Madonna, Paris, 2012 (parte 3)

seg, 30/07/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Viu o show de Madonna no famoso Olympia de Paris, na última quarta-feira? Eu estava quieto aqui no meu canto, quando o pessoal que me acompanhou na entrevista que fiz com ela na semana passada me mandou uma mensagem: “Madonna ao vivo agora no YouTube”. Conectei-me imediatamente e, antes mesmo de aproveitar para ver novamente a cantora brilhar, fiz uma pequena divagação sobre a maravilha que é vivermos uma época onde a tecnologia nos permite acesso a eventos assim. Para mim, que sou do tempo em que parte do barato de fazer uma viagem de mochileiro à Europa era torcer para que você esbarrasse em algum show que valesse a pena (internet, acredite, era uma coisa que não existia nos anos 80, ou seja, informações sobre bandas e artistas ou chegavam muito atrasadas para nós aqui no Brasil ou nem chegavam…), a possibilidade de assistir a um show com Madonna em HD na tela do meu computador era demais para a minha cabeça! Ao mesmo tempo em que eu queria ver o que ela mostrava aos franceses (eu sabia que seria um show diferente, mais compacto do aquele que eu vi no Hyde Park há duas semanas), eu agradecia por estar vivo nesses tempos tão modernos…

Mas eu, claro, divago agora da mesma maneira que divaguei na quarta passada – o que não é nada bom para começar um texto que fecha uma trilogia sobre a própria Madonna. O fato é que lá estava conectado ao Olympia como se não houvesse um oceano entre a cantora e eu, como se as músicas que ela cantava e as coisas que ela falava eram diretamente dirigidas a mim. Fascinante…

Se você não viu essa apresentação, pode escolher entre várias versões disponíveis na internet (encontrei uma boa, integral e em alta-definição, aqui). Tenho certeza de que você vai gostar – talvez até mais do que os fãs franceses que lotaram a casa de concertos onde já pisou um leque de talentos que vai de Edith Piaf a Lady Gaga, passando por Elis Regina, David Bowie, Cesária Évora, James Brown, Morrissey… (Como você deve ter conferido em inúmeros comentários, por incrível que pareça, teve gente que reclamou, xingou, vaiou, sempre aquele grupo que reclama da generosidade de um artista, mas vamos deixar isso para lá…). Eu mesmo gostei em especial da abertura (“Turn up the radio”), a “canja” em francês (“Je t’aime moi non plus”), de ouvir de novo o curioso arranjo de “Open your heart” (que ela fez com o trio Kalikan, do País Basco). Mas gostei sobretudo do que Madonna falou num intervalo entre músicas.

Por alguns minutos, a cantora elogiou fortemente a pluralidade da cultura francesa. “Pessoas diferentes sempre foram bem-vindas em Paris”, disse ela, “As artes e a criatividade vieram sempre para cá”. Fato. Madonna não só listou nomes de franceses e francesas notáveis que sacudiram a cultura mundial (Piaf, Godard, Gainsbourg, Alain Delon, Jeanne Moreau), mas também lembrou de mentes estrangeiras (e brilhantes) que floresceram em Paris – Picasso (espanhol), Van Gogh (holandês), Hemingway (americano) . Ela lembrou ainda que, antes do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, artistas negros só podiam tocar em guetos, mas em Paris eles eram aclamados e recebidos de braços abertos (Josephine Baker, Charlie Parker, ou mesmo o escritor James Baldwin). “A França abriu suas portas para quem era diferente”.

Ciente de que tinha provocado a ira de alguns franceses quando colocou uma suástica (um antigo símbolo budista que foi apropriado pelo nazismo – e há décadas é inevitavelmente associado a esse que foi um dos regimes mais intolerantes da história da humanidade) junto ao rosto da política francesa Marine Le Pen, Madonna esclareceu: “Minha intenção não é fazer inimigos, mas promover tolerância”. E fechou seu breve discurso com a sabedoria que eu (e você que é fã) já esperava (esperávamos) dela: “Da próxima vez que você enfrentar um problema e apontar o dedo para culpar alguém, faça diferente – aponte o dedo para você!”.

O recado estava dado.

Que recado? Bem, o mesmo que ela espalha há trinta anos! No meu post anterior, lembrei-me de uma apresentação dela em 1989, em Nova York, quando ela disse a uma plateia pega de surpresa que a resposta a qualquer pessoa que tente diminuir simplesmente porque você é diferente deveria ser: “I don’t give a shit!”. Seja no palco do Olympia, no Hyde Park, em qualquer escala da turnê “MDNA” (ou das outras turnês mundiais), a mensagem mais importante que Madonna plantou no mundo é essa: acredite no que você faz! Tudo estaria igual sempre no mundo, não fosse pela ousadia dos artistas – pessoas que, sim, são diferentes.

Aos nomes que ela citou em Paris, uma infinidade de outros podem ser acrescentados: músicos, atores e atrizes, diretores, escritores, bailarinos, humoristas, pintores, viajantes, ativistas, cientistas – gente que teve a coragem para mudar alguma coisa, e, mesmo pagando caro por isso, contribuíram muito mais para nossos avanços como seres inteligentes (além de terem conquistado um enorme prazer em ter criado uma revolução, por menor que seja), do que aqueles que escolhem o conforto de ficar no sofá de casa dedicando-se a pequenas e inócuas bravatas (mandando desbocados emails, twitters, “mensagens no Face”, sempre covardemente anônimos, para dar um exemplo bem contemporâneo). Até porque faz parte desse grupo – o dos artistas revolucionários (com o perdão do pleonasmo) – Madonna é a porta-voz maior dessa luta, em especial nesse momento que, como ela mesma disse em Paris, é tenso. “O que acontece quando as pessoas ficam com medo?”, perguntou ela para o público no Olympia. “Elas tornam-se intolerantes”…

Se me orgulho de alguma coisa nesses quarenta e nove anos, é de não ter tido medo de nada. E quando eu ficava na dúvida sobre no que eu deveria acreditar, tinha sempre Madonna me ajudando a não caminhar para trás nesse sentido. Por isso me emocionei com suas palavras no show de quarta. Da mesma maneira que me emocionei quando ela disse algo muito parecido naquele show de Londres que fui conferir de perto – e que, como fiquei devendo, quero comentar aqui hoje. Sua conversa com a plateia naquela noite de 24 de julho foi bem mais breve que a de Paris. Mas o resumo de tudo estava lá, com todas as letras: alguém tenta te diminuir por ter feito uma coisa que ele ou ela não gosta (ou que, eventualmente até pode ser interpretada como uma ameaça)? “Don’t give a shit”.

Ter visto esse show de perto, claro, foi especial por outros motivos. Eu acho até que não vi a melhor apresentação de Madonna nessa turnê. Vários fatores teriam prejudicado o concerto daquela noite – para começar, limitações do próprio lugar escolhido (por regulamentos da cidade, o volume não poderia ser muito alto, e, como ficou claro alguns dias antes, quando o próprio Paul McCartney, no mesmo palco, foi “desplugado” exatamente às 22h30 – horário limite para as apresentações no Hyde Park –, havia um certo clima de “corrida contra o relógio”). E o fato de Madonna ter entrado em cena quando ainda havia muita claridade no parque (no verão londrino, a noite só chega bem mais tarde), certamente prejudicou os fantásticos telões – um dos maiores trunfos de “MDNA”. Mas nem com todos esses contratempos é possível dizer que o show não é bom. Ali estava o desenho de um espetáculo que, quando está com tudo em cima (como a gente deseja que aconteça em dezembro no Brasil), tem tudo para ser o maior da Terra! Aqui vai minha seleção de alguns pontos altos:

- A abertura com a catedral pegando fogo – monges de capuz, homens de salto alto, uma cruz com as letras “MDNA”, e aquela “senhora” de 53 anos mostrando mais disposição do que mais da metade da “juventude” que estava na plateia. “Girl gone wild” está longe de ser minha música favorita do último álbum, mas com um visual desses, o número de abertura é um convite para uma viagem que a gente aceita sem resistência.

- O sangue em “Gang bang” – aí está uma música que ganhou muito com o visual. A novelinha que criaram para ilustrar a canção, num clima de filme “noir”, poderia até ser ingênua, mas a decisão de borrar todo o palco com enormes manchas de sangue acabou criando um impacto genial.

- O “medley” de “Express yourself” e “Born this way” – como você talvez tenha conferido na minha entrevista que fiz com ela, essa foi a maneira que Madonna escolheu para, digamos, responder Lady Gaga. Para minha satisfação, sua resposta a minha pergunta sobre a brincadeira com Gaga rendeu repercussões em vários lugares, mas sem querer me gabar demais, a que mais me deixou “orgulhoso” foi a do “NME” (quem diria… a minha “bíblia” de anos citando uma entrevista minha, com link e tudo… mas eu divago, novamente, desculpe).

- Os “soldadinhos de chumbo” de “Gimme all your luvin’ ” – até ali, já praticamente na metade do show, esse foi para mim o ponto alto. No começo do ano já mostrei aqui mesmo o quanto gosto dessa música. Mas o que eu vi ali no palco levou tudo a um outro patamar. O efeito dos bailarinos entrando como “soldadinhos” suspenso naquele cenário enorme era simplesmente mágico.

- A “releitura” de “Open your heart” – já comentei brevemente sobre isso acima. A participação do Kalikan deu outra dimensão à canção (que já é uma das “top 10” da minha lista) e fez com que um dos meus segredos para encher a pista de dança quando brinco de ser DJ se transformasse em um rito tribal.

- Outra “releitura”, a de “Justify my love” – a princípio, apenas um intervalo musical para Madonna tomar um fôlego para a última parte do show. Mas, como sempre, ela fez questão de reinventar. Não só a música está diferente, como o clipe é outro – menos “indecente” que a versão original, talvez, mas certamente mais sensual.

- “Like a virgin” como “blues” – simplesmente brilhante. E emocionante. E transparente. E verdadeiro. Com ou sem Madonna chorando.

- Todas as provocações de “Nobody knows me” – Madonna sendo a artista que ela nasceu para ser: inteligente e provocante. E foi com essa música que ela incomodou Marine Le Pen e seus seguidores – bravo! (Sobre essa cutucada, aliás, sobre o próprio uso da suástica, Madonna defendeu seu papel de formadora de opinião durante nossa entrevista – outro fato que deu boa repercussão internacional, inclusive no jornal “The New York Times”, mas eu não vou valorizar demais por aqui para você não achar que estou muito convencido, eheh!).

- “Like a prayer” + “Celebration” – não importa onde ou quando eu ouço “Like a prayer”: eu sempre sou tomado por um arroubo libertador. Já expliquei um pouco meus motivos no post anterior. Apenas queria acrescentar que ver o elenco inteiro cantando aquele refrão – e dali eles partirem para uma ensandecida festa em “Celebration” (sobretudo com Madonna mostrando a mesma energia nas coreografias do que no início do show) – é um encerramento extasiante. “Gran finale” é uma expressão tímida para descrever o que acontece ali antes de Madonna se despedir de vez.

Acabei dividindo o show em “fatias” – e você pode até achar que elas não fazem um grande “todo”. Mas não se engane. Esses foram os meus momentos favoritos. Cada um de nós que estava lá no Hyde Park fez seu “corte”, sua seleção. Assim como você vai fazer quando finalmente conferir o show ao vivo, aqui no Brasil. E aí então vai entender que a grandiosidade de Madonna não se traduz em partes, mas num grande conjunto – uma gigantesca fonte de inspiração que minha geração teve o privilégio de ver crescer e se tornar cada vez mais crucial à medida que os tempos ameaçam ficar mais medrosos e medíocres. Eu não tenho dúvidas de que o que tudo que ela defende é o que vai sempre ganhar – nem que seja pela lógica conclusão de que a ignorância nunca será forte o suficiente para nos representar como espécie.

Em três longos e dedicados posts, tentei dar a dimensão do que Madonna e sua arte significam para mim – e, quem sabe, para você também. Como humilde súdito, é o mínimo que eu podia fazer por essa rainha.

E que dezembro chegue logo!

Madonna, Nova York, 1989 (parte 2)

qui, 26/07/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

A primeira vez que vi Madonna se insinuando para outra mulher num palco não foi naquela festa antológica do VMA da MTV americana, em 2003, quando ela beijou Britney Spears na boca. Em 1989, eu era correspondente em Nova York do jornal “Folha de S.Paulo”, quando fui cobrir um evento beneficente para proteger nossa “floresta tropical” (lembra quando isso era um tema apaixonante?). Várias apresentações estavam sendo anunciadas para essa espécie de “maratona do bem” para uma causa justa. Os B-52’s, por exemplo, estavam mais que confirmados (e só isso já era motivo para eu me entusiasmar com a cobertura!), mas a presença de Madonna, apesar de muito comentada previamente, era apenas uma possibilidade. Com isso em mente, no dia 24 de maio daquele ano, lá fui eu para a Brooklyn Academy of Music (BAM) conferir o “happening” que ficou conhecido como “Don’t bungle the jungle”.

O lugar estava lotado – era “o” evento alternativo da temporada (numa cidade que ainda se orgulhava de ter um lado alternativo, e não escondê-lo em um pequeno clube subterrâneo, mas apresentá-lo num endereço de tanto prestígio quanto a BAM). Como o perdão do clichê, a eletricidade estava no ar – mesmo sem uma frenética troca de twitters (algo que, claro, ainda demoraria quase duas décadas para surgir) as pessoas estavam visivelmente excitadas com a hipótese de uma aparição-surpresa de Madonna. Por isso, quando ela finalmente entrou no palco, era possível sentir os balcões da BAM tremendo! Vestindo um jeans agarrado e um bustiê (muito antes de isso ser uniforme de bailes funk!), ela não chegou sozinha: a comediante Sandra Bernhard vinha de mãos dadas com ela num modelito praticamente idêntico.

Quem? Bem, acho que mesmo quem é da minha geração precisa de um refresco na memória para se lembrar de Sandra Bernhard. Entre o final dos anos 80 e o começo dos 90, ela era uma das comediantes mais famosas nos Estados Unidos. Pioneira nas transgressões em suas apresentações de humor e abertamente lésbica, ela era também uma das melhores amigas de Madonna na época. Por conta disso, uma das fofocas mais correntes naqueles dias era a de que as duas estariam tendo um caso. O rumor era muito forte – isso, só lembrando, quando a facilidade de espalhar uma notícia ainda não contava com uma ferramenta chamada twitter! – e vinha desde o ano anterior (uma participação das duas no “talk show” de David Letterman em 1988 já foi suficiente para levantar “suspeitas”). E – o melhor! – as duas pareciam se divertir com isso.

Tanto que naquela tarde no BAM, numa antológica interpretação do sucesso de Sonny & Cher, “I got you babe” (o vídeo aqui credita erroneamente o evento como beneficente para a causa da AIDS), no meio da música, Madonna, sem dar muitos detalhes, pede para a platéia: “Não acredite nesses rumores”. Ao que Sandra retruca prontamente: “Acreditem nesses rumores!”. E tudo, claro, num tom de muita diversão. Mas o que estava realmente acontecendo ali? Quando as duas saíram do palco, novamente de mãos dadas, as pessoas na plateia estavam ensandecidas. Era como se Madonna – ajudada por Sandra – tivesse (mais uma vez) hipnotizado todo mundo com seu carisma e, depois, brincava com a caretice os limites de aceitação de todo mundo. Os aplausos vieram em cascatas. Para mim – que então nem sonhava que um dia poderia entrevistá-la – foi um momento de total encantamento.

Pela primeira vez eu estava vendo de perto a mulher que, já há alguns anos, espalhava mensagens contra o preconceito e manifestos à liberdade – e pude constatar que ela não dizia aquilo só “da boca pra fora”, mas acreditava de fato naquilo e usava o poder de sua imagem (que já era estratosférico) para fazer com que essas ideias chegassem ao maior número de pessoas. Se eu já não fosse um fã, depois daquele mini show no BAM eu estaria totalmente convertido.

Retomando, o ano era 1989, a cidade era Nova York, e Madonna era a dona absoluta dela.

Mais de uma vez, sempre quando conto alguma história de passagem pela cidade, eu digo (de uma maneira ou de outra) que esse que morei lá foi muito importante para mim – por vários motivos. Era a primeira vez que eu morava fora do meu país por tanto tempo; havia um “quê” de independência que eu estava experimentando pela primeira vez; pela primeira vez também, mesmo já tendo viajado um bocado, eu me sentia um “cidadão do mundo”; eu tinha de me virar com muito pouco – não vamos entrar em detalhes do meu salário na época, mas é bom lembrar que Nova York sempre foi um convite irresistível ao consumo – mas ao mesmo tempo estava num lugar que permitia que você se divertisse muito sem gastar muito dinheiro; e apesar de trabalhar como um louco (acredite: o volume de coisas para fazer, especialmente numa era pré-internet, era enorme!) eu tinha tomado uma decisão: eu ia conquistar Manhattan!

Pretensioso? Deixe-me explicar melhor. “Conquistar” aquela cidade – e aqueles que já tiveram a oportunidade de morar lá sabem do que estou falando – não significa ter a ambição de tornar-se uma celebridade local, mas saber aproveitar aquele lugar ao máximo. O papel do tímido visitante que assumi nas primeiras semanas por lá logo foi dando lugar ao do curioso repórter – e possível morador permanente (eu já fazia planos…). E fui para as ruas. Cada vez mais próximo de uma distante prima minha (Isa), que já morava lá desde 1984, comecei a realmente descobrir a noite da cidade, dois meses depois de ter desembarcado por lá, em janeiro. Enfrentando madrugadas ainda geladas, eu e Isa ficávamos horas em filas de clubes e festas cuja possibilidade de entrar era quase zero – o que não tirava em nada a nossa diversão (mesmo quando a gente voltava para casa sem conferir lugar algum, já estava muito bom).

Entre tantas possibilidades noturnas, nenhuma era mais cobiçada do que uma noite no Copacabana – um endereço clássico de Nova York. Não me lembro direito dos detalhes, mas era um evento específico (tipo, toda última terça-feira no mês), e a multidão que ficava na frente do clube era já em si digna de nota. Organizada pela “dona da noite” de então, Susanne Bartsch, esse era o lugar para se estar se você morasse em Nova York em 89. De todo o período em que eu fiquei lá, devo ter conseguido entrar em três ou quatro dessas festas – no máximo. Mas já posso dizer que esse sucesso relativo valeu por todos os “fracassos”. Sandra Bernhard era figura marcada no “Copa” – e de vez em quando a própria Madonna dava o ar da graça.

Ficar só no Copacabana porém é oferecer um retrato apenas parcial da festa que era a cidade. Bares e clubes numa região que ainda era considerada perigosa – a “Alphabet City”, ou ainda, o “Lower East Side” quando as avenidas começavam a ser chamadas não de números, mas de letras – eram um circuito ousado e, talvez por isso mesmo, sensacional. Os temores de cruzar o Thompkins Square, infestado de traficantes e atapetado por seringas, eram praticamente esquecidos quando você achava um lugar (o Pyramid me vem à cabeça) onde o DJ tocava exatamente o que você queria ouvir. E tinha também o Mars – que ficava em outra área que não era muito segura em Manhattan: o Meat Packing District (que hoje é quase um shopping center aberto, de tão bem comportado). O Mars era um clube de cinco andares – e em cada um deles você tinha um ambiente diferente. Passar por lá e depois ir comer no Florent (um dos poucos restaurantes acessíveis e bons que ficavam abertos 24 horas na região) era o que eu podia chamar de uma noite perfeita. E entre tantas noites dessas, a que eu nunca vou esquecer foi a que Madonna apareceu de surpresa para um “pocket show” no palco do primeiro andar da Mars!

Quando isso aconteceu, Nova York dançava praticamente ao som de uma só música: “Like a prayer”. Semanas antes dessa noite no Mars, lembro-me de ter ficado em casa só para ver a estreia desse vídeo na MTV americana (sei que é difícil imaginar que isso um dia existiu, mas as pessoas antigamente ficavam esperando para ver a estreia de um clipe…). Mais uma vez Madonna testava os limites da sua popularidade, cutucando de perto um assunto “delicado”: a igreja católica. Cruzes queimando, beijos no santo, correntes e grades – tudo ajudava a criar um clássico do pop, que talvez até tivesse sido esquecido se a música não fosse tão boa. “Like a prayer” não demorou nada entrar no inconsciente coletivo – a tal ponto que, quando eu ouvi ali na pista do Mars, naquela noite, os primeiros versos da canção (“Life is a mystery / everyone must stand alone”) a última coisa que eu podia achar era que a própria Madonna é quem estava no palco cantando. Mas quando me virei naquela direção, tive a certeza: era ela sim – poderosa, divertida, ousada, “desencanada”, divina. Mesmo 23 anos depois daquela noite, eu não consigo achar as palavras certas para descrever exatamente o que aconteceu comigo – aliás, com todo mundo que estava lá! O magnetismo de Madonna, a força da própria música, a animação da noite, a pulsação da cidade – tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. E meus pés simplesmente não tocavam o chão.

Recentemente, passando por Nova York a trabalho, tive um bem-vindo “flashback” dessa época. Minha prima Isa foi convidada a expor suas fotos da noite nova-iorquina numa galeria bem legal em Chelsea, a Milk. (As fotos que ilustram o post de hoje são dessa exposição – e aqui está uma foto da própria Isa na noite de abertura). Como ela mesma me disse, eu estava em cada uma dessas fotos – não exatamente diante das câmeras, mas ao lado dela, da fotógrafa, conferindo tudo (e muitas vezes até a protegendo dos “perigos da noite”!) – aquela história ali era um pouco a minha história. E eu fiquei bem emocionado de ver o trabalho dela numa galeria tão bacana. Além de ter feito parte daquilo tudo, a lembrança que me dava mais prazer não era a do frisson de conviver com aquela fauna noturna, nem esbarrar nas celebridades que pipocavam nessas festas – nem mesmo ter chegado tão perto de Madonna. Não. O que mais gosto de lembrar é como essas experiências todas abriram minha cabeça – e em especial, como foi importante ter ouvido Madonna falar naquela noite no Mars.

Além de cantar “Like a prayer”, ela trocou algumas palavras com a sortuda audiência daquela noite. Impossível lembrar literalmente tudo que ela disse, mas a mensagem geral era a de que as pessoas deveriam ser respeitadas sempre. Que o mundo está sempre preparado para dizer não para você – e que ela mesma tinha experimentado isso inúmeras vezes. Mas que o importante mesmo era que você aprendesse a dizer sim para você mesmo. Que nada era mais poderoso que isso. E que qualquer pessoa que tentasse te diminuir na sua trajetória merecia uma resposta simples: “I don’t give a shit”!

Preciso mesmo traduzir?

Acho que não. Vamos ficar hoje por aqui. Já estou mais uma vez me estendendo demais– e o melhor que tenho a fazer é usar essa frase como um gancho para o texto de segunda que vem, na parte final dessa trilogia. Pois foi justamente uma frase idêntica a essa que eu ouvi semana passada no palco montado no Hyde Park, na escala londrina da turnê “MDNA”. E é exatamente isso, a incrível epifania que foi ver esse show, que eu quero dividir com você no próximo post.

Madonna, Londres, 2012 (parte 1)

seg, 23/07/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

“Se tudo correr bem”… Lembro-me de ter usado essa expressão logo no início do último post, quando convidei você a me usar como um porta-voz de sua pergunta para Madonna. O resultado disso, como vou contar aqui hoje, foi excepcional – talvez você tenha conferido a edição final ontem no “Fantástico”, mas se não teve chance de fazer isso, é só clicar aqui. E, pelo bom clima entre entrevistador (sim, eu) e entrevistada (ela, Madonna), você pode concluir sim que tudo “correu bem” na hora da entrevista. Mas até chegar lá…

Como já contei aqui algumas vezes, o mundo do “showbizz” é imprevisível. Artistas mudam suas agendas na última hora; cancelam entrevistas no próprio dia marcado (a cena de Britney Spears saindo chorando do quarto do hotel em Nova York, onde eu estava prestes a entrar para conversar com ela é o registro mais curioso dessa imprevisibilidade – e foi bem contada no meu livro “De a-ha a U2″); acordam de mau-humor; estendem o tempo do bate-papo conforme suas vontades; ou mesmo te cobrem de atenções inimagináveis numa situação que é – sempre é bom lembrar – estritamente profissional. E com Madonna, desta vez, o imprevisto também entrou em jogo. Na última segunda-feira, escrevi que iria conversar com ela na quarta. Pois não é que, minutos antes de eu embarcar para Londres, recebo então um email da Liz Rosenberg – que é a “toda poderosa” que cuida (entre outras coisas) da agenda de compromissos da cantora – perguntando displicentemente se eu me incomodaria se a entrevista fosse mudada para sexta-feira…

“Não tome nenhuma providência nenhuma antes de eu confirmar essa alteração”, escreveu Liz – meio que me deixando sem ação. Meu primeiro compromisso, antes de fazer a entrevista, era assistir ao show – programado para a noite de terça, no Hyde Park (mais sobre ele, na parte 3 dessa série de posts sobre Madonna – sim, vai ter mais um na quinta e outro na segunda que vem sobre o mesmo assunto; e se você achar que eu estou exagerando, eu digo que ainda é pouco para dizer tudo que quero sore ela… mas eu divago…). Eu tinha de embarcar para não perder a apresentação – mas será que valia a pena entrar no avião se a própria entrevista não era uma certeza? Explico melhor: quando começa a mudar assim, a gente já vai ficando desconfiado. De quarta para sexta… e de sexta para quando? Sexta era o meu limite – eu tinha que voltar para o Brasil para apresentar o “Fantástico”, não poderia ficar mais… Ao mesmo tempo, Madonna, pela minha experiência, é uma super profissional: só deixaria de cumprir um compromisso se acontecesse uma coisa muito grave. Assim, com tudo isso em mente, voei para Londres sem saber direito o que iria acontecer.

Mesmo lá, enquanto matava o tempo para ir ao Hyde Park visitando alguns de meus lugares favoritos pela cidade (a Serpentine Gallery, com seu novo pavilhão de verão assinado por Herzog & de Meuron e Ai Weiwei; a nunca decepcionante Hayward Gallery, com uma incrível exposição sobre “arte invisível”; as novas e sensacionais dependências da Photographer’s Gallery), enfim, enquanto eu passeava, a cada 15 minutos consultava minhas mensagem para saber se tinha alguma novidade. Foi só por volta das 19h – isto é, menos de 24 horas para o horário originalmente marcado – que veio finalmente a resposta: Madonna falaria comigo às 17h30, da sexta-feira 20 de julho.

O jeito bom de receber essa notícia foi encarar com animação os dois dias que eu ganhei de folga numa cidade que eu adoro (dias esses que, aliás, eu nem gastei por lá – mas isso eu conto uma outra hora). Mas a “cabeça de jornalista” já começou a ficar preocupada. O voo de volta para o Brasil era sexta, às 21h50. Digamos – digamos – que Madonna não atrasasse um minuto, dos dez que ela tinha prometido para mim. Até o material ficar pronto, eu teria de esperar uma meia hora por lá. Chegar em Heathrow (o principal aeroporto de Londres) sempre foi uma maratona à parte – e isso nem é um trocadilho com a cidade que respira excitação com as Olimpíadas que começam esta semana! Aí tinha os trâmites do embarque… Será que daria tempo?

Decidi confiar na sorte. Depois da experiência fascinante que foi ver ela no palco (já disse: mais sobre o próprio show, só na segunda que vem – este post é dedicado aos bastidores da entrevista!), passei os dias seguintes, quarta e quinta, tentando disfarçar a minha expectativa para nosso encontro. Afinal… Bem, era Madonna. Não só eu já tinha assumido aqui um compromisso de levar as questões mais interessantes enviadas para ela – um “pacto” com os fãs -, mas eu também não queria fazer feio na frente da “moça”: a maior artista pop dos últimos 30 anos; uma diva que, apesar dos 54 anos que vai completar no mês que vem, ainda tem a energia, a paciência, e a curiosidade de mexer com a cabeça de toda a nossa cultura; uma mulher que, além da importância na formação cultural de mais de uma geração, ainda tem o poder de influenciar a maneira como a gente vive; uma entrevistadora notoriamente difícil (uma pesquisa no YouTube pode constatar que nem sempre as conversas são um sucesso); e um ídolo meu pessoal, com quem tive um encontro transformador em 1989, quando morava em Nova York (tema da segunda parte dessa trilogia de posts sobre ela). Todos esses elementos giravam em minha cabeça como malabares, presentes a cada minuto que eu passei com amigos queridos numa outra cidade “ali perto” de Londres. E, ao contrário de isso me preparar melhor para o próprio momento máximo, eu só ia ficando mais angustiado. Até que então chegou a sexta-feira…

Peguei um trem de manhã de volta para Londres e, para tentar me distrair, aceitei o convite para visitar o ateliê de um fotógrafo que admiro há tempos e que, por uma feliz coincidência, estava na cidade. Imagens de personagens e pessoas de uma cultura distante do que aquela que me cercava (Índia) foram sim um belo respiro para me colocar no espírito da entrevista. De lá, voltei ao hotel, arrumei minhas malas e então fui ao encontro de Madonna.

O local marcado era um hotel em frente – veja que comodidade – à casa da cantora (onde posei para a foto ao lado), pertinho do próprio Hyde Park. Tudo muito organizado: pisei no lobby do hotel, uns 45 minutos antes do combinado, e já fui chamado pelo nome – tipo “o senhor está sendo aguardado”. Muito chique. Fui encaminhado para o restaurante do hotel. Primeiro a chegar, fui vendo os colegas que vieram depois. Um curioso repórter da Argentina, que já havia encontrado em outras ocasiões; um “garoto” chileno, que estava ligeiramente nervoso, sem ainda saber como separar seu lado fã do lado repórter; um jornalista mexicano, ligeiramente deslocado, que dizia cobrir mais a área de esportes; e mais um da Polônia – esse sim bastante deslocado, pelo menos geograficamente. Como em todos esses eventos de mídia (conhecidos pelo termo “junket”), a mistura era bastante bizarra. Como estava programado para eu ser o primeiro da lista – eu era o único com um “problema” de voo – criou-se uma certa ansiedade: todos queriam saber, ainda que disfarçadamente, como estaria o “espírito” de Madonna naquele dia para entrevistas.

Ela mesmo, que é bom… nada de chegar. Quase 18h (eu, contando os minutos) e nada da cantora – até que percebemos uma certa mobilização no corredor que passava por trás do restaurante (os espaços eram separados por paredes de vidro). Era um bom sinal de que ela estava a caminho. Mas sua entrada ainda levaria outros bons 15 minutos – e Madonna passou tão rapidamente, que eu nem tive tempo de virar para conferir sua passagem. Confesso, porém, que só de saber que ela estava no mesmo espaço que nós ali, já fez com que eu finalmente deixasse escorrer uma leve gota de suor – quase um milagre, no tórrido verão londrino deste ano (com temperaturas aberrantes na faixa dos 14 graus…). Era hora, enfim, de me concentrar!

Ia passando vários dos assuntos que queria conversar com ela na memória – alguns, claro, sugeridos por você. As provocações dessa turnê; as cenas mais ousadas do show; seu filho Rocco no palco; seu papel como artista; Lady Gaga; sua energia aos 50 (e tantos) anos; sua vontade de vir ao Brasil. Ao mesmo tempo, ia tentando ver como tudo isso caberia em 10 minutos! Coisas demais para pensar? Pode apostar. E para dificultar um pouco as coisas, Liz Rosenberg – que já havia se apresentado antes – veio em minha direção e disse: “Pode vir comigo”. Seria um exagero dizer que fiquei gelado? Na verdade o adjetivo não descreve bem o que senti naquele preâmbulo. Estava excitado. Estava nervoso. Estava feliz. Estava de olho no relógio. Estava concentrado. Estava disfarçando o fã que estava dentro de mim. Estava torcendo para ganhar alguns minutos extras. Estava aliviado de saber que ia começar logo.

Fui posicionado ali no corredor pelo qual ela havia passado poucos minutos antes. Por sorte, fiquei bem em frente a uma janela de vidro para dentro do próprio quarto onde ela estava – ela, e mais de 15 pessoas (entre as que eu consegui contar) a sua volta: cinegrafistas, iluminadores, assessores de todo tipo, algumas pessoas aparentemente sem nada para fazer, maquiadores, garçons. Como a porta do quarto estava aberta, eu podia ouvir mais ou menos o que conversavam – basicamente perguntas sobre como ela estava fotografando nas câmeras. A certa altura, alguém levantou um monitor com sua imagem – e pude finalmente vê-la (ela estava sentada de costas para o meu ângulo de visão). Estava tão bem – e, eu, tão louco para que começasse logo – que quase falei em voz alta: “Está ótima Madonna, vamos?”. Mas o início mesmo seria só dali a mais alguns minutos. Um segurança passou e perguntou o que eu estava fazendo ali – ao que eu respondi imediatamente que havia sido posicionado naquele lugar pela própria Liz Rosenberg. Ele então perdeu o interesse por mim (felizmente), e consegui entrar um pouco mais no clima do que estava acontecendo lá dentro. Aos poucos, já estava tão familiarizado com o ambiente que, quando meu nome finalmente foi chamado, achei que era menos uma surpresa do que uma consequência natural de estar ali.

“Madonna, esse é Zeca, do Brasil”, alguém nos apresentou – e ela fez questão de repetir o meu nome exatamente como você o pronunciaria. Enquanto me sentava, elogiei seu sotaque e ela brincou modestamente que seu português não era muito bom. Eu imediatamente retruquei, no mesmo tom divertido, que achava que ela tinha bons motivos para ter aprendido alguma coisa da nossa língua. “Só poucas e boas palavras”, disse ela… (A conversa toda, claro, era uma referência a sua história com o modelo e DJ brasileiro Jesus Luz – que, elegantemente, nem precisou ser mencionado para se fazer presente). As câmeras ainda não estavam rolando – e eu lamentava secretamente o fato de elas não terem registrado esse momento de descontração…

Madonna fez ainda um elogio à minha roupa, e comentou, também bem-humorada, que eu era grande, e que seria melhor se eu não me mexesse tanto para não encobrir nenhuma câmera. O clima era bom! E quando finalmente alguém gritou “Valendo!”, nem tive tempo de pensar: o “Zeca repórter” entrou em cena, e tudo que eu queria a partir dali era ser capaz de cativar Madonna com uma conversa no mínimo interessante, que não a aborrecesse, e que satisfizesse os fãs que estariam vendo aquilo no próximo “Fantástico”. E acho que funcionou!

A própria entrevista, acho que nem é o caso de reproduzir aqui (está no link que indiquei acima). Mas o que vale a pena comentar é que achei Madonna muito mais espontânea do que esperava. Revendo a conversa, pensei até que algumas pessoas poderiam dizer que ela estava sendo fria. De fato, sua postura quase imóvel, insinuava uma certa distância. Mas posso garantir que ela estava realmente envolvida nas respostas que dava. Tenho alguns anos de experiência em sentar diante de artistas e ouvir eles recitarem “releases” – respostas prontas sem nenhuma espontaneidade. Esse não foi o caso de Madonna – mas não foi mesmo…

Para mim, foi até relativamente fácil. Puxei pelo seu lado criativo, pelas coisas que fazem ela ser uma artista tão fundamental há mais de trinta anos. E acertei em cheio – criamos uma conexão (que, aliás, eu não tenho ilusão nenhuma de que tenha durado depois que eu saí da sala, mas que ali, nos dez minutos de entrevista, funcionou maravilhosamente!). Eu mesmo fiquei tão interessado que quase não prestei atenção à pessoa que estava cara a cara comigo – digo, à própria pessoa física que estava ali. Ao longo do fim de semana (e mesmo hoje de manhã), já no Brasil, o que as pessoas mais queriam saber era “como ela estava?”. A pergunta, claro, não era tão inocente assim: a curiosidade era sobre seu estado – se ela estava com uma boa aparência, se a saúde e vigor que ela apresenta nos palcos e nos vídeos não eram apenas truques…

Se isso é também o que te inquieta, a boa notícia é que ela está, digamos, com tudo em cima. Ninguém pode nem sugerir que ela tem vinte – ou mesmo trinta – anos. Tudo bem. Madonna tem o rosto que tem, aos 53 (quase 54) anos. E pronto. Os olhos, como sempre, são os elementos da cara que mais entregam a idade – e no seu caso é possível perceber um certo cansaço da pele em volta das pálpebras. Fora isso, se ela não estava com um visual impecável (as luvas para esconder as mãos talvez envelhecidas eram seu único grande deslize), estava bem digna de ser a artista que todos nós aprendemos a amar e respeitar. Acima de tudo, o que era mais interessante ali era o fluxo da conversa – e ele correu sem problemas, como num bom bate-papo (que é, como sempre defendo, o que deve ser toda entrevista).

Depois da breve despedida – e dos votos de que ela se divirta (e nos divirta) ainda mais nessa próxima passagem pelo Brasil, fui “desplugado” (microfones retirados), e saí sem me demorar. Já de costas para ela, agradeci novamente, mais por educação – um rápido “Thank you again, Madonna”. E ouvi de volta um agradabilíssimo “Thanks Zeca”. A pronuncia era tão impecável quanto à do momento em que fomos apresentados. E eu fiquei tão emocionado que ainda ousei me virar para ver mais uma vez seu rosto. Porém, tal como Eurídice retornando ao Inferno, ela já não olhava para mim. Eu, pobre Orfeu, só tinha agora as lembranças de alguns minutos importantíssimos – não só para meu “currículo” de entrevistador, como para meu histórico de fã.

Mas mais sobre isso na quinta-feira… (e se você quiser conferir a íntegra da entrevista, aqui vai o link: https://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1681436-15605,00-VEJA+A+INTEGRA+DA+ENTREVISTA+DE+ZECA+CAMARGO+COM+MADONNA.html )

(Durante essa “trilogia Madonna”, por atenção ao próprio assunto, vou dar um tempo no “Refrão nosso de cada dia”; e semana que vem retomamos).

Perguntas para Madonna?

seg, 16/07/12
por Zeca Camargo |
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Em outubro de 2010, quando surgiu a possibilidade de eu entrevistar Sir Paul McCartney, fiz aqui um convite: o que você gostaria de perguntar a ele? As sugestões, como eu já esperava de você que passa sempre por aqui, foram das mais originais e inteligentes. Fiquei felicíssimo com a resposta geral. Tanto que eu estava esperando uma oportunidade para poder, digamos, pedir novamente sua colaboração. Tinha que ser alguém realmente especial, claro! E agora finalmente essa chance apareceu!

Se tudo correr bem – conhecendo os labirintos do “show business” é sempre bom ressaltar que as coisas podem mudar de uma hora para outra – depois de amanhã eu devo estar diante de Madonna, para uma entrevista (que, você sabe, em breve você poderá ver no “Fantástico”). Embarco hoje para Londres para assistir ao seu show – no Hyde Park – e temos um encontro marcado para a tarde de quarta-feira.

Não será a primeira vez que vou estar diante da mulher mais poderosa do pop. Em 2000, para lançar seu filme ��Sobrou pra você” (“The next best thing”, no original), eu tive exatos seis minutos com ela – também em Londres. O episódio rendeu um dos mais divertidos capítulos do meu livro “De a-ha a U2” (uma coletânea sobre os bastidores das entrevistas que fiz com astros do pop e do rock). Entre outras curiosidades, a mais estranha era que eu estava diante de ninguém menos que Madonna, e não podia fazer nenhuma pergunta sobre música para ela! (Essas coisas são assim mesmo: essas entrevistas com as grandes estrelas geralmente são direcionadas para o produto que elas estão promovendo naquele momento – no caso de Madonna, seu filme de 2000 – e é praticamente impossível sair do assunto).

Mas dessa vez, quero acreditar, vai ser diferente. Madonna – que, como já sabemos, está feliz de poder se apresentar novamente no Brasil – vai dedicar um espaço generoso (mais de seis minutos, espero!) para falar para seus fãs brasileiros. E, pelo menos por enquanto, ainda não recebi nenhuma orientação especial sobre o que devemos ou não tratar (a não ser o pedido de que eu só fizesse a entrevista depois de assistir ao novo show). Então, pode apostar que música será certamente um dos assuntos principais. E o que mais?

É aí que você entra! Mande sua sugestão – o que você gostaria de perguntar para ela? Como deixei claro no convite que fiz com relação a Paul McCartney, não estou garantido que a entrevista vai acontecer (já me expliquei acima), muito menos que sua pergunta será respondida (ou mesmo transmitida). As energias que regem uma entrevista desse calibre são imprevisíveis! E eu então, enquanto “mero” entrevistador, não tenho nenhum controle sobre isso. Mas posso te dar a certeza – isso sim – de que a sua inspiração será fundamental para que eu tenha um encontro melhor com ela.

Com alguns anos “de janela”, sei bem que uma oportunidade como essa deve ser menos um exercício de vaidade (“olha de quem eu já cheguei perto”!) do que uma chance de me colocar a serviço dos seus fãs e fazer com que eles se sintam mais perto do seu ídolo. Serei – você tem minha palavra – seu representante mais fiel. E em breve agradecerei sua “ajuda” contando tudo sobre o show e sobre esse encontro, aqui mesmo neste espaço. Como a semana vai ser corrida, pode ser até que eu fique te devendo um post na quinta-feira. Mas na segunda que vem, acredite, teremos muito assunto!

O refrão nosso de cada dia

“Angel (extended dance remix)”, Madonna – é possível “indicar” alguma coisa de Madonna? Alguma coisa que você não tenha ouvido – ou pelo menos não tenha ouvido com atenção? Claro que sim! Numa carreira de quase trinta anos, com tantas músicas e tantos discos geniais, nem tudo que ela fez talvez tenha recebido o devido reconhecimento. Pensei primeiro em indicar aqui uma das mais belas canções que Madonna gravou – e que, apesar de muito admirada, não foi o sucesso que eu acho que deveria ter sido (falo de “Rain”, claro, que além do que ganhou um dos mais belos clipes de toda a coleção de Madonna). Mas depois me lembrei de algo ainda mais especial: uma faixa de seu segundo álbum, “Like a virgin” – que, justamente porque tem um punhado de obras-primas, não deixou espaço para todas as faixas brilharem o suficiente. “Angel” é muito, mas muito boa – e nesse remix que indico, melhor ainda. Mas perto de “Material girl”, da faixa-título, de “Dress you up”, como competir com igualdade? “Angel” já era uma delícia no original, e nessa versão que eu consegui como um “maxi single” (e que, claro, foi parar no Youtube!) ganhou vários “upgrades”! Como um ritmo mais marcado com batidas de palmas. Ou um coro de pessoas gritando o nome “Madonna” (que, curiosamente, lembra até os gritinhos do início da recente – e estupenda – “Gimme all you luvin’ ”). Tem também um clima de “club”, como se ela estivesse cantando em num show improvisado e íntimo. E alguns minutos a mais do que a faixa no disco original – que funcionam perfeitamente numa pista de dança. Aliás, preciso lembrar de ressuscitar “Angel” na próxima vez que alguém me convidar para tocar em uma festa…

O feitiço contra o feiticeiro

qui, 12/07/12
por Zeca Camargo |
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Vou ter de admitir que fui surpreendido no meu próprio jogo – para usar uma expressão mal traduzida do inglês. Você que vem sempre aqui já está acostumado com um post anual que sempre tem o título de “Os melhores discos que você não ouviu em (ano em questão)” – para quem quiser conferir, a última edição, de 2012, ela está aqui. É, como quem já me acompanha há anos, um pequeno exercício idiossincrático – um punhado de sons que me encantaram no ano e que, digamos, passaram abaixo do radar do público em geral e que eu faço questão de apresentar para os leitores deste espaço.

É também um pequeno manifesto do que eu gosto de chamar brincando de “terrorismo cultural – um “jogo” que eu pratico desde os meus tempos de faculdade… É simples: você fala que uma coisa que só você leu/viu/ouviu – e tenta, com isso, fazer os outros se sentirem ligeiramente fora de sintonia com o que está acontecendo. Não é exatamente uma invenção minha – todo mundo faz isso (as listas de fim de ano de revistas e sites e blogs são um campo fértil para isso). E, com alguns anos de “bagagem cultural” nas costas, achei que eu já estava imune a esse tipo de, hum, provocação. Mas aí…

Semana passada, encontrei na “Entertainment Weekly” uma lista que me deixou um pouco perturbado: “Os 50 melhores filmes que você nunca viu”. Achei, a princípio, interessante – e fui conferir cheio de confiança, certo de que eu já tinha assistido à maioria dos títulos da lista. Afinal, eu sempre me dedico a procurar coisas “fora do circuito” – em festivais, viagens, e na internet. E gosto ainda (às vezes, até mesmo por aqui) de indicar produções alternativas. Porém, qual não foi minha surpresa, quando da lista da “EW”, eu só tinha visto mesmo… Nove filmes! Nove!

Uma vergonha – foi a primeira coisa que pensei. Como eu deixei tanta coisa boa escapar assim? Bem, olhando de perto a seleção da revista, a primeira resposta que tive foi que boa parte dos títulos que estavam lá eram bastante tolos – e, ao decidir não vê-los, eu talvez os tivesse subestimado justamente por isso (pense em “Meu amor de verão”, com Emily Blunt). Outros, eu devo ter evitado porque falavam de um tema que geralmente não me seduz – por exemplo, beisebol ou surfe. Alguns deles simplesmente nunca foram lançados no Brasil (alguém lembra de ter visto o cartaz que ilustra o post de hoje, anunciando “Ghost dog – the way of the samurai”?) – e eu não tive a sorte de “encontrar” com eles em nenhuma viagem que fiz nos últimos anos. Mas as razões mesmo importam pouco.

O que me deixou realmente abalado quando vi a lista – e contabilizei o meu “saldo” – foi a conclusão de que… bem… ainda tem muita coisa para a gente assistir! Ver tudo de bom que foi feito é uma missão quase impossível – quando não inglória! Olha que eu me dedico – estou sempre atrás de tudo que se refere à cultura pop, como você sabe bem. Mas essa é uma tarefa insana. Sempre penso um pouco nisso quando olho, por exemplo, minha estante de livros. Como já estou beirando os 50 anos, não é raro eu me perguntar: será que vou ter tempo, até o final da minha vida, de ler tudo que quero? Com discos e CDs, a preocupação é similar. De vez em quando ainda encontro um fechadinho, embrulhado no plástico e tudo – que ficou sem que eu o ouvisse na volta de uma viagem… Fora isso, tem também aqueles que eu ouvi apenas uma vez e que deveria ouvir de novo – às vezes, discos de anos atrás, que eu adorei da primeira vez, mas que nunca mais “reencontrei”. E a pergunta volta de maneira diferente: será que vou ter tempo para ouvir (e curtir) tudo que quero? A mesma inquietação, claro, vale para os filmes (se você visse a pilha de DVDs novinhos que está pegando poeira lá em casa…). O que a lista da “EW” fez foi perversamente renovar esse meu “medo de não ter tempo de ver tudo”…

Ao mesmo tempo, senti-me tentado a fazer uma provocação a mim mesmo. Será que, além da lista da revista, existirão outros filmes recentes (a seleção abrange basicamente as duas últimas décadas) que eu perdi? Será que você me sugeriria mais alguns títulos – óbvios ou não – que eu deveria ter visto, mas eu não vi? Que são pequenas obras-primas alternativas que foram negligenciadas por mim? Muito bem: estou pronto para o desafio – pode me testar! Mande uma sugestão num comentário – e eu vou responder se já conferi ou não o filme que você indicou. Para facilitar um pouco seu trabalho, vou mencionar aqui os nove da “EW” que já conferi. A saber:

- “A festa nunca termina” (“24 hour party people”, sobre a cena musical de Manchester, no Reino Unido – uma espécie de presente dos deuses para a minha geração)
- “Viagem alucinante” (“Enter the void”, do francês Gaspar Noé; tudo o que “Para��sos artificiais” queria ser, mas não conseguiu)
- “Nem tudo é o que parece” (“Layer cake”, o filme que fez com que Daniel Craig se tornasse o novo James Bond)
- “Para sempre Lilia” (“Lilia-4-ever”, do curioso diretor sueco Lukas Moodysson; provavelmente o filme mais triste a que assisti na minha vida)
- “Murdeball – paixão e glória” (“Murderball”, um documentário produzido pela MTV americana sobre o “esporte radical” praticado por atletas paraplégicos em cadeiras de roda)
- “Em nome de Deus” (“The Magdalene sisters”, o único filme que você precisa assistir antes de mandar sua filha ou seu filho para um colégio interno de freiras)
- “Moon” (o site imdb dá um título em português, “Lunar”, mas até onde eu sei, inédito no Brasil; dirigido pelo filho de David Bowie, Duncan Jones; já comentado aqui)
- “Há tanto tempo que te amo” (“I’ve loved you so long”, uma das melhores performances de Kirstin Scott Thomas)
- “Bem-vindos” (“Tillsammans”, no original; do mesmo diretor sueco, Lukas Moodysson, mas totalmente diferente de “Lili” – é uma comédia!)

Essa é então minha “lista de honra” – os títulos que “salvei” da “EW” (vale assinalar que eu prometi a mim mesmo que iria atrás de todos que estava lá na revista!). Mas e então: quer que eu me sinta “ainda mais humilhado”? Então diga um filme que você acha que me escapou – vamos ver…

O refrão nosso de cada dia

“The marvelous dream”, Damon Albarn – minha tentação aqui era indicar a nova música do Blur – do meu herói Damon Albarn. Mas isso seria um pouco óbvio… Milhões de fãs como eu já estavam esperando por isso – e quando ela saiu, na semana passada, todo mundo foi correndo conferir “Under the westway”. Então resolvi indicar algo do mesmo cara – Albarn – mas um pouco mais “alternativo”. Sabia que ele acabou de estrear (mais uma) ópera? Chama-se “Dr. Dee” – e é genial. Apesar de ser uma ópera – até mais consistente que seu primeiro esforço nesse sentido –, “Dee” pode ser ouvido como um bom disco “pop-folk”. Pastoral e lindo. O que ofereço aqui é apenas uma pequena fração de mais uma prova da genialidade de Damon Albarn – e faço votos de que você corra atrás do resto!

Medo de música

seg, 09/07/12
por Zeca Camargo |
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Terá existido na história do pop algum título de álbum melhor do que este: “Medo de música”. Lançado há exatos 33 anos, este é, dependendo de quem você perguntar, o disco mais importante da carreira fulgurante do Talking Heads (eu mesmo tenho outro candidato para o título, que vou revelar logo mais). E o argumento mais convincente dessa defesa acaba de ser lançado no formato de um pequeno livro: “Fear of music”, por Johatham Lethem – minha leitura deste fim-de-semana.

O delgado volume já é o octagésimo-sexto de uma coleção que tenho em boa conta – e que recomendo a você que gosta de juntar sons e letras. Chama-se “33 1/3” – e para os que são de uma geração que acha que disco é apenas um amortecedor entre as suas vértebras, ou algo que você tem que trocar no carro quando o freio começa a falar grosso, vale uma explicação: esse era o número de rotações por minuto que você tinha que girar, ainda na era mesozóica, um prato de vinil para que dele saísse uma coisa tão preciosa chamada música. Em tempos ainda mais antigos (era proterozóica), os tais discos eram rodados em 78 rotações por minuto – e houve um tempo em que existia um objeto similar chamado “compacto”, que vinha com uma (no máximo duas) faixa(s) de cada lado e girava em 45 rotações por minuto (ou R.P.M. – sua mãe deve ter outro registro do que esse nome significa para ela, mas eu divago… e dentro de uma outra divagação…). Mas para a minha geração que se educou musicalmente com álbuns, 33 1/3 era um número mágico – conforme os sons que saíam dos discos, dava até a vontade de contar para ver se era mesmo essa a quantidade de voltas que a agulha misteriosamente escavava por aqueles sulcos aparentemente idênticos (porém capazes conter sonoridades imprevisíveis, para reproduzir) por alguns títulos da minha então modesta coleção: “Murmur” (R.E.M.), “Autobahn” (Kraftwerk), “The top” (The Cure), “Live and more” (Donna Summer), “London calling” (The Clash), e eventualmente “Fear of music”…

Não posso falar que descobri o álbum na mesma época que Lethem. Na sua contribuição para a série “33 1/3” – que ainda inclui outros títulos como “Meat is murder”, por John  Pernice; “Ok computer”, por Dai Griffiths; “Achtung baby”, por Stepen Catanzarite; “Horses”, por Philip Shaw; “69 love songs”, por L.D. Beghtol; “XO”, por Matthew Gasteier – enfim, no livro de Lethem, ele conta como soube do lançamento: por um “spot” de rádio, em 1979. No meio da programação que ele escutava, de repente fez-se um silêncio e uma voz estranha (a de David Byrne, líder da banda) diz (em inglês): “Talking Heads tem um novo álbum. Chama-se ‘Medo de música’ ”. Só isso. Repetido algumas vezes, a mesma frase sobrepondo-se desordenadamente. Foi o que bastou para que sua curiosidade fosse atiçada – que por sua vez detonou a paixão do autor pelo disco.

A primeira vez que eu ouvi Talking Heads foi mais tarde, em 1982 – e não foi em nenhum de seus discos de estúdio, mas o álbum duplo, ao vivo, com o curioso nome de “The name of this band is Talking Heads”. Foi uma introdução e tanto! Ali, misturando apresentações dos primeiros anos de shows, com uma turnê mundial que eles fizeram entre 1980 e 1981, estava o melhor de um dos mais cultuados grupos da história. “Psycho killer”, “Don’t worry about the government”, “Houses in motion”, “Air” – que conjunto de músicas era aquele? Eu certamente nunca tinha ouvido nada como aquilo (lembrando que ainda estava no frescor dos meus 19 anos) e fiquei totalmente passado. Inevitavelmente, fui atrás dos álbuns originais.

“Talking Heads: 77” acabou tornando-se um dos discos mais importantes da minha vida – daqueles que, se a casa pegar fogo, eu saio com ele embaixo do braço. “More songs about buildings and food”, se não trouxe grandes novidades, marcou justamente com uma versão: “Take me to the river” (originalmente gravada por Al Green). “Fear of music” – por razões que só agora lendo o livro de Jonathan Lethem compreendi – causou-me certa estranheza. E “Remain in light” simplesmente tornou-se o meu disco favorito da banda (vou falar mais dele daqui a pouco).

Para sempre eu seguiria os destinos não apenas do Talking Heads, mas também de seus “derivados” – Tom Tom Club, claro, e qualquer coisa que David Byrne resolvesse fazer em carreira solo. Os álbuns que vieram depois de “The name of this band is…” não são menos interessantes – “Speaking in tongues” e o geralmente rejeitado “Naked” são, para mim, brilhantes. Mas eles pertencem a uma outra fase da banda – não menos brilhante, mas que merece, quem sabe um dia, um outro post. Hoje quero ficar mais em cima desses primeiros trabalhos, especialmente “Fear of music”, por conta de Jonatham Lethem.

O primeiro livro seu que li foi “Brooklyn sem pai nem mãe” (lançado aqui no Brasil pela Companhia das Letras). Foi imediatamente aclamado pela crítica americana – e me conquistou sem muita resistência (eu, na época, ainda tinha um certo banzo do período que vivi em Nova York, cenário do romance). Também li “A fortaleza da solidão” (também Companhia das Letras), que fez com que eu ficasse ainda mais fã de Lethem. Por isso, quando soube (pelo “Sunday Book Review”) que ele tinha escrito sobre uma banda que faz parte da minha vida, não resisti. Comprei o livro assim que passei por Nova York, há alguns dias, e mergulhei nele.

Não foi uma tarefa simples. Uma frase típica de Lethem é mais ou menos assim (na minha tradução sempre apressada):

“ ‘Air’ talvez seja a canção mais confusamente alegre do álbum, com nada além de uma irresistível confiança pop para disfarçar o ridículo da sua nua proeminência na abertura do lado B”.

Fácil, né? Os “insights”, as “sacadas” do escritor sobre as músicas e sobre a banda – bem como sobre o cenário musical de Nova York no final dos anos 70 – são tão elaborados quanto o melhor da sua literatura. E quem for esperando encontrar no livro uma mera crítica que possa ser rapidamente condensada em 140 toques – esqueça… Quem ganha com isso, claro, são as duas partes mais interessadas: os leitores devotos de Jonathan Lethem, e os fãs do Talking Heads.

Inspirado pelo livro, antes de escrever o post de hoje, voltei a escutar “Fear of music” – depois de anos. Confesso que foi estranho procurar todas as nuances descritas por Lethem em cada faixa – quando não um exercício impossível. Talvez o fato de eu não me relacionar muito bem com esse álbum não me deixou à vontade para procurar conexões entre a opinião do autor do livro e a minha. Nem por isso deixei de sublinhar várias de suas passagens – como exemplos de boa escrita, e também descrições inesperadas das músicas que ouvi por tanto tempo. Só para dar mais um exemplo, aqui vai outro trecho, este sobre “Heaven” – uma das mais belas canções dos Heads (que entrou automaticamente para o repertório da minha vida quando ouvi pela primeira vez o verso “Heaven is a place where nothing, nothing ever happens”, ou “O céu é um lugar onde nada, nada nunca acontece”…):

“ ‘Heaven’ arrisca uma perfeição fatal. A canção encena o tédio que esbraveja contra, justamente por não esbravejar contra nada. Ela se afoga em suas lindas reservas. Ou talvez seja você que se afogue, no sarcasmo antisarcástico de ‘Heaven’, sua chatice palpitante, seu desapego exagerado, enquanto você mergulha no êxtase pegajoso da sua superfície, sobre a qual pétalas flutuantes escondem um turvo redemoinho de reverberações e ecos e guitarras”.

É preciso fôlego, como você já percebeu. E enquanto eu lia “Fear of music”, pensei em fazer algo parecido com “Remain in light” – que é, como já disse, a “minha” obra-prima do Talking Heads. Mas escrever assim como Lethem exige uma enorme dedicação – e sobretudo uma disponibilidade de tempo que agora eu não tenho… No entanto, para não passar em branco (e fechar o assunto de hoje), faço uma breve defesa da minha escolha.

“Remain in life” já seria extraordinário apenas pela sua faixa de abertura, “Born under punches (the beat goes on)”. Nos dois primeiros segundos mais incríveis que seus ouvidos jamais vão escutar, uma rápida percussão e um grito de guerra introduz uma batida que, até hoje, eu não consegui definir direito se é africana, cubana, tailandesa, javanesa, baiana, ou extra-terrestre. Seria minimalista, se a simplicidade de cada instrumento não acabasse se misturando, em camadas sonoras que a princípio nem parece que possam coexistir em uma mesma música – fora os grunhidos… Um coral quase gospel intercala-se com uma espécie de sermão para um efeito para lá de hipnótico. E tudo isso por “infinitos” cinco minutos e cinqüenta segundos.

Mas colocar toda a importância de “Remain in light” nas conta de “Punches” é desvalorizar a genialidade do que, no disco original, é oferecido no que era chamado de “lado B”. No “lado A”, depois de “Punches” vem “Crosseyed and painless”, um casamento perfeito entre punk e funk (que Lethem já exaltava em “Fear of Music”), e, em seguida, como se o frenesi da faixa anterior não fosse suficiente, “The great cruve” fecha com um gosto de transe.

Mas é no “lado B” que a coisa pega. Como já escrevi nos tempos em que ainda trabalhava em jornal, este é a mais sublime sucessão de faixas já imaginada, onde a originalidade de casa música não apenas te pega de surpresa como também te convida a mudar de clima a cada três/quatro/cinco minutos, até que no final do disco você não tem nem força nem consciência para saber o que aconteceu com seus sentidos. A tentação de dar uma de Lethem é enorme… Mas, só para dar um gostinho, o melhor que posso fazer é dar aqui uma breve descrição de cada uma dessas canções – e esperar que você tenha com elas pelo menos uma fração da experiência que eu tive ao ler o texto de Jonathan Lethem sobre “Fear of music”. Com a consciência de que os resultados serão tímidos,  aqui vai o “lado B” de “Remain in light”, faixa por faixa:

“Once in a lifetime” – começa “no meio”, como se você ouvisse a música pela primeira vez, mas os músicos já a estivessem tocando há anos… Um canto ritual, de um pobre homem comum que descobre que tem tudo e não tem nada. Alguns sons vêm do espaço, outros de uma tribo que você não consegue identificar. O delírio dura pouco mais de três minutos, mas assim como a canção começou “do sempre”, mesmo depois que ela termina, a impressão é a de que a banda continuou tocando mesmo depois de a música terminar. Para sempre.

“Houses in motion” – o clima fica um pouco mais subjetivo. Os cantos vão-se embora e um monólogo toma conta da sua audição. Mas espere: logo chega um refrão para te acordar (se bem que o máximo que ele consegue é te jogar em outro transe). Um ritmo que continua sem definição de sua origem age sorrateiramente nos ritmos naturais do seu corpo, e antes mesmo de você decorar o refrão ou perceber um som que parece o de um elefante penetrando seu cérebro, a audição é seu sentido mais irrelevante: o que importa até o final dos seus quatro minutos e meio é sacudir…

“Seen and not seen” – exausto com a experiência anterior, seu corpo agora perambula sem tocar o chão. Se nas faixas anteriores havia luz, boa parte delas agora está apagadas – e você só tem certeza de que não está sonhando porque um distante bater de palmas sugere um resgate de lucidez. Versos viram murmúrios, e se você tinha a impressão de que estava andando em linha reta, descobre então que seu trajeto é circular e concêntrico – uma espiral da qual você não tem (e nem quer ter) esperança de abandonar.

“Listening wind” – mas de repente você é puxado dessa espiral. Não para seu centro, mas para o espaço que está acima dela. Menos sons, menos vozes, mas a sensação é a de que você está envolvido por mais conforto. Pernas e braços estão sendo não empurrados, mas embalados com um sopro onde a direção – para frente, para o centro, para cima – é o de menos. Depois que entra o primeiro refrão, uma guitarra lembra você da sua capacidade de chorar, mas você não consegue. A atmosfera é de contemplação serena: você não está mais se mexendo, mas vendo tudo passar – todas as coisas, objetos, pessoas, memórias (mas não necessariamente as suas). Pode ser que uma nova faixa (em algum lugar da sua memória você se lembra que são cinco ao todo) virá te resgatar. Mas quem se importa com isso?

“The overload” – abandone toda a esperança. Você agora só conhece duas coisas: a vibração e o infinito. A única saída possível é pegar o braço de seu toca-discos e voltar a agulha para aquele primeiro sulco do “lado B” – e viver tudo isso novamente. Mas quem hoje em dia ainda tem um toca-discos?

 

O refrão nosso de cada dia

“(Nothing but) flowers” – se você ainda está digerindo a informação de que eu gosto muito do derradeiro disco do Talking Heads, “Naked”, ouça isto! Não apenas essa música é irresistível para dançar (já testei várias vezes discotecando), mas seu clipe ainda é genial! Se você lembrar que o ano era 1988, o vídeo é definitivamente visionário. Mas usar esse adjetivo com o Talking Heads seria, claro, um pleonasmo…

 

Justin Bieber, “circa” 1979 – ou, “timing” é realmente tudo

qui, 05/07/12
por Zeca Camargo |
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“Baby” é uma canção quase perfeita. Funciona como uma espécie de resumo da angústia romântica de um adolescente de 16 anos – a idade que seu autor tinha quando foi escrita. Se quem estiver ouvindo a música tiver também 16 anos – some ou tire uns dois ou três anos –, a química é perfeita. A letra traduz uma súplica sutil de alguém que está muito apaixonado, mas ainda não tem certeza de que vai conseguir o que quer. O que faz então esse pobre coração solitário? Pede e pede e pede – pede sem para que seu amor fique com ele. Uma certa dose de melodrama é fundamental, e combina perfeitamente com a balada irresistível da música. Você até pode dançar, se estiver a fim, mas a faixa foi feita principalmente para ser ouvida – e, depois, para conquistar. Seria uma canção triste, se a gente não adivinhasse que seu poder de sedução é certeiro e infinito.

Porém, mesmo com tudo isso a seu favor, “Baby” não foi um grande sucesso. E se você acha que eu estou ficando louco, é porque está confundindo as coisas. Não estou falando do “hit” que colocou Justin Bieber no mapa – não só da Terra, como do Universo! (Mais sobre Bieber e seu novo álbum mais adiante). Essa “Baby” que não deu certo foi gravada em 1979, por uma dupla de irmãos que a história do pop esqueceu – ou melhor, uma dupla que a história do pop poderia até ter se lembrado, se alguém fora da cidade de Fruitland, no estado de Washington (EUA), soubesse da existência de um disco chamado “Dreamin’ wild”.

Falo de Donnie e Joe Emerson, dois irmãos “prodígio” que, sem nenhuma noção de como funcionava o mercado fonográfico, e apenas uma leve ideia do que acontecia no mundo da música pop na segunda metade da década de 70 – ajudados por um pai que acreditava no talento dos filhos como se fosse um presente divino – conseguiram gravar um disco sensacional, que deveria ser considerado um clássico da música “outsider”, ou “fora do circuito”. Com um atraso de meros 30 anos, é possível até que isso aconteça, uma vez que “Dreamin’ wild”, o único trabalho que a dupla gravou na época, foi finalmente redescoberto, e lançado em CD por um obscuro (ainda que divertidíssimo) selo independente chamado Light in the Attic. Não quero dar de esperto aqui: eu mesmo nunca havia ouvido falar desses caras (e olha que eu fuço…), mas na semana passada, quando estava em Nova York e dei aquela passada estratégica naquela que é, para mim, a melhor loja de discos do mundo (Other Music), deparei-me com essa capa – e fiquei hipnotizado:

O que haveria por trás dessa estranha imagem (que, como li depois no livreto que acompanha o CD, sugere vagamente que se trata de uma dupla de xifópagos)? Por que alguém lançaria um álbum assim em pleno 2012? Seria algo mais interessante do que uma mera curiosidade? E – mais importante de tudo: de que se tratava a faixa 3, com o curioso nome de… “Baby”? Quando finalmente cheguei em casa e escutei “Dreamin’ wild” por inteiro, tive bem mais do que as respostas para as perguntas acima… Tive uma revelação!

Assim que os roucos acordes de “Good time” (a primeira faixa do álbum) chegaram aos meus ouvidos, a pergunta-clichê veio sem convite: “como eu nunca tinha ouvido isso antes”? E ela veio com um misto de culpa e contentamento: sim, eu estava diante de uma preciosidade e estava prestes a mergulhar fundo nela. Aqui, porém, vale um aviso de advertência: sou tão desconfiado quanto você do fascínio que certas “esquisitices” exercem em círculos “cult”. Não cedo facilmente a músicas e artistas “estranhos” simplesmente porque eles são, hum, “estranhos” – ou porque são extremamente difíceis de encontrar, ou porque foram sub admirados por anos. Um bom exemplo disso é The Shaggs – aquelas irmãs ligeiramente “sem noção” que gravaram um dos discos mais bizarros de toda a história do pop, em 1969, encravadas em Fremont (New Hampshire, EUA), e que ficaram famosas, entre outras coisas, por receberem um elogio inesperado de Frank Zappa (ele teria dito que elas eram melhores que os Beatles). Mais de uma vez insisti com “Philosophy of the world” – o único disco que elas gravaram – e, apesar de ter achado graça em algumas faixas (isto é, apesar de algumas faixas terem me proporcionado boas risadas – “My pal foot foot” é simplesmente inacreditável!), acho sinceramente impossível dizer que aquela música é boa…

Já com Donnie & Joe a história é outra. Os meninos eram bons! Fora “Baby” – que já está em alta rotação no meu iPod (e você pode ouvir na seção do “Refrão” de hoje) –, “Dreamin’ wild” tem outros momentos brilhantes. Como a já citada faixa de abertura; ou a surpreendentemente funk “Feels like the sun” (como alguém ainda não “sampleou” isso?); ou a psicodélica “Give me that chance” (considerando que os garotos não usavam drogas na época, não dá para entender como eles vieram com uma faixa como essa!); ou a belíssima (e bem atual) balada “Dream full of dreams”; ou a inesperadamente densa canção final, “My heart”. Vai por mim, o disco em bom!

Mas, como a enorme lista de artistas injustiçados do pop sempre nos lembra, Donnie & Jon não estavam fadados ao estrelato. E não foi falta de investimento. Como descobri depois, o pai deles, um fazendeiro do interior, construiu um sofisticado estúdio de gravação – com um custo de 100 mil dólares (uma pequena fortuna ainda hoje, uma quantia impensável na época). O que aconteceu com a dupla é que eles ficaram totalmente de fora de qualquer circuito comercial – ou mesmo de uma programação decente de rádio. O estado americano de Washington tem Seattle como sua capital – o berço da revolução “grunge”, como qualquer fã do Nirvana sabe bem (fico imaginando qual seria a reação de Kurt Cobain, que um dia me apresentou um CD dos Mutantes e me perguntou onde ele poderia arrumar mais “daquilo”, ao ouvir “Dreamin’ wild” se o tivesse encontrado em algum sebo da cidade – mas eu, obviamente, divago…). A distribuição do álbum de Donnie & Joe, porém, mal ultrapassou as fronteiras de Fruitlan – quando muito chegou a Spokane, a “cidade grande” da região. E sua existência mal teria sobrevivido não fosse uma série de acasos que o material do CD conta de maneira saborosa.

A “Baby” de Donnie & Joe merecia mesmo ser um grande sucesso – mas o destino não quis assim. Uma canção com este nome – estava escrito – estava predestinada para estourar na voz de um outro garoto de 16 anos, mais de trinta anos depois. Agora sim, falo de Justin Bieber – o astro mundial, que entrevistei recentemente, e que acaba de lançar seu novo trabalho, “Believe”. Muita gente já falou do disco, e ele já é um sucesso de vendas internacional, independente do que as pessoas escreveram sobre o CD – bem ou mal. Porém, inspirado por “Dreamin’ wild”, eu resolvi fazer uma experiência inusitada: seria possível eu ouvir Justin Bieber hoje com o mesmo frescor com que escutei o álbum de Donnie & Joe? Se eu não tivesse nenhuma informação sobre o “pop star” e encontrasse “Believe” num “sebo do futuro”, qual seria a minha reação?

De cara, confesso que não foi tarefa fácil. Afinal, a gente parece que vive num “universo Bieber”! Suas músicas estão por toda a parte – seu rosto está em todo canto. E ainda por cima, como jornalista de cultura, eu sou constantemente informado do que acontece na carreira dele – e até me aprofundei especialmente no assunto para a última entrevista. No entanto, mesmo com todos esses obstáculos, hoje de manhã eu coloquei “Believer” para experimentá-lo de ouvidos limpos. E sabe qual meu veredicto? Ali existe um álbum excelente – mas que não poucas vezes é prejudicado pelo excesso de produção.

Prefiro começar pelo “maior motivo de orgulho”: “Die in your arms”. Essa é sem dúvida nenhuma a melhor música que ele jamais gravou – uma pequena obra-prima do pop, diretamente inspirada pelo som da Motown (Jackson 5 teria feito um estrago com essa canção!), atualizada para o século 21, e que cai como uma luva para a voz semi-inofensiva de Bieber, e certamente vai encantar qualquer fã que ainda não está convencido (ou convencida) do seu potencial. Eu já tinha decorado a música depois de apenas uma audição – é boa, é “catchy” (como os americanos descrevem uma canção que “gruda” na mesma hora no seu ouvido), é romântica, é adorável, e é, sobretudo, simples. E foi exatamente por isso que quis começar a falar de “Believe” por ela. Se os produtores do álbum tivessem tido o bom senso de seguir essa regra da simplicidade, o trabalho todo teria sido muito melhor. O acúmulo de efeitos, camadas sonoras, convidados especiais (como já escrevi neste espaço, venero Nicki Minaj, mas você acha realmente fez diferença em “Beauty and a beat”?), vontade de agradar todo mundo ao mesmo tempo – todas essas coisas juntas acabam confundindo um ouvinte que quer apenas conferir a capacidade de Bieber de interpretar uma boa canção.

Os excessos são mais gritantes em faixas “dance”. Como é isso que está dominando o gosto americano agora (e as paradas também), dá até para entender a preocupação em favorecer esse tipo de som. Mas quando isso interfere com uma boa composição, as coisas ficam um pouco confusas. “All around the world”, que abre o disco, é a primeira evidência disso – coisas demais que acabam dizendo pouco, e deixam a voz de Bieber quase anônima. Felizmente, “Boyfriend” chega em seguida para limpar essa impressão. Produzida na medida certa, ela combina uma letra justa, um violão meio flamenco, o próprio cantor, uma batida despojada, e um distante “assovio”, para criar (essa sim) uma bela introdução para um Bieber que – como ele me contou na recente entrevista – já não é mais um garoto, mas ainda não sabe se já é um homem.

O respiro seguinte – depois da confusa “As long as you love me” – vem com “Catching feelings”. Bela canção, belo violão (de novo), e um certo toque de (ele mesmo) Michael Jackson ajudam você a se lembrar que ali tem um bom intérprete. “Take you” vem a seguir, como uma faixa rejeitada do último álbum de Madonna: seu refrão é bom demais, mas acaba se perdendo em uma (outra) confusa produção. A parceria com Drake, em “Right here”, passa sem dor – e sem deixar lembrança. “Fall” tem um coro poderoso – e certamente vai funcionar muito bem no palco (já posso imaginar todas aquelas telas de celular acesas na arquibancada). Mas aí vem “Die in your arms” – e eu tive que fazer uma pausa. Afinal eu estava diante do pop mais perfeito desde, hum, “You can’t hurry love”! Foi nesse momento que me curvei a Justin Bieber, em respeito a suas capacidades interpretativas. Estava tão feliz em ouvir “Die” duas, três, seis, dez vezes, que mal se sentia animado a avançar.

Foi desconfiado que passei para “Thought of you” – e me surpreendi com um ótimo refrão (digamos que o segundo melhor do disco) e a única batida que realmente me levaria a uma pista de dança. Minaj chega na faixa seguinte, mas sem surpresas. Depois vem “One love” (que em hipótese alguma deve ser confundida com a do U2); “Be alright” (apenas mais uma balada); a faixa-título (onde a inspiração Michael Jackson foi usada novamente, com resultados não tão bons); e mais um punhado de “fillers” (como a indústria fonográfica chama faixas que estão lá apenas para “preencher espaço”); até tudo terminar em “Maria” – uma espécie de “Billie Jean” (sim, “ele” de novo), que é até boa, mas também acabou vítima de uma super produção.

No final, achei que sons demais atrapalharam um disco que poderia dar a Bieber não só as multidões de fãs – que ele, aliás, já tem – mas também o respeito de uma crítica que torce para que ele seja um novo Justin Timberlake. Nesse caso específico, “mais” foi realmente “menos”. E eu arriscaria até dizer que “Believe”, para tentar deixar a impressão de um trabalho maior, poderia ter terminado ali mesmo, na sua faixa oito – justamente “Die in your arms”.

Adivinha quantas faixas compõem “Dreamin’ wild”…

O refrão nosso de cada dia

“Baby”, Donnie & Joe Emerson – apenas para convencer você de que minha “descoberta” é realmente boa. E que, se todas as condições tivessem sido realmente favoráveis, Donnie & Joe poderiam, por um breve momento no final dos anos 70, ter dominado o mundo…

“Crimini i peccati”

ter, 03/07/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Em 1989, eu era um “mané” de 26 anos morando em Nova York, quando então assisti ao filme “Crimes e pecados”, de Woody Allen. Sempre que alguém me faz a inevitável pergunta “qual o filme mais importante de sua vida?”, eu geralmente respondo que é justamente este – com pequenas variações (quando quero alternar com algo do mesmo diretor, digo que é “Zelig”; algumas vezes digo que é “Paris, Texas”; outras, escolho “Tarnation”; em certos círculos é de bom tom lançar o nome de “Nove rainhas”; em outros, “Irreversível”; “Mera coincidência” sempre pega bem – e, conforme a roda de conversa, “Falcão negro em perigo” também; em raras oportunidades solto um “Ratatouille” – ou mesmo um “Ultimato Bourne” (substituído rapidamente por “Pulp fiction”, conforme a reação de quem ouve); ultimamente tenho optado por “Catfish”, ou então “Tabloid”, para ser coerente com esses tempos que vivemos; e se estou muito bem-humorado, ainda jogo um “Aperte os cintos, o piloto sumiu”; mas eu, claro, divago – e mal começamos o post, o que não é um bom sinal…).

Mas se você apontar uma arma para a minha cabeça e exigir que eu escolha apenas um filme, eu vou dizer “Crimes e pecados”. Não se preocupe que este não é um post sobre um filme de mais de 20 anos. Vou usá-lo apenas como referência para falar de Woody Allen – especialmente porque, desde que o assisti, fiz um curioso pacto comigo mesmo: eu veria todos os filmes seguintes de Allen sempre em Nova York. O tal “pacto”, claro, não era mais que uma boa desculpa para me esforçar em ir à cidade pelo menos uma vez por ano – conhecendo a frequência com que diretor produz, eu sabia que estava “obrigado” a visitar Manhtattan pelo menos a cada doze meses…

Mas aí Woody Allen resolveu eleger outras cidades para suas locações – o que obviamente colocava um problema “metafísico” para mim: a partir do momento em que ele começou a filmar em Londres, Barcelona, Paris, deveria eu conferir cada uma dessas estreias nas cidades onde elas foram filmadas? Ou ser fiel ao “pacto original”- ver tudo em Nova York? Por sorte, quando “Ponto final – match point” foi lançado, eu estava até em Londres – e lá o vi. Mas em 2006, quando Allen soltou “Scoop – o grande furo” (que demorou “décadas” para chegar ao Brasil), eu não estava nem perto da “pequena ilha” – como alguns atores bem-humorados chamam a Inglaterra. Mas eu passei por Nova York nessa época – e vi “Scoop” por lá. Percebe a confusão? Como eu ia me virar com a “regra” que eu mesmo havia “combinado”? Era mais “adequado” eu assistir a uma produção inglesa na cidade onde o diretor morava ou onde ele a havia filmado? Para confundir um pouco as coisas, conferi “O sonho de Cassandra” em Londres… “Vicky Cristina Barcelona” – bem, não vou à “capital” catalã desde 1998, então acabei vendo este filme aqui no Brasil mesmo… Mas, por uma incrível coincidência, eu estava em Paris quando os cinemas da cidade “levavam” (como dizia minha avó) justamente “Meia-noite em Paris” – e a chama do meu “compromisso” com Allen reacendeu-se.

O filme, que este ano, como você se lembra, ganhou o Oscar de melhor roteiro original, é brilhante – e não estou aqui me exibindo quando digo que tê-lo visto na própria capital francesa tinha um sabor todo especial. Como contei na época, seu primeiro filme rodado lá (“Todos dizem eu te amo”) eu também conferi na cidade, num cinema ali em Saint Germain… E a combinação dessas duas felizes coincidências fez com que eu me considerasse um sujeito de sorte…

Mas aí Woody Allen resolveu filmar em Roma. Roma! Uma cidade que eu já visitei algumas vezes – e que, para o desgosto de muitos amigo (e seguidores) viajantes, eu não adoro. Tenho meus problemas aqui com o turismo na Itália – acredite: já fui lá por vezes suficiente para me basear não numa amostragem escassa, mas numa escala empírica. Mas, quando soube que seu novo filme estava para estrear, eu não tinha nem a previsão de passar pela capital italiana. A bem dizer, eu não estava nem animado com a perspectiva de assistir a “Para Roma, com amor”, por conta apenas da locação.

Porém, na semana passada, a perspectiva de uma viagem a Nova York (sim, os que sugeriram que eu estava no teto do Metropolitan Musuem, no meio da instalação do artista plástico argentino Tomás Sarraceno, na foto que publiquei no último post, podem marcar mais um ponto na sua cartela!) já me deixou todo animado: eu voltaria às “origens” do meu “pacto”, e assistiria ao lançamento na cidade de Woody Allen! Seria perfeito, não fosse uma interferência do acaso – sempre ele! Não sei bem por que motivo, os distribuidores do filme no Brasil resolveram lançá-lo por aqui quase que na mesma semana que nos Estados Unidos – e, eis que, sábado retrasado, eu estava aqui mesmo, no Rio de Janeiro, vendo as quatro histórias que o diretor resolveu contar usando Roma como pano de fundo.

Saí da sessão ligeiramente insatisfeito – e os que me acompanham aqui já há algum tempo talvez saibam o quando me incomoda escrever isso. Eu sou daqueles fãs de Allen que, como já escrevi aqui mesmo, sou capaz de defender até mesmo “Melinda e Melinda” – e que colocaria “Você vai encontrar o homem dos seus sonhos” entre os 5 melhores do diretor! Mas o fato é que nos créditos finais de “Roma” eu não estava feliz. A principal razão dessa decepção vinha de uma expectativa frustrada: as quatro histórias contadas por Allen dessa vez não se juntam no final. Como ele podia me desapontar dessa maneira? Afinal, o próprio “Homem dos seus sonhos”, que nos dava a impressão que era simplesmente um monte de histórias que ele jogou para cima para ver o que acontecia, na sua conclusão mostrava uma conexão coerente entre tudo que a gente havia visto na tela (e, para dar outro exemplo recente, o mesmo vale para o subavaliado “Tudo pode dar certo”). Mas agora não! Em “Para Roma, com amor”, o diretor simplesmente apresenta quatro narrativas independentes – que se têm um fio de ligação, é aquele velho argumento de Allen: o de que somos totalmente incapazes de controlar nosso destino, especialmente no que se refere aos desejos… do corpo e do coração!

Essa ausência de uma “amarração”, como disse, me deixou bem chateado logo que o filme terminou – mas, em defesa de Allen, devo dizer que minha opinião sobre o trabalho melhorou a cada dia. Fui desencanando aos poucos dessa “necessidade de conexão”, e, lendo sucessivas críticas sobre o filme, acabei me convencendo de que ele serve bem como um bom painel para o diretor reinterpretar suas obsessões de sempre. Amor, traição, a inútil sabedoria dos mais velhos, o estúpido desejo dos mais novos – aqui e ali, ele pontua, com a esperteza de sempre os mesmos temas (desde “Crimes e pecados”, diga-se, ou mesmo antes dele). E com uma vantagem: “Para Roma, com amor” está recheado de boas piadas, como os fãs de Allen não via há tempos. (Contá-las aqui certamente privaria você de conferi-las durante a exibição do filme, mas apenas para assinalar algumas delas, fique ligado naquela que Penélope Cruz solta durante uma visita à Capela Sitina, bem como ao comentário que Woody Allen faz sobre sua voz quando canta na banho).

Cada pessoa com quem você conversar vai te falar de uma história favorita. Os que ainda não pararam para pensar que a nossa fixação com a cultura das celebridades talvez já tenha ultrapassado (levemente) o limite do bom senso talvez gostem mais da “fábula” de um homem comum (Roberto Benigni) que de uma hora para a outra passa a ser seguido pela mídia. Os incertos do coração vão se identificar, claro, com o inseguro jovem arquiteto (Jesse Eisenberg) que se apaixona pela, adivinha, melhor amiga (Ellen Page) da sua namorada – a história que, aliás, eu menos gostei. As melhores piadas estão reservadas para a trama que coloca uma prostituta (Penélope Cruz) no quarto de uma jovem recém-casado (Alessandro Tiberi), minutos antes de ele apresentar sua mulher – que se perdeu em Roma – para sua família ultra conservadora. E, finalmente, tem minha trama favorita: a que o próprio Woody Allen escolheu para atuar, depois de anos apenas atrás das câmeras.

A filha de Jerry (Allen) conheceu um jovem italiano quando passava férias em Roma – e agora vai se casar com ele. Quando Jerry, que é um diretor aposentado de ópera, vai à Itália para conhecer seu futuro genro, ele descobre que o pai do noivo de sua filha é um talento escondido: canta como Pavarotti, mas… só quando está embaixo do chuveiro! É uma “piada de uma nota só”, reconheço – mas Allen tira dela o máximo de graça.

Relendo o que escrevi agora – e reforçando o que sugeri antes – a cada dia gosto mais do filme. Dez dias já se passaram desde aquela sessão e, daquele mau-humor inicial, minha impressão de “Para Roma, com amor” já está quase caminhando para uma inquestionável admiração (sim, mais uma). Recentemente, para falar desse novo filme, o jornal “The New York Times” pediu a Woody Allen que citasse quatro filmes de diretores italianos que o tivessem marcado. Sua seleção, como não poderia deixar de ser, é cheia de “clássicos”: “Ladrões de bicicleta” (Vittorio de Sica); “Sciuscià” (também de Sica, cujo nome em português me escapa agora – mas um leitor, Alessandro, acabou me ajudando com seu comentário: o título em português para “Sciuscià” é “Vítimas da Tormenta”); “Blow-up – depois daquele beijo” (Michelangelo Antonioni); e “Amarcord” (Fellini).

Nesse seu último trabalho, Allen nem chega aos pés de nenhum filme desses – não precisa se preocupar. Mas quem há de condenar o diretor de 76 anos, e uma respeitável filmografia, por ele querer brincar um pouco com as possibilidades de ilusão de uma cidade como Roma?

O refrão nosso de cada dia

“Vacanze romane”, Matia Bazar – acho que fui injusto com Roma em algumas observações acima… Assim, aqui vai uma reparação. Um clássico – pelo menos para esye mochileiro que passava pela Itália no início dos anos 80 e ficou totalmente fascinado com esse som tão moderno – pelo menos para a época! Eu sei… Hoje, “Vacanze romane” (“Férias romanas”, em português) soa bastante datado. Mas acredite, em 1984, andando pelo mesmo Trastevere que alguns personagens cruzam no filme de Woody Allen, eu era o cara mais feliz do mundo só de saber cantarolar, “Ma piove il cielo sulla città”…