O resto do mundo

qui, 25/02/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

“Avatar”? 50%, foi a resposta do vendedor.

Eu estava numa loja de CDs e DVDs de uma das minhas escalas desta última viagem – uma loja “oficial”, dentro de um shopping center “oficial”, e, muito consciencioso de sua reputação, o rapaz atrás do balcão não queria me “enganar” vendendo uma cópia – obviamente pirata – do filme de maior sucesso de todos os tempos. Assim, usando de um método duvidoso, ele ia classificando os filmes que eu apontava conforme a qualidade da reprodução disponível no seu estoque – que, só insistindo, era virtualmente todo ilegal. “Up – altas aventuras”? 85%! “Meu nome é Kahn” (o controverso filme de Bollywood que mal havia estreado nas telas indianas – ainda quero falar dele aqui uma horas dessas)? 60%! “Sherlock Holmes”? 95% – ou seja, “pode levar sem susto”! Encontrei até mesmo uma cópia do “nosso” “Carandiru”, dirigido por Hector Babenco. O veredicto do vendedor: 80%! Interessante essa cidade…

Já não estou mais nela, cenário também da foto que usei no último post para perguntar– não sem um certo atrevimento – por onde eu andava. Na verdade já não estou nem mesmo na cidade de onde mandei aquele último texto. Hoje escrevo da sexta e última escala dessa aventura por mega cidades do mundo – um lugar dos mais fascinantes que conheci ultimamente (e que não vou revelar justamente para a gente ter um pouquinho mais de assunto mais para frente…).

Mas enfim, voltando à cidade da foto (e dos DVDs piratas), ela foi tirada em Dhaka, Bangladesh – e aqui eu tenho, claro, que dar os parabéns, com louvor, para a Andréia que, exatamente como eu propus, mandou um comentário dizendo não só o nome do lugar, mas descrevendo o monumento que estava atrás, o que ele homenageava, e o que significavam aquelas pessoas vestidas de branco e preto que posaram comigo. Bravo!

Aquele modesto monumento atrás de nós celebra não apenas os mártires que morreram em 1952 para defender a língua do “Paquistão do leste” (como Bangladesh era conhecido), mas também a própria língua, o bengali, como fator de identidade nacional – de uma nação que então nem existia oficialmente. A escultura  no fundo da praça é modesta. Não passa nem perto de algo que a gente poderia chamar de “cartão postal” da cidade – qualquer capital européia, ou mesmo asiática (e até latino-americana, por que não?), tem provavelmente alguma coisa mais exuberante para oferecer ao turista. Bangladesh tem isso. E quem quiser que tire foto…

Aliás, esse lugar, junto com o parlamento nacional – uma impressionante construção criada pelo famoso arquiteto estoniano (que fez sua carreira nos Estados Unidos) Louis Kahn –, são das poucas coisas atraentes que um visitante pode considerar “fotografável” em Dhaka. Num lugar que, exatamente quando eu estava lá, havia sido considerado a segunda pior cidade do mundo para se morar (para você ter uma idéia, Harare, no Zimbábue, foi eleita a pior de todas), dois lugares interessantes para se visitar já podem ser considerados um trunfo!

Acontece que meu trabalho por lá não consistia, claro, em apenas visitar esses pontos “turísticos”. Estou viajando para reportar sobre a vida nas mega cidades – quais são seus grandes desafios, e, se for o caso, que soluções essas cidades encontraram para crescer ainda mais de maneira que seus habitantes pudessem ter uma vida um pouco mais confortável. Assim, procurando exatamente soluções para problemas crônicos, acabei vivendo situações que estavam bem longe de serem consideradas, digamos, aprazíveis…

Experiências como essa foram se acumulando ao longo desta viagem (que termina neste fim-de-semana, e deve ser exibida no “Fantástico” a partir de abril). Mas nenhuma delas, porém, teve em mim um impacto tão forte quanto essa visita a Dhaka. Durante pouco mais de três dias, eu e meus colegas vimos um conjunto de coisas que nos impressionou profundamente – e não exatamente por sua beleza… Ou melhor, de repente, era até possível encontrar numa cena cotidiana dessa cidade que cresce assustadoramente (e que tem a glória dúbia de registrar a mais alta densidade demográfica do mundo!) alguma coisa mais, hum, inspiradora. Mas isso exigia sempre uma boa dose de abstração da parte de quem registrava tudo, como se seu olho tivesse que ser especialmente treinado para filtrar algo de belo em cenas nunca menos que desesperadoras. Como nesse carrossel, por exemplo…

Tirei essa foto na favela de Korail, uma das maiores e mais ameaçadas de Dhaka. Na praça central que dá para principais ruelas da comunidade, ficam estacionados dezenas de riquixás (aqueles que vão disputar espaço no caótico trânsito da cidade com tais ônibus de “papier machê” que já mencionei aqui). A pouca renda que algumas dessas famílias têm vem dessa atividade – sem uma infraestrutura de transporte público, a cidade “circula” com essas “charretes de bicicleta”, impulsionadas por um combustível que já não se vê muito em nenhuma grande cidade: energia humana…

Algumas mulheres que vivem ali – mães de família – trabalham como empregadas domésticas, por salários que raramente as colocam acima da linha da pobreza. E as crianças? Bem, as crianças, quando não estão em uma das improvisadas salas de aula (bancadas por ONGs, já que o governo nem se preocupa em educá-las), brincam no carrossel…

carrossel

Contudo, apesar de um cenário de desesperança absoluta, coisas boas também açontecem por lá. Estimuladas por projetos sociais, as mulheres se organizam para tentar lutar por alguns direitos, como a legitimidade das suas moradias, ou um mínimo de condições sanitárias (na foto abaixo, estou com um grupo delas que entrevistei para a reportagem). E, ao contrário do que a gente possa achar numa primeira impressão, elas são organizadas sim, e relativamente otimistas de que vão conseguir pelo menos alguma melhoria – se não na vida delas, pelo menos na de seus filhos!

mulheres

Não vou aqui me alongar em histórias como essa – melhor convidar você para assistir as matérias quando elas forem ao ar, daqui a algumas semanas. Mas quis fazer toda essa introdução sobre Dhaka para falar justamente do resto do mundo… Não sobre esses lugares que estou visitando, mas sobre o “resto do mundo” quando a gente olha daqui – e aí, claro, estou falando do “seu mundo”, de onde você está lendo desse post – aquele que é meu mundo também por boa parte da minha vida, mas que quando eu viajo para lugares extremos viram referências distantes, quase ecos de uma terra que só existe em projeção.

O que estou experimetando agora parece muito com uma sensação que descrevi no final do meu primeiro livro, “A fantástica volta ao mundo”. Naquela época (idos de 2004), depois de viajar quatro meses por todo o planeta, eu terminava a jornada em Lisboa, exatamente no dia em que Madonna se apresentava por lá (primeira vez em Portugal!). Eu tinha tempo, uma certa vontade, e até ingressos para ir ao show – mas não fui! As razões dessa minha decisão eu explico com detalhes no livro, mas somente para fazer um paralelo com o que estou sentindo agora, tem  vezes em que eu tenho a impressão de que “o resto do mundo” não é aquilo que a gente nem fica sabendo no nosso cotidiano tão local, mas justamente aquilo que faz parte do nosso dia-a-dia mais próximo – desde que você fique suficientemente distante dele.

Já vinha pensando nisso há algum tempo e, quando uma amiga em mandou um email ontem me perguntando se eu estaria no Brasil para ver o show do Coldplay – a ficha finalmente “caiu”. Durante as últimas semanas, eu estava (e acho que ainda estou) completamente desligado de eventos culturais que normalmente me deixariam salivando!

Disco novo do Massive Attack? Mesmo? Notícias do BBB 10 que vejo eventualmente na internet parece que vêm de outra galáxia! Comemorei sim a vitória de Paulo Barros no Carnaval carioca deste ano, mas mais como a conquista de um amigo do que por sua importância cultural. Corrida para o Oscar? Sinceramente, o mais perto que cheguei de Hollywood nos últimos dias foi durante a cena que descrevo no início deste texto… Curiosamente, na véspera de retornar para o Brasil e mergulhar de novo naquilo tudo que me é tão próximo e conhecido, sinto-me ligeiramente desconfortável. É como se eu tivesse passado para o “outro lado do mundo” e agora, como uma criança teimosa, ensaiasse uma birra para voltar…

Ah, eu conheço bem essa sensação – como disse, já passei por isso em 2004 (e em outros momentos desde então, em intensidades menores).Mas como a própria criança birrenta que esqueceu que já viu “Toy story” pela milésima vez e pede para assistir de novo, eu insisto em “brincar” de não querer voltar para as coisas que eu já conheço… É um sentimento totalmente bipolar: ao mesmo tempo que eu quero consumir novamente tudo aquilo que eu adoro – música, pop, BBB, Oscar! – eu não posso simplesmente me desligar dessas experiências fortíssimas que acabo de viver. Como perguntei aqui mesmo recentemente, o que devo fazer?

Menos de 48 horas antes de regressar para o Brasil estou dividido. Vou voltar, é claro – este domingo mesmo você já pode me encontrar no mesmo lugar de sempre… Mas como eu me viro com todo esse lado do mundo que eu faço questão de carregar comigo? Quem sabe o mínimo que eu possa fazer é usar justamente este espaço do blog para dividir com você um pouco dessas experiências – e finalmente chegar à conclusão feliz de que o mundo tem muito mais do que dois lados só…

Tô voltando. E não é fácil. Nunca é.

Onde eu estou (“advanced”)?

seg, 22/02/10
por Zeca Camargo |
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Sim, é a cidade dos ônibus de “papier machê”, como eu citei no post anterior. Mas ela é muito mais que isso. Por isso, brinquei com o “advanced” na pergunta do título de hoje. Sabendo que estou viajando para fazer uma série sobre “megacidades”, e conhecendo bem a queda que eu tenho por um certo canto do mundo – você, leitor(a) assíduo(a), sabe do que estou falando –, não vai ser difícil arriscar um palpite…

Porém, te desafio a dar uma resposta um pouco mais detalhada: em que ponto exatamente eu estou? Que monumento é aquele lá atrás? E porque as pessoas estão vestidas dessa maneira? Tem a ver com aquela praça? Com um feriado nacional (daquele país, claro)? Com as duas coisas? Ah… Perguntas demais para quem pretendia registrar aqui apenas uma foto e uma frase… E para quem, já em outra escala dessa aventura (onde o transporte urbano é tão eficiente que quase que dispensa os ônibus!), está deveras adiantado no fuso horário e completamente embriagado de cansaço… Quinta-feira falamos do lugar da foto – e de outras coisas que faz os homens serem o que são…

zeca

Como os homens são

qui, 18/02/10
por Zeca Camargo |
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O riquixá que vem por atrás dá um nada leve toque na traseira daquele que está me levando – se é que ele vai chegar a algum lugar. Numa espécie de largo da cidade caótica que eu visito agora, cercado por ônibus que parecem feitos de “papier machê”, de tão machucados na lataria, o tremor não registra mais forte do que um toque de um carrinho de trombada de um circo do interior – daqueles que eu costumava ir (e me divertir à beça) quando passava férias onde nasci. Mas eu estou bem longe dela, e o impacto, ainda que suave, me acorda de um transe involuntário. Estou vertiginosamente contagiado pelo ritmo frenético do lugar onde visito – e ainda não sei se isso é uma coisa boa…

Antes da sutil colisão dos riquixás – tão comuns na rotina deste lugar de onde escrevo, esboçava os parágrafos que queria escrever hoje, num esforço hercúleo para não fugir do assunto. Afinal, há mais de uma semana viajo por lugares surpreendentes que me inspiram fortemente… Porém, antes de sair do Brasil, tinha pensado em escrever um post exatamente com o conteúdo que eu vou desenvolver hoje – um tema que, diga-se, não tem nada a ver com as experiências que estou vivendo agora (não, isto não é um “onde eu estou disfarçado”, mas se você quiser ariscar um palpite do meu paradeiro agora, fique à vontade!).

Porém, mesmo com todas as distrações que este (e o outro lugar por onde passei anteriormente) oferece(m), resisti a tudo bravamente para me concentrar no assunto que eu já havia planejado. E com que dificuldade… Pois não são apenas as coisas que estou vivenciando que me estimulam a sair do meu tema inicial… Tem também um dos álbuns que não paro de ouvir nesta viagem (Atlas Sound, “Logos” – fortemente recomendado!); toda a série de Bruno Aleixo na escola , que eu não conhecia até receber o link de uma amiga (e que tenho de ver toda manhã para acordar animado!); o terceiro livro da trilogia “Millenium”, que estou atravessando com dificuldades; o triunfo de Paulo Barros no Carnaval carioca (finalmente! – eu te disse… eu te disse…); e ainda a inacreditável discussão entre os leitores daqui mesmo deste blog, sobre o que eu acredito ou não acredito (“a nível de” Deus!), em pleno Carnaval!!! – sinceramente…

Assim, mesmo com todas essas tentações, consegui me concentrar o suficiente para escrever sobre um assunto que não passa nem perto do lugar onde estou: Hollywood! Ou melhor, até passa – mas de maneira inesperada… Há dois dias, numa loja de música e vídeo, depois de me empurrar uma boa dúzia de CDs piratas – isso, numa loja de “shopping”! –, o vendedor começou a tentar me convencer a levar alguns DVDs piratas também, que ele, tentando ser transparente, se esforçava para classificar a qualidade da cópia que estava oferecendo – exemplo: “Avatar”, 60%; “Up”, 85%; “My name is Khan” (um grande “succès de scandale” aqui na Ásia), 90%; e “Bastardos inglórios”, 100% (e eu quase comprei essa, achando que assistir a uma cópia pirata desse filme na Ásia era quase uma homenagem ao diretor Tarantino…). Isso é Hollywood, mas não é bem o que eu quero falar…

Meu assunto hoje é uma espécie de trilogia “involuntária” de produções que vi recentemente. Ela começou no final do ano passado, com um filme que assisti voando para Nova York, em novembro – e terminou com outro filme que eu vi no avião vindo para esta última aventura. Entre eles, um outro que consegui ver no cinema nos breves dias em que passei pelo Brasil entre as viagens. Coloquei os três filmes juntos por mero acaso. Se resolvi classificá-los como uma “trilogia”, é mais talvez pela coincidência de eu tê-los assistido no momento em que vivo agora – que provocou toda essa reflexão – do que pela intenção de seus nobres diretores… Mas o que eu achei curioso é que os três acabaram me ajudando a refletir sobre a própria essência emocional masculina.

Eu sei, eu sei… Que assunto mais besta de falar bem depois do Carnaval… Mas pense melhor… Será que este não é justamente o melhor momento para discutirmos isso? Depois de tudo que aconteceu – depois de tudo que você aprontou (ou que aprontaram com você!), não é essa a hora de tentar entender como funciona nossa cabeça? E quem sabe, o coração? Tenho aqui três evidências para provar que Hollywood, pelo menos nesta temporada, ainda pode nos ensinar muita coisa sobre nós mesmos…

500dias

Primeiro, “500 dias com ela”. Sim, eu já falei um pouco sobre esse filme aqui mesmo neste espaço. Mas tenho de retomá-lo para dizer que ele oferece “de bandeja” uma chave preciosa para quem quer nos entender: nós nos apaixonamos sim! E somos extremamente idiotas quando passamos por isso. Poucos são os que vão admitir isso, mas é verdade. Somos capazes de morrer de amor – por mais que o objeto dessa paixão nos diga friamente que “ninguém morre de amor”, a gente morre sim. Não uma morte absoluta, mas uma “petite mort”, que vai nos consumindo a cada dia até a gente achar que não tem mais por que viver.

Tom Hansen, o personagem vivido por Joseph Gordon-Levitt no filme, é exatamente esse “idiota” (e se uso aspas é para não ofender a mim mesmo, que mais de uma vez estive na pele do mesmo personagem). Incorrigíveis, nos apaixonamos pela pessoa errada e nos recusamos veementemente a reconhecer o erro. Depois de uma natural euforia inicial, nos forçamos a reconstituir esses primeiro estágios da paixão – obviamente em vão. E seguimos achando que perdemos a “pessoa da nossa vida”, numa auto-punição masoquista.

“500 dias com ela” me fez lembrar o quanto não temos nenhuma pista de como “a outra metade” pode mexer com o nosso coração. E foi preciso ver “ Amor sem escalas” para me lembrar que, de vez em quando, somos imunes a todas essas, hum, emoções…

amorsemescalas

O mais novo filme de George Clooney não é muito bom. Para começar (pelo final), é mal resolvido. O conflito profissional do personagem – que ganha para demitir funcionários que as empresas não têm coragem de demitir, e que se vê ameaçado por uma novata no escritório que sugere que o “serviço sujo” possa ser feito pela internet – não se sustenta. E, na qualidade de quem viaja também com certa frequência (se bem que bem aquém de alcançar as tão sonhadas 10 milhões de milhas do personagem de Clooney), eu teria uma ou duas dicas para dar a ele na hora de arrumar a mala – mesmo tendo que confessar que gostei bem do conselho sobre em qual fila entrar na hora de passar pelo raio-x no embarque…

Mas as turbulências pelas quais Ryan Bigham (Clooney) passa na sua duvidosa vida amorosa são muito verdadeiras. Nenhum de nós quer admitir que quer um “porto seguro” – essa é a última fronteira (como diriam os fãs de “Jornadas nas estrelas”!). E quando finalmente resolvemos baixar a guarda e tentar encarar alguma coisa assim… sempre é tarde demais… A “falta de jeito” do personagem de Clooney ao lidar com as possibilidades amorosas – já bem frágeis, considerando que ele não tem nenhum lastro onde se ancorar na sua vida de viajante – é tão verdadeira quanto cruel. E não foi sem um certo desconforto que eu fiz a ligação entre este filme e “500 dias com ela”. Nós somos bem idiotas – pensei. E quando queremos ser espertos, somos mais idiotas ainda…

Ao que esses dois filmes pareciam indicar, tudo estaria perdido, no que diz respeito ao nosso equilíbrio emocional… Mas então eu assisti a “Educação” num recente vôo mais longo – e me senti (me desculpe) vingado!

educacao
Indicado para o Oscar em três categorias (melhor filme, atriz e roteiro adaptado) e merecedor de pelo menos uma estatueta (a de melhor atriz), “Educação” é uma maldade com todos nós, homens! Ali, de maneira brutal e sem a menor concessão, está exposta nossa terrível capacidade destrutiva emocional – personificada pelo sensacional Peter Saarsgard (na pele do “predador” David). A mensagem do filme está longe de ser original – o que nós queremos é sempre “aquilo” (mesmo quando achamos que não queremos, quando temos a falsa impressão de que encontramos o verdadeiro amor). E estamos dispostos a fazer qualquer coisa para conseguir tal objetivo – não importa quantos corações tenhamos que partir (o de quem amamos, o de quem achamos que amamos, os das pessoas que acham que sabem quem amamos). Em suma: não valemos nada! Por isso, se alguém quiser aprontar com nossos sentimentos, pode vir… Mais cedo ou mais tarde vamos mostrar do que somos realmente capazes!

Idiotas, insensíveis e canalhas. Cada um dos filme aos quais assisti me lembrou que somos capazes de nos sentir de uma dessas maneiras no que se refere aos assuntos do coração. Não estou torcendo para nenhum deles na cerimônia do Oscar deste ano (já declarei meu voto recentemente). Mas, de maneira bem intuitiva, já separei a “trilogia” para assistir de novo na tranquilidade do meu lar – quando eu conseguir passar por lá (ainda são mais dez dias de viagem…).

E lá em casa também vou procurar a versão original da música que emprestou seu título para o post de hoje: “How men are”, do Aztec Camera. Para os mais jovens, esse é o nome da banda de um homem só onde se escondia um artista genial chamado Roddy Frame – sim, estou novamente nos anos 80, mas não desanime!

O Aztec Camera ficou famoso internacionalmente com uma das melhores canções pop de todos os tempos: “Oblivious”. Perfeita como ela é, a faixa porém não revelava todo o talento de Frame, nem como músico (sua versão para “Jump”, do Van Halen, é intocável!) nem como compositor. E, nesse aspecto, sua obra-prima para mim chama-se “How men are” (ou, em português, na minha tradução sempre apressada, “Como os homens são”).

É tarde da noite (para eu saber que Paulo Barros é o campeão do Carnaval carioca no fuso horário que estou, é porque escrevo madrugada adentro!), e inexplicavelmente tudo que eu quero é ir para casa ouvir a versão original de “How men are”  – já que o YouTube só me dá releituras que não chegam aos pés da canção que eu conheço…

David, Ryan Bigham, Tom Hansen – e eu mesmo. Todos dançamos desajeitadamente nessa madrugada insone, na enorme janela do quarto insosso do meu hotel, de onde vejo as poucas áreas da cidade que me hospeda que não tiveram a energia cortada – tudo ao som de Aztec Camera: “It’s called love / and every cruelty will cloud it…” (desculpe, mas estou meio sem forças para traduzir… na segunda que vem, quem sabe, continuamos a falar sobre isso, ou, se calhar, sobre esse estranho lugar que visito agora…).

“Crazy in love”

qui, 11/02/10
por Zeca Camargo |
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bey

O que é um show perfeito? Aquele que você espera que o artista – ou a banda – apresente todas as músicas que você conhece em versões bem próximas daquelas que você já conhece na gravação original? Aquele que, como aconteceu há menos de um ano, na passagem do Radiohead pelo Brasil, faz você ver sua banda favorita – ou seu artista favorito – de um ângulo totalmente diferente (e transcendente)? Aquele que você, mesmo sem estar familiarizado com todas as músicas do repertório, aproveita cada número? Ou aquele que, em mais de um momento, é mais interessante olhar para o delírio manifestado pela platéia do que para os esforços do artista em questão em esbanjar seu carisma? Bem, seja qual for sua definição para um show perfeito, eu afirmo que esta última turnê de Beyoncé é para você!

No show que vi na última segunda-feira, no Rio – minha única oportunidade de presenciar a força e o magnetismo dessa que, se eu acreditasse num criador, certamente daria a ele o crédito de ter projetado alguém tão carismático, bonito, magnético e inspirador quanto ela –, sobravam motivos para confirmar isso, e ficar feliz que vivemos numa era onde a indústria do entretenimento é capaz de oferecer algo assim.

Eu estava lá, amigo – amiga. E vi gente cantando refrões que eu nem tinha registrado na minha memória (apesar de sempre ter conferido todos os lançamentos dessa artista maior). Vi mãos esvoaçando na direção que ela mandava – e multidões respondendo perguntas em inglês, mesmo sem ter muita idéia do que estava sendo perguntado. Vi pura histeria e genuína devoção se misturarem em breves sequências de silêncio no palco – quando a diva criava pequenos hiatos para trocar de roupa. Eu mesmo, contagiado pelo entusiasmo de uma platéia fiel, e vencendo minha dificuldade de me divertir em um show ao vivo, me peguei dançando mais de uma vez. E – pior! – depois de me revoltar pela milésima vez com os espectadores que levantam seus braços munidos de câmeras para registrar uma passagem do show (quando não o show inteiro!), demonstrando uma inexplicável (para este dinossauro de outra geração que sempre ouviu – antes de qualquer performance da sua juventude começar – que “o uso de câmeras ou quaisquer aparelhos de captação de imagem era estritamente proibido”), enfim, uma inexplicável preferência por assistir a um espetáculo tão maravilhoso como esse numa tela de 8 x 4 centímetros, e não na grandiosidade de sua performance ao vivo, eu mesmo, quando Beyoncé transferiu sua apresentação para um losango no meio da pista (onde eu estava estrategicamente posicionado), não resisti e saquei meu celular para tentar registrar aquele momento mágico onde uma artista se conecta com seu público.

Em vão, claro. Além de eu ser um fotógrafo medíocre – a não ser quando uma paisagem como a de Istambul ajuda –, nem que eu estivesse equipado com a melhor das câmeras fotográficas e que eu tivesse um pouco mais de dedicação às artes fotográficas (além de ler apenas a primeira página do manual de instrução de qualquer câmera que compro) eu não conseguiria captar a força do que eu presenciei na última segunda-feira!

Tudo começou, claro, com “Crazy in love”  – a canção que descreve o estado que todo mundo que eu vi saía do show e que, por isso mesmo, dá título ao post de hoje. Imagine – se você não teve a oportunidade de ver nada dessa rápida turnê pelo Brasil – 0uvir uma música mais do que surrada por uma repetição constante (durante um longuíssimo período), com a mesma empolgação como se a estivesse escutando pela primeira vez. Este foi o impacto dessa música sobre mim naquela noite. E minha resposta, claro, foi pular!

Nunca agradeci tanto ao meu “personal trainer” pelos exercícios de panturrilha, com os quais ele sempre encerra uma aula. De fato – como ele sempre fala, e eu nunca acredito –, você nunca sabe quando vai precisar delas no seu dia-a-dia – por exemplo, para saltar incontrolavelmente durante a execução de um dos sucessos de Beyoncé… Tirando uma energia não sei de onde – especialmente depois de um fim-de-semana de fortes emoções (como contei no post anterior) –, fiz tudo que achava que não teria forças para fazer: dancei como um louco e cantei como se estivesse fazendo parte do trio de “backing vocals”  da artista. E essa era só seu primeiro número…

O telão ao fundo do palco – que é o único recurso mais sofisticado de todo o cenário – nos dava a sensação de que a imagem que ele projetava não era uma reprodução, mas sim uma versão virtual (e em 3-D!) daquela “menina” que estava cantando para nós. O sinal era tão perfeito, que por vários momentos conseguia nos distrair da própria artista que estava lá – não dava para não ficar admirado com o feito técnico. Mas o show não é bom demais só por isso, é claro…

Por caprichadas coreografias – e um punhado de bailarinos e bailarinas muito competentes – Beyoncé vai navegando por faixas menos conhecidas de seus trabalhos, e sucessos recentes e passados (dentre eles, a melhor surpresa de todas para mim, uma “interferência” de “You oughta know”, de Alanis Morrissette no meio de “If I were a boy”), até chegar ao apocalíptico (no melhor dos sentidos) final com dois dos seus maiores “hits”: “Single ladies” e “Halo”!

À essa altura, como se falava antigamente em antigos filmes de ficção científica para TV, “qualquer resistência era inútil”… Por quase duas horas, essa mulher incrivelmente sedutora fez o que quis comigo – e com toda a plateia daquela noite (e, imagino, com a das outras também!). E nem o mais desconfiado dos fãs oferecia qualquer obstáculo para se render ao encantos de Beyoncé.

Eu mesmo estava em êxtase – a ponto de querer armar uma briga feia quando, ao final do show, encontrando um amigo meu que estava trabalhando na produção de sua turnê, ouvi dele a “sugestão” de que, em alguns momentos, o show tinha uma “barriga” – trechos, digamos, de um deslumbramento menor… Ora, meu amigo, esquece que você está trabalhando, e vem aproveitar o show como se estivesse vendo tudo pela primeira vez – foi o que eu tive vontade de falar para ele… Mas, cada um tem sua experiência, não é mesmo?

Eu fiquei é muito contente de ter deixado o Brasil com essa lembrança. Escrevo em trânsito de um lugar para outro do globo – como já anunciei estou em mais uma viagem para a série de reportagens sobre as maiores cidades do mundo. E embora pareça um pouco estranho eu comemorar o fato de deixar meu país assistindo a um espetáculo que não é nada brasileiro, acredite em mim: foi a melhor despedida que eu poderia ter.

O choque de energia que uma artista como Beyoncé é capaz de aplicar em quem a assiste era exatamente o que eu estava precisando depois de um período de vários contratempos – que vão do campo mais pessoal ao mais filosófico. A história do garoto assassinado no Recife, que mencionei no último post – ao qual várias pessoas responderam (para a minha felicidade) com a mesma ou maior indignação – me deixou um pouco sem ação, e com dúvidas sobre a viagem que estou começando agora. Mas Beyoncé me fez acreditar, mais uma vez, que diante das mazelas do mundo – que não são poucas – nossa única alternativa como indivíduos é tentar aproveitar os bons momentos que temos a sorte de ter e reproduzi-los, ainda que em pequena escala.

Escrevo este texto, ironicamente, da mesma perspectiva do título do último trabalho no cinema de George Clooney. Não da versão traduzida – a constrangedora “Amor sem escalas” (o que esses caras que bolam isso estava pensando… que o filme deveria ser vendido mais como uma comédia romântica e não como uma crise existencial de um homem beirando os 50 anos – assim… tipo eu?). Escrevo literalmente “suspenso no ar” (“Up in the air”, na tradução literal do nome original do filme), provavelmente passando sobre  Irã, sobrevoando essa tão turbulenta região do planeta para chegar a uma cidade onde eu e a equipe devemos pegar um visto para nosso destino final – a logística dessas “aventuras”, como eu gosto de insistir, não é simples…

E, por essa coincidência, me sinto tentado a esticar este post por mais alguns parágrafos para falar também desse filme (que também vi antes de sair do Brasil). Mas – avalio –, estamos às vésperas do Carnaval, e é provável que você já esteja se preparando para curtir a festa, claro (eu, por razões óbvias, estou fora dessa temporada…). E não acho justo pedir sua atenção agora para falar de um filme que merece bem mais do que algumas linhas – até porque me identifiquei bastante com o estilo de vida de Ryan (o personagem de Clooney). Você pode imaginar…

Assim, vou deixar esse comentário para semana que vem. Aliás, vou fazer melhor! Vou esperar passar o Carnaval (isso significa então que segunda-feira não teremos um novo post por aqui), e fazer um apanhado geral dos filmes que vi recentemente e que estão entre os indicados nas principais categorias da premiação. Para isso, vou aproveitar as muitas horas que vou passar em aviões pelos próximos dias (todos os destinos desta vez são em terras muito, muito distantes) para assistir a produções que não consegui “pegar” antes de viajar. Agora, por exemplo, ao fechar o computador, vou encarar “Educação”, no minúsculo retângulo luminoso recortado na poltrona à minha frente.

Como é um filme aparentemente mais “de roteiro e interpretação” do que de efeitos especiais, o resultado, mesmo fora de uma sala de cinema, deve ser satisfatório – um adjetivo que não posso usar, por exemplo, para a minha recente experiência, também aqui no avião, com “Onde vivem os monstros”… Mas algo me diz que o encanto e o talento de Carey Mulligan (a atriz principal de “Educação”, que, como soube há pouco, vai estar na adaptação de um dos melhores livros que li na minha vida, “Não me abandone jamais”, de Kazuo Ishiguro!) vão sobreviver às diminutas dimensões da tela diante de mim. Confirmo isso – ou não – na quinta-feira, depois do Carnaval.

“Educação”, “Amor sem escalas”, “Preciosa”, “Up”, “Avatar”, “Guerra ao terror”, “Distrito 9” – e o que mais o Oscar deste ano resolveu prestigiar! Vamos colocar tudo num saco e ver o que sai…

Até lá, boa festa! Se a gente precisa de alguma coisa a essa altura é celebrar a vida e, como diria a própria Beyoncé, encontrar alguém que nos deixe enlouquecidos de amor – mesmo que seja às 5h39 da manhã quando a banda já está tocando “Cabeleira do Zezé” pela enésima vez, e todo mundo está tão bêbado que a única certeza que você tem é a de que não quer ir para casa sozinho(a). Pensa que eu também já não tive minha cota de carnavais desastrosos…

Um apelo às autoridades (da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Holywood)

seg, 08/02/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

O apelo é este: “Avatar” não pode levar o Oscar de melhor filme! E a razão é muito simples: neste fim-de-semana fui ver “Guerra ao terror” – o outro filme que ganhou nove indicações para as estatuetas deste ano (tantas quantas o filme de James Cameron). E este filme é simplesmente genial! Não que “Avatar” não seja sensacional – na verdade, faltam-me expressões originais para descrever um trabalho como esse (como buscar adjetivos adequados, quando a própria palavra “estupendo” parece não ser suficiente para definir tal espetáculo?). Mas se o Oscar é mesmo o grande reconhecimento para uma produção capaz de mexer com os conceitos vigentes e de convidar as pessoas a refletir de maneira inteligente sobre o mundo em geral – e sobre a própria arte do cinema –, então o filme do ano tem que ser mesmo “Guerra ao terror”.

Antes que você se antecipe com um contra exemplo que desminta minha última colocação – são vários, mas vamos lembrar apenas de um dos mais gritantes na história recente: o ano em que “O segredo de Brokeback” perdeu para “Crash” (Hum? Não se lembra de “Crash”? Normal…) –, deixe-me dizer que eu acredito que o Oscar pode ser sim uma premiação para talentos inusitados nas ditas “artes e ciências cinematográficas”. Sim, eu sei que não se trata de nenhuma Palma de Ouro – muito menos de uma escolha do júri de um Festival de Sundance. Mas eu tenho de acreditar que, com a visibilidade que tem essa festa – que é a maior do cinema mundial –, ela tem que servir para passar uma mensagem maior.

Sei também que “Avatar” abre portas revolucionárias para os caminhos do cinema internacional – portas essas, que precisavam ser abertas com urgência (Se me permite uma breve divagação, outro dia li um comentário bem engraçado na “New York” questionando cópias piratas de “Avatar” que começaram a aparecer nas calçadas nova-iorquinas… sinceramente, perguntava a revista, “que interesse pode existir em ver um filme como esse numa cópia pirata?”). Como eu mesmo já escrevi neste espaço, essa foi a experiência mais lisérgica e recompensadora que tive recentemente em uma sala de cinema. Para um filme cujo roteiro parece ter sido escrito por uma criança de sete anos (sem querer ofender as crianças de sete anos, claro), “Avatar” foi capaz de prender minha atenção – ou quem sabe eu deveria dizer “minha curiosidade”? – por suas longas mais de duas horas, sem deixar cair a bola nem que fosse por um minuto.

Mesmo nas intermináveis sequências da batalha final, meu olho não queria descanso. Era como se eu estivesse ligado mesmo numa “droga” daquelas que alteram suas percepções sensoriais – e como quem já experimentou uma delas pode confirmar, você não quer sair daquele estado. Imagens deslumbrantes, efeitos especiais nunca dantes apresentados, surpresas a cada nova cena – e mais um charme que só quem viu as cópias não dubladas em 3-D pode aproveitar: um criativo uso das legendas com profundidade. Tudo isso colaborou para fazer da minha sessão de “Avatar” um evento memorável. Mas o que eu levei exatamente deste filme comigo?

Não quero, nem de longe morar em Pandora. As grandes questões do povo Na’vi não estão nem perto de serem as minhas – e não me venha falar de “temas universais da Natureza” nem usar a simplista comparação (infelizmente surrada à exaustão por comentaristas mais preguiçosos) entre “Avatar” e “Dança com os lobos”. E fora flashes de cenários atordoantes de tão bonitos, eu não queria reviver nada do que experimentei ali. Já com “Guerra ao terror”, a história foi diferente…

Eu não moro no Iraque – onde a quase totalidade do filme se passa –, mas eu certamente moro num planeta chamado Terra, onde existe um lugar chamado Iraque, onde eu poderia muito bem ter nascido. Mesmo tendo tido o privilégio de ser filho desse lugar chamado Brasil, não posso esquecer que o tal país chamado Iraque está bem presente no meu cotidiano. As questões que “Guerra ao terror” coloca são muito próximas das minhas – ou melhor, daquelas que sou obrigado a encarar no dia-a-dia, que envolvem a estranha natureza de ser humano. E quanto à ressonância das experiências que o filme me fez reviver… bem, vou deixar isso para o final do post de hoje.

Para os que ainda não viram, um resumo rápido do roteiro: depois de um acidente grave que matou um especialista em desarmamento de bombas das tropas americanas em Bagdá, um novo oficial chega para substituí-lo – e o que vemos são as mais absurdas situações de perigo e suspense que o cinema já mostrou recentemente. Carros-bomba, terroristas suicidas, “células” de insurgentes, franco atiradores – aquele pequeno grupo enfrenta de tudo, enquanto espera o calendário marcar o fim do turno no Iraque. A princípio é isso: uma história de terror atrás da outra – e você ficando sentado cada vez na beirada da poltrona do cinema (duvido que alguém consiga relaxar durante esse filme!). Mas só a princípio…

A sensação com a qual você sai da sala é devastadora. A humanidade realmente é… bem, é algo que eu mesmo não me permito escrever aqui neste blog. Nós, humanos, somos eternamente amaldiçoados a conviver com a maldade e o lado mais negativo da nossa natureza – e sorte de quem conseguir escapar desse destino. A guerra do Iraque é, óbvio, uma coisa horrorosa – mas ela não é nem de longe um fato isolado: é algo que remexe com nossos instintos mais básicos e que se manifestam nos mais inocentes cenários. “Guerra ao terror” faz a gente pensar em tudo isso – e em coisas piores. E isso é bom cinema.

Dirigido por Kathryn Bigelow (que, como qualquer cinéfilo já sabe, é ex-mulher de James Cameron), “Guerra ao terror” não é exatamente um filme transformador – como, por exemplo, o já citado “O segredo de Brokeback” ou “Pulp fiction”. Mas é instigante. E é diferente. E é inesperado. E é filmado de uma maneira nervosa que o próprio Tarantino deve ter sentido uma ponta de inveja. E é exasperante. E é um massacre nas suas emoções. E por isso é bom cinema.

“Avatar” – só para insistir mais uma vez – também é bom cinema (quem é capaz de discordar disso?). Mas serve a outros propósitos. “Guerra ao terror” é, com um mínimo de efeitos especiais, muito mais impactante e desarmador. E por isso deve levar a estatueta do Oscar de 2010. Provavelmente isso não vai acontecer – veremos isso daqui a alguns dias. Mas fica aqui meu apelo – que, certamente, nenhum membro da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood vai ler… Mas eu tentei…

Antes de me despedir, porém – e hoje vou fazer uma espécie de despedida sim, já que parto para mais uma viagem de 20 dias para destinos que vou deixar você adivinhar ao longo do trajeto –, não me esqueci que estou devendo uma explicação. Há pouco escrevi que, além de todas as coisas que mexeram comigo em “Guerra ao terror” e que já expliquei, fiquei perturbado também com a “ressonância das experiências que o filme me fez reviver”. Pois bem, aqui vai uma rápida história…

Assisti ao filme de Bigelow no sábado à tarde, antes de ir trabalhar. O dia estava mais que ensolarado no Rio de Janeiro – que neste verão, está especialmente deslumbrante (e quente!). Ver “o mundo lá fora” tão bonito certamente segurou a minha onda ao sair do cinema – num clima bem… carregado, digamos. Ao chegar à Redação do “Fantástico”, porém, um colega me disse logo de cara: “você viu o que aconteceu com o personagem daquela tua série?” – e eu já senti que a coisa não era boa…

A série em questão foi uma que fiz em 2007, chamada “Novos Olhares” – e pretendia discutir temas da vida moderna, com filósofos, pensadores, cientistas, e, claro, com pessoas comuns, que vivem justamente esse cotidiano. Pois bem, um dos episódios era sobre “Felicidade” – e nosso personagem era uma mãe de Recife, uma catadora de lixo, muito simples, que tinha conseguido colocar seu filho numa faculdade de medicina (a melhor de Pernambuco). O “gancho” – como a gente fala em jargão de jornalismo – era um flagrante que o repórter cinematográfico Marcone Prysthon captou quando foi cobrir a divulgação da lista dos aprovados no vestibular: aquela mãe, dona Maria Luiza, vibrando pela conquista do seu filho Alcides (a reportagem na íntegra, você pode assistir aqui) .

Foi das coisas mais emocionantes que fiz na minha vida. Não sou, como me lembro talvez de ter dito aqui, alguém que fica abalado geralmente com histórias tristes. É mais fácil vir a lágrima quando fico sabendo de uma história alegre do que uma triste. Assim, mais de uma vez, citei o exemplo de dona Maria Luiza e Alcides quando estava discutindo o que faz as pessoas felizes. E achei que ia citar isso para o resto de minha vida…

Porém, quando cheguei então sábado passado no trabalho, soube da notícia: Alcides havia sido assassinado na porta de sua casa na noite da última sexta-feira – e por engano: os criminosos estavam procurando por seu vizinho, mas quem apareceu primeiro foi Alcides. Lembrando que havia chegado do jeito que já descrevi aqui de uma sessão de “Guerra ao terror”, desmontei. Eu só pensava em uma coisa: “que vida terrível!”… Que destino é esse que faz uma mulher que sempre teve uma vida tão difícil ter tanta alegria, e depois tanta tristeza? Saí para dar uma volta ao ar livre, mas não conseguia encontrar uma resposta para isso – nem na lógica nem na angústia nem no meu budismo diletante. Como ter ânimo para fazer alguma coisa depois disso – sobretudo cuidar da apresentação de um programa ao vivo no dia seguinte?

Demorei, mas encontrei um conforto: eu faria justamente o “Fantástico” todo como uma homenagem ao Alcides. Não precisava ser algo explícito, claro – sei bem que nem tenho o direito de exigir uma cumplicidade dessas de todos os telespectadores. Mas me propus a fazer mesmo assim uma homenagem velada a esse garoto e sua mãe – uma combinação comigo mesmo.

E mais… Antes da noite de domingo, eu ainda tinha de “honrar” um outro compromisso que teria de “negociar” com o que estava sentindo: a convite do meu amigo Pedro Neschling eu seria DJ numa festa sua na noite de sábado. Mas com aquela tristeza toda? A solução, pensei, era também fazer daquilo uma homenagem ao Alcides! Diante de uma história tão trágica, achei que a melhor estratégia era celebrar a vida – e assim foi! Dediquei tudo que fiz neste último fim-de-semana, inclusive este post, ao exemplo que esse garoto e sua mãe deram não só a mim, mas a todo mundo que soube da história deles.

Não sou de misturar meu trabalho da TV com as coisas que discuto neste espaço aqui. Mas tenho certeza de que hoje, você vai me desculpar pela interferência proposital que provoquei entre esses dois universos. Saio para mais uma viagem, meio ainda abalado com essa história toda (quase não segurei essa emoção no programa de ontem, com talvez você tenha visto…), ainda sob a influência de “Guerra ao terror”, mas querendo acreditar que o que eu estou indo encontrar em outros horizontes vai me fazer pensar exatamente o contrário: que a humanidade não é essa palavra que eu mesmo não me permito escrever aqui. Que nós não somos uma espécie amaldiçoada. E que o que deve vencer sempre é o lado positivo da nossa natureza.

Tem que ser isso!

New wave

qui, 04/02/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Fui viajar, deu nisso… Enquanto eu permitia que minha memória e minha imaginação passeassem por destinos inesperados e outros nem tanto, os assuntos foram se  acumulando – e como! A ponto de eu ficar um pouco desorientado sem saber por onde a gente retoma nossa conversa sobre os assuntos do dia-a-dia…

Pelas indicações ao Oscar 2010? Hummm, bastante tentador. Afinal, foi divertido ver “Avatar” ao lado de “Distrito 9″ concorrendo na categoria principal (como acho que já disse aqui, ninguém me tira da cabeça que a luta final dos dois filmes é virtualmente idêntica – digamos que apenas um pouco mais bem acabada da versão de James Cameron…). Sem falar no susto que os distribuidores brasileiros devem ter levado ao perceber que “Guerra ao terror” – um filme que foi lançado nos Estados Unidos em meados do ano passado e deveria estar pegando poeira nas prateleiras – teve o mesmo número de indicações que o próprio “Avatar” (corrigindo às pressas esse atraso, o filme vai estrear amanhã em circuito nacional). Poderia também comentar o fraquíssimo ano para atuações femininas, que as atuações masculinas não ficam muito atrás (ou à frente?), que Tarantino deve estar rindo à toa em casa, e que “Preciosa” deverá ser o “Juno” deste ano. Mas estaríamos discutindo aqui especulações, claro, e prefiro esperar a própria cerimônia para fazer meu comentário.

Poderia falar sobre a expectativa da última temporada de “Lost” – que estreou esta semana nos Estados Unidos -, já que minha curiosidade é tanta que estou lendo tudo sobre o assunto, com ou sem “spoilers”. Ou sobre uma nova cantora pernambucana que descobri (acho que até tarde demais): Karina Buhr – se você (tolamente) desistiu de Maria Gadu só porque agora ela está “conhecida demais”, Karina é sua próxima parada! Poderia ainda fazer um apelo (vão, eu sei) para quem for ao Rio neste Carnaval reservar um tempo para ir ao Museu de Arte Moderna e conferir os últimos dias da sensacional exposição da francesa Sophie Calle uma das mais interessantes artistas contemporâneas da cena mundial (a mostra termina dia 21 deste mês).

Mas acho que ainda estou contaminado pelo clima que eu mesmo criei no post anterior ao falar da minha primeira visita a Londres e a Paris. Sobretudo porque esse reencontro com a Europa, 30 anos depois, não foi só uma questão geográfica – mas também musical, como quase tudo da minha vida (se você também é daqueles que tem trilha sonora para todos os momentos… bem-vindo ao clube!). Vou ser mais específico: a certa altura do meu texto anterior, eu fiz uma referência à loja da Fnac no Forum Les Halles, Paris – um dos primeiros “paraísos” fonográficos que eu conheci.

Aquela história de aprender a língua de um país se apaixonando por lá começou nessa Fnac. Mas esse não é bem o assunto de hoje… Quero dizer que foi lá também que fiz um dos meus primeiros garimpos musicais! Na primeira vez em que visitei a loja, lembro-me de ter ficado impressionado com seu tamanho – literalmente, você não vê o fim dos seus corredores assim que entra nela (algo que produz um efeito vertiginoso em mim até hoje). E lembro-me ainda das horas que passei por lá, esquecendo-me totalmente do tempo lá fora… E o que eu tanto fuçava na Fnac? Ora, as últimas novidades da New Wave!

Nueva ola! Neue Welle! Nouvelle vague! Nova Onda! Noul val!  Yeni daga! Não importava em que língua – se você gostava de pop e de novidade, tudo que você queria consumir naquele ano de 1980 era “new wave”. No Brasil, ainda mais naquela época, as coisas não chegavam tão rapidamente assim… Dos poucos disco de vinil que conseguia colecionar na época, guardava com o maior carinho dois LPs da Blondie (“Eat to the beat” e “Autoamerica” – que não eram nem os melhores); os fantásticos dois primeiros álbuns do B-52′s – o “amarelo” e o “vermelho”; uma surrada cópia de “The scream”, de Siouxsie & The Banshees; e ainda, bizarramente, “Trans-europe express” e “The man machine”, do Kraftwerk, que por total falta de noção eu colocava na mesma categoria dos artistas anteriores… Era tudo “new wave” – e eu me achava o mais moderno dos caras com essa pequena discoteca.

blondie

Imagine o meu deslumbramento então, ao chegar à Fnac e descobrir uma quantidade sem fim de bandas e músicas que eram mais “modernas” ainda – e das quais eu nunca tinha ouvido falar! Fiquei enlouquecido, e dentro do meu modesto orçamento da época, saí comprando o que pude. Boa parte das aquisições de então eu já nem me lembro mais, mas conto essa passagem para chegar ao meu reencontro com a New Wave nessa minha última visita à Paris. Ali mesmo, na mesma Fnac – ligeiramente transformada ao longo dessas três décadas, claro, para dar espaço a CDs e DVDs que nem existiam ainda em 1980 – encontrei um pequeno tesouro: uma edição especial da revista “Les Inrockuptibles” dedicada a contar a história desse movimento pop.

Comprei na mesma hora – e foi a primeira coisa que abri (e ouvi) quando cheguei em casa. Como todas as edições que a revista faz (um dia faço um post, prometo, dedicado só à “Inrock”, mas se você quiser se adiantar e visitar seu site e fique à vontade), essa veio também caprichadíssima. Além de dois CDs com o melhor dessa “onda”, a caixa especial ainda vem com um livro caprichado (a capa traz uma foto linda do Joy Division numa passagem coberta de neve em Manchester); com textos bem didáticos sobre a manifestação da New Wave pelo mundo – fiquei surpreso em saber que ela reverberou em Rennes, na França, e até na Bélgica (por exemplo, já conhecia Minimal Compact, mas não sabia que esses israelenses tinham se lançado por lá!) -; e mais algumas reproduções fotográficas memoráveis, de Chrissie Hynde (Pretenders), Robert Smith (The Cure) e Jerry Dammers (The Specials), entre outros.

Fiquei tentado a comprar também as outras caixas temáticas da “Inrock” – uma de “electro” (categoria onde meus LPs do Kraftwerk se sentiriam mais confortáveis do que na de “new wave”); outra de soul e funk; e mais uma de música folk. Mas duvido que essas outras coleções – que, só como registro, já encomendei pela internet! – teriam me dado tanto prazer quando a de New Wave!

Foi mais que um “passeio nostálgico”. Ao ouvir as faixas dos CDs – que, quase que invariavelmente me remetiam aos discos originais dessas bandas, que ainda orgulhosamente guardo – eu senti quase a mesma vibração de quando as escutei pela primeira vez. E me lembrei de algo que, talvez por hoje a gente ter acesso tão fácil a tantas músicas, eu já estava quase esquecendo: o prazer de ouvir algo totalmente diferente.

No início do ano passado, comentei aqui sobre essa tendência que todos nós temos de só querer valorizar o novo – resumindo: qualquer promessa de uma “nova banda” parece valer mais a pena conferir do que um segundo ou terceiro disco de um artista que você já adorou no passado (e vamos combinar que, por passado, eu quero dizer alguns meses atrás…). Faça um teste rápido: você está mais curioso para ouvir o novo álbum do Vampire Weekend, “Contra”, ou o primeiro trabalho dos australianos que atendem pelo nome de The Middle East? Está na expectativa pelo quarto álbum dos Strokes ou prefere esperar pela nova sensação, Fool’s Gold (bem competentes, aliás, ainda que bebendo descaradamente na fonte dos Talking Heads)? Percebe o que eu falo?

Mas, retomando a New Wave, ouvir as músicas dos CDs editados pela “Inrock” foi retomar esse prazer – de redescobrir algo conhecido como novo. Comecemos pelo primeiro disco. Todos os “suspeitos” de sempre estão lá: Televison, Blondie, Pere Ubu, Buzzcocks, Public Image LTD., Magazine (uma das minhas bandas favoritas na época) – e mais um punhado de esquisitices, como Josef K, Japan (que é maravilhoso, mas não sei bem se poderia ser descrito como “new wave”), Tuxedo Moon, e mais a banda que inspirou ninguém menos que Kurt Cobain, Young Marble Giants (que também já foi assunto neste espaço).

Desfio a qualquer novato de 2010 a juntar simplicidade e entranhas – sim, entranhas! – tão bem quanto Pere Ubu, em “Final solution”. Será que houve alguma vez na história alguma banda mais pop que Blondie? Na dúvida, a faixa aqui é “One way or another” – e a resposta é não! Nada – nada mesmo – é mais moderno – moderno mesmo – do que as complicadas estruturas musicais do Liquid Liquid, que vem com a faixa “Optimo”. Não conhecia e fiquei maravilhado com The Names (que aparece com “Calcutta”), de.. Bruxelas! Senti saudades de ouvir algo que captura-se minha atenção em menos de um minuto, como aconteceu com “Sorry for laughing”, de Josef K. E fui lembrando da conexão New Order – The Stockolm Monsters com “Happy ever after”. “The art of parties”, do Japan, vem certamente de outra galáxia. E quanto à “Include me out”, do Young Marble Giants… descanse em paz, Kurt…

CD 2: outros prazeres! Uma faixa que eu nunca tinha escutado de Adam and the Ants (“Zerox”)! Uma música ainda mais moderna do que a do Liquid Liquid – que eu acabei de citar: “Urban gamelan, pt. 1″, do 23 Skidoo (que nome é esse?)! A quarta melhor música dos Undertones (depois de “It’s going to happen”, “Chain of love” e “Here comes the summer”, nessa ordem)! A intocável “Ghost town”, do Specials! Uma obscura canção do Orange Juice, “Poor old soul (part one)”! Outra esquecida do venerado álbum do Gang of Four (“That’s entertainment!”), chamada “I found that essence rare”! Mimimal Compact (“Statik dancin’ “)! E aquela que dispensa apresentações, “Love will tear us apart”, do Joy Division! Eu não consigo parar de usar exclamações!!!!!

joy-division

Poderia aqui gastar mais alguns parágrafos descrevendo com minúcia a sensação de ouvir cada uma dessas preciosidades, mas acho que já dei informações suficientes para você fazer uma boa lição de casa e procurar por tudo isso aqui mesmo na internet – tem material para até depois do Carnaval! Para terminar, só queria deixar registrado o “sacode” que essa coleção da “Inrock” deu em mim. Sim, eu que andava me achando muito velho, muito sem paciência e – mais grave – sem curiosidade, precisei voltar 30 anos nas minhas descobertas musicais para reaprender que é possível eu me animar com as coisas que estão à minha volta…

Agora, com licença que eu vou ouvir de novo o “som da caixa”…

Presente de aniversário

seg, 01/02/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Há exatos 30 anos eu visitava a Europa pela primeira vez. Não tenho certeza de onde estava exatamente na data de hoje – meu hábito de fazer anotações de viagem só se desenvolveu alguns anos depois (na época, adolescente, eu achava que poderia confiar na minha memória… que Mané!). Provavelmente eu estava em Paris (mais sobre isso daqui a pouco) – que era o ponto final da viagem (e onde, por uma incrível coincidência, eu também terminei esse meu mais recente itinerário que incluiu o Cairo e Istambul. Ou talvez (o que é mais provável, pelo meu cálculo canhestro de datas) Londres – a penúltima cidade que visitei nesse primeiro contato com o continente.

zeca

A viagem tinha sido um presente dos meus pais – que, como sempre conto quando falo do assunto, a vida inteira me incentivaram a sair pelo mundo, como um aprendizado. Eu havia acabado de passar no vestibular (daí a “recompensa”), e assim, aos 16 anos – sim, um pouco precoce… – saí para uma das últimas férias de mais de 30 dias que poderia desfrutar. Numa primeira etapa, viajei com um primo e dois amigos. E comecei por Lisboa (como também já contei aqui ), num esquema semi-mochileiro. Em seguida segui um roteiro um pouco duvidoso: Madri, Munique, Genebra, Roma (onde encontrei meus tios – e a viagem ficou um pouco mais confortável) –, Bruxelas, Antuérpia (sim, Antuérpia!), Londres e Paris.

Dei sorte nessas escalas. Como qualquer bom viajante sabe (e eu estava aprendendo), o segredo para voltar feliz para casa é deixar o melhor para o final! Veja bem: não estou dizendo que Roma, Madri (que eu simplesmente adoro!) ou mesmo Lisboa (hoje, uma das minhas cidades favoritas no mundo) são menos interessantes que Londres e Paris. Mas você pode imaginar que, na cabeça de um adolescente ávido de cultura e cheio de curiosidade, Londres e Paris eram verdadeiras tentações. Queria chegar logo nessas cidades e… vivê-las! E é essa experiência que num exercício de memória (que tem a ver também com esse aniversário a que me refiro hoje) quero dividir com você. Primeiro, por uma mera questão cronológica, a capital inglesa!

Ah, estar em Londres pela primeira vez na adolescência – eu sei bem o que é isso. Como se não bastasse todo o charme que a cidade sempre inspirou, eu tinha motivos, hum, “musicais” para já gostar de lá por antecipação. Em algum lugar deste blog acho que já mencionei que minha educação musical nos anos 70 foi ligeiramente bipolar – se não “tripolar”! Ao mesmo tempo em que na casa dos meus pais, eu era inundado com muita música brasileira – de Clara Nunes a Chico Buarque –, o que escolhia para ouvir “por minha conta” eram dois gêneros que nunca conversaram muito bem, apesar de serem contemporâneos: o punk e a “disco”! Do segundo, eu era bem alimentado pelas rádios FMs paulistanas da época, mas quem disse que era fácil “cavar” novidades punks para um garoto meio tímido de 15/16 anos em São Paulo? Ir para Londres significava poder explorar, pela primeira vez, uma loja de discos alternativa com centenas de “singles” de bandas cujos nomes eu só podia sonhar!

E foi nisso que eu mergulhei no meu primeiro contato com a cidade. Nisso, e nas vertiginosas coleções dos museus! Arte contemporânea ainda era um conceito muito abstrato (sem trocadilhos!) para mim na época. Assim, guiado pelos meus tios – que sempre cultivaram as “belas artes”! –, fui conhecendo cada detalhe dos acervos clássicos do British Museum, da National Gallery e da Tate Gallery (hoje, Tate Britain, lembrando que a Tate Modern, claro, só apareceria dali a 20 anos!). Descrever aqui o deslumbramento de cada uma dessas descobertas exigiria um fôlego que mesmo você, leitor fiel, talvez não tenha (para não falar deste que vos escreve!) – quem sabe um dia faço uma série de posts sobre os museus que visito pelo mundo? Hoje porém, passo rapidamente pelo assunto para falar mais das outras coisas que vi nessa primeira visita a Londres.

Lembro-me, por exemplo, de ir com minha prima à feira de antiguidades em Portobello Road – e de me sentir um “adulto” procurando “preciosidades” por lá (minhas aquisições: uma jaqueta de aviador velhíssima e uma armação de óculos tipo John Lennon). Dei uma escapada dos parentes para arriscar um passeio do “lado selvagem” de Londres – “a walk on the wild side”, se preferir – num final da tarde… Destino: a King’s Road, onde os punks então se concentravam. Acordava mais cedo – eu, sempre com essa mania de não dormir – para passear ao longo do rio Tâmisa (ou Thames) naquelas manhãs geladas. E ainda, bravamente, tentei conferir algumas “danceterias” (como a gente chamava na época), e experimentar um pouco da vida noturna londrina – e, em nome da honestidade, tenho de confessar que não entrei em nenhuma, mas achava que estava abafando, só de ficar ali na porta delas, tentando entrar…

É, acho que eu sei bem o que é ser um Mané fascinado com a primeira vez em Londres – e, nossa… como eu sinto saudades disso. Depois dessa “estréia”, voltei muitas outras vezes para lá – até arriscaria dizer que esta é a cidade fora do Brasil que eu já visitei mais vezes (pode colocar algumas dezenas de passagens nessa conta!). Mas como reproduzir a sensação daquela estréia? Impossível. Só posso desejar a quem esteja passando por isso agora – ou ainda vai passar (você tem sempre que acreditar que vai conhecer os lugares que a gente tanto sonha conhecer) – que desfrute disso tudo tanto quanto eu desfrutei. O que nos leva à minha primeira vez em Paris…

Foi nessa mesma viagem, e foi não menos incrível – se bem que nem foi nessa ocasião que eu senti que estava realmente apaixonado pela cidade… Meu “caso de amor” com Paris foi na minha segunda visita, quando fui lá sem as regalias de viajar com a família, no mochilão mesmo, com um colega meu de faculdade. Foi em 1982, num inverno especialmente punitivo, quando, com um orçamento negligível, ficamos hospedados num albergue (me lembro de contar oito camas no mesmo quarto!) na Rue Du Pélican, perto do museu do Louvre (a única referência “glamurosa” do lugar…) – e eu não podia ter me sentido mais feliz, descobrindo a imensidão da Fnac do Forum Les Halles (firme e forte até hoje, um baluarte nesses tempos de minguantes lojas de discos!); confirmando que a melhor maneira de aprender francês é mesmo se apaixonando por alguém em Paris; alimentando-me duas vezes por dia apenas com um crepe de creme de marrom glacê; e sendo introduzido ao simples prazer de caminhar pelas ruas mais sedutoras que o homem já construiu. Mas eu divago…

Hoje quero falar aqui da primeiríssima vez em Paris – da continuação da viagem com meus primos e tios, quando eu ouvi da minha tia (deveras querida até hoje) uma frase que parecia uma provocação, mas que, no fundo, continha uma das maiores verdades. Ao ver meu encantamento diante de um primeiro passeio de carro pelas ruas da cidade, ela me perguntou se eu estava gostando, e eu, sem forças para buscar palavras melhores para descrever o que estava vendo, respondi apenas que estava adorando tudo. Ela então, sem o menor tom de pretensão, virou-se para mim e disse com sabedoria, mais do que com arrogância: “Eu tenho inveja de quem conhece Paris pela primeira vez”…

Parece sim um comentário esnobe, mas vindo da minha tia que eu conhecia já tão bem, preferi achar que era um momento iluminado. E era! Se você já teve a oportunidade de visitar a cidade mais de uma vez – ou mesmo se mora nela –, me ajude com seu comentário! É assim mesmo! Claro que eu não deixo de ficar maravilhado cada vez que vou até lá – e na semana passada não foi diferente. Mas aquela primeira vez…

Assim como quando falei neste espaço sobre Veneza, escrever sobre Paris é brincar com o perigo mortal (para quem escreve) do clichê. Mas, a essa altura, não estou nem aí… Passando por lá na última semana, me dei conta desse meu aniversário de 30 anos do meu “affair” com a cidade, e me enchi de lembranças – de ontem, hoje e amanhã! Dos almoços nos bistrôs mais simples (meu favorito chama-se Chez Nenesse, e fica no Marais) aos jantares mais alegres, como o que eu tive segunda-feira passada no Chez Paul, na Bastilha. Das incríveis descobertas musicais da canção francesa, ao show de Rufus Wainwright, que assisti em 2007, inesperadamente (e delirantemente) da primeira fileira de um teatro antigo. Dos albergues da juventude e de um hotel chamado Ritz! Dos mercados de pulgas e da Maison Martin Margiela . Das minúsculas salas de cinema e das vistas panorâmicas do último andar do Centro Pompidou. De todos os amores meus que já passaram por lá – e dos que ainda vão passar.

Coisas demais para processar, talvez. Como pergunta a frase do espelho de um lugar onde almocei na terça-feira passada, a dúvida que não saía da minha cabeça esses dias era: “o que devo fazer?”… Pedir mais um vinho – que tal?

No final daquela tarde, tomando uma última taça de bordeaux em um novo e moderno (embora o visual “retrô”) bar numa esquina da Rue de Bretagne com a Rue Charlot, com uma amiga de longa data que já tive a felicidade de encontrar várias vezes por lá, fiz um brinde a esses meus trinta anos. Nem comentei com ela – apesar da infinita intimidade que temos – nem contei para ninguém. Era um presente que eu dava para mim mesmo – um modesto, porém significativo (e muito precisado) carinho que eu fazia para mim mesmo.

Queria celebrar não exatamente o passado – essa tatuagem irremovível que se instala não sobre, mas sob nossa pele. As histórias todas que me levaram até Paris já fazem parte de mim e nem precisam ser rememoradas. Fazia sim um brinde ao futuro, às próximas vezes que eu passar pela cidade, a quem mais eu tiver a oportunidade de apresentá-la (como minha tia fez comigo), ou mesmo à chance de dividir a tal incômoda sensação de circular pelas suas calçadas lamentando não sentir o impacto daquela primeira vez… Um brinde aos próximos 30 anos, talvez? Paris aos 76? “Pour quois pas”?

Desse bar saí praticamente para o aeroporto – passei rapidamente no hotel para pegar a mala e zarpei para o Charles de Gaulle, ainda um pouco inebriado pelos últimos copos. Por conta da minha “comemoração”, na minha cabeça, involuntariamente, repetia a musiquinha “Parabéns a você” em tantas línguas quanto sabia cantar – que não são, claro, muitas, embora o francês esteja entre elas. E qual não foi minha surpresa ao assistir um pouco mais tarde, já cruzando o Atlântico, ao último filme de Woody Allen, “Tudo pode dar certo”, e descobrir que o personagem principal, Boris (vivido na tela pelo genial Larry David) adorava cantar… “Happy birthday to you”!

Os motivos pelos quais ele entoa a canção quase como um ritual são tão estranhos que nem vou contar aqui para não tirar o prazer de quem ainda não viu o filme – a estréia comercial por aqui, parece, está lamentavelmente prevista só para março (apesar de “Tudo pode dar certo” já estar disponível para os passageiros de vôos internacionais…). O que importa é que (mais) essa incrível coincidência me encheu mais ainda de paixão – por Paris, e pelo próprio universo de Woody Allen, tão importante na formação da minha visão de mundo.

Se fosse falar mesmo do filme aqui (vamos deixar para o lançamento , se ele um dia acontecer…), teria de ser muito correndo – uma injustiça comigo, com você, e com o diretor! Mas só para fechar essa “viagem” de hoje – e eu espero sinceramente que você ainda esteja comigo –, o que mais gostei em “Tudo pode dar certo” é justamente o espírito desse título (excepcionalmente bem traduzido para o português, do original “Whatever works”). Um pouco como em seu outro filme recente, “Vicky Cristina Barcelona”, ou mesmo no mini-clássico “Poderosa Afrodite” (certamente um dos meus favoritos dele), os personagens criados por Allen passam por inúmeras agonias e provações amorosas – até que… tudo fica bem!

Não, não vou revelar o final, mas tenho de registrar que Allen dá mais uma prova de que tem essa habilidade de nos fazer aceitar que o final de todas nossas desventuras amorosas nem sempre é feliz – isto é, nem sempre terminam como Hollywood sempre quer nos fazer acreditar que é possível: as pessoas sofrem, se apaixonam, se separam, voltam a se apaixonar, descobrem outros amores, ficam sozinhas, reencontram o mesmo amor, ou mesmo continuam casados com seus parceiros – mas tudo no fim fica bem… Nós, humanos, temos uma capacidade absurda de equilibrar as equações de relacionamento, e, embora a gente nem sempre se lembre de que isso é possível, é essa nossa habilidade que permite que a gente vá em frente. E ali estava Woody Allen mais uma vez me lembrando disso, no momento em que eu estava deixando Paris, 30 anos depois de conhecê-la pela primeira vez!

Pegando carona no que Boris diz no final de “Tudo pode dar certo”, eu termino este nada breve post dividindo com você a idéia de que seja onde for nesse mundo, a única coisa que vale a pena é pegar qualquer pequeno gesto de graça que você experimentar e tentar encontrar nele alguma alegria. E, se possível, espalhá-la.

O resto, mesmo, é bobagem…