaio resistiu à tentação de fazer um filme com bandeira antirracista (um tipo de obra que, como sempre me questiono, eu não entendo como não surgiu até hoje no Brasil) em favor de contar o que talvez seja a primeira grande saga brasileira moderna. Sim, estou ciente de que já fizeram um filme chamado “Cidade de Deus”. E, sim, tenho ainda bem fresca na memória as histórias dos “Tropa de elite” 1 e 2. Mas esses eram filmes com uma agenda – “Tropa”, sem dúvida, mais do que “Cidade”, mas mesmo assim… E, importantes e prescientes como eles são, “Cidade” e “Tropa” fulguram no contexto do cinema nacional como grandes murais realistas, como as grandes obras de Diego Rivera. Já “Faroeste”, que não tem essa pretensão, consegue um resultado mais delicado e ao mesmo tempo preciso. Quer ser jovem no Brasil de hoje? Quer se apaixonar, brigar com a família, “enlouquecer”, lutar para ter uma vida melhor, matar e morrer? Então essa é a cartilha que você deve seguir – pelo menos três décadas atrás. Se bem que eu não diria que as coisas mudaram muito de lá para cá…

“Faroeste” está longe da perfeição – e tem lá seus problemas de ritmo. (Uma longa sequência de “namoro” entre os protagonistas, ou melhor, quando João vira um “empresário”s da maconha,  vira quase um videoclipe para a deslocada “These boots are made for walking”, sucesso dos anos 60 na voz de Nancy Sinatra – um raro escorregão na geralmente estupenda trilha sonora do filme –, enquanto o estratégico envolvimento de Maria Lúcia com Jeremias, que é a base da virada da história, fica espremido no final). Mas é um raro filme nacional que vou recomendar com louvor – aqui e para meus amigos. Não para o exercício pernóstico de comparar com o original, mas para se entregar para um verdadeiro romance brasileiro, que não só tem uma boa direção, como interpretações preciosas.

Renato Russo teria aprovado? A ideia de adaptar o filme surgiu em meados dos anos 00, bem depois que o ídolo morreu – e desde que foi anunciado, fãs e críticos passaram a especular sobre a validade de um projeto assim. Como artista generoso que era, arrisco pensar que Renato ficaria orgulhoso de ter gerado um trabalho tão criativo e honesto. E talvez, mente inquieta que era, já começaria a pensar que ele mesmo poderia adaptar uma outra de suas canções para a tela. “Pais e filhos”? “Metal contra as nuvens”? “Andrea Doria”? “Quase sem querer”? A imaginação voa…

Tive sorte neste fim de semana com cinema – ou talvez estivesse simplesmente de bom humor. Além de “Faroeste caboclo”, fui conferir também a terceira parte de “Se beber, não case” – em parte porque, sim, gostei (ainda que relutantemente) dos dois primeiros filmes, e em parte porque ninguém estava achando muito boa essa conclusão, e eu queria conferir de perto. Assim, com essa expectativa um pouco confusa, fiquei meio chocado ao descobrir que, ao contrário dos filmes anteriores, o roteiro desse último não envolve uma noite de loucuras que nossos heróis Phil (Bradley Cooper), Stu (Ed Helms), e Alan (Zach Galifianakis) têm que retraçar para tentar descobrir o que aconteceu – e eventualmente resgatar alguém que está em perigo. A “Parte 3” é “simplesmente” uma história policial, daquelas que giram em torno de milhões de dólares em barras de ouro, assaltos e fugas fantásticas, e o vilão mais estranho dos últimos tempos no cinema, Leslie Chow (Ken Jeong) – ainda que, desta vez, somos misericordiosamente poupados de uma visão de seu nu frontal. Uma vez que você se acostuma a isso, seguir as aventuras desses caras fica fácil.

Você certamente não vai morrer de rir como das outras vezes – se bem que, como já comentei aqui, o que mais me fez rir nas produções anteriores eram as fotos que passavam junto com os créditos finais (e, por falar neles, fique até o fim nessa “Parte 3” – você não vai se arrepender). Mas de alguma maneira o nonsense das coisas que Phil, Stu e Alan falam um para o outro, nessa conclusão, me fez dar gargalhadas. Alan está ainda mais solto – como se isso fosse possível – e tem momentos brilhantes, como o que ele “saca” que o plano de Chow para invadir uma mansão no México não vai acontecer na maquete da casa, mas na construção de verdade (cena, aliás, que deflagra uma ótima sequência de pastelão com galos de briga ferozes – e alimentados apenas com cocaína e frango, segundo Chow, atacam o trio). E o romance que surge entre Alan e a dona de loja em Las Vegas – isso mesmo, eles voltam para lá… – beira ao mesmo tempo o teatro do absurdo e uma sólida história de amor.

Alguns de vocês talvez fiquem um pouco perplexos – se não decepcionados – de eu ter gostado de algo tão bizarro como “Se berber, não case – Parte 3”. Mas depois do tapa de realidade que foi “Faroeste caboclo”, um bafejo de bobagem veio bem a calhar. Ou será que você é tão sério – ou tão séria – assim que já esqueceu que o cinema é capaz de te despertar mais de uma emoção?


O refrão nosso de cada dia

“When a fire start do burn”, Disclosure – esta semana estava aqui bem quieto no meu trabalho quando chegaram, quase ao mesmo tempo, dois emails de colegas da Redação, com este mesmo link. Sincronicidade? “Febre de repartição” – aquelas coisas que alguém começa a mandar para todo mundo no escritório? Ou simplesmente a prova de que a boa música é contagiante? Eu ficaria com a terceira opção – e sugiro que você também se contagie. Nunca tinha ouvido falar desse artista inglês, que me deixou na dúvida se o som era original ou sampleado. Mas uma coisa é certa: o exorcismo do clipe é coisa braba…