Quem ainda deseja esta nota?

sáb, 31/12/11
por Paulo Coelho |
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Cassan Said Amer conta a história de um palestrante que começou um seminário segurando uma nota de 20 dólares e perguntando:

“Quem deseja essa nota de 20 dólares?”

Várias mãos se levantaram, mas o palestrante pediu:

“Antes de entregá-la, preciso fazer algo”.

Amassou-a com toda fúria, e insistiu:

“Quem ainda quer esta nota?”

As mãos continuaram levantadas.

“E se eu fizer isso?”

Atirou-a contra a parede, deixou-a cair no chão, ofendeu-a, pisoteou-a, e mais uma vez mostrou a nota – agora imunda e amassada. Repetiu a pergunta, e as mãos continuaram levantadas.

“Vocês não podem jamais esquecer esta cena”, comentou o palestrante. “Não importa o que eu faça com este dinheiro, ele continua sendo uma nota de 20 dólares. Muitas vezes em nossas vidas somos amassados, pisados, maltratados, ofendidos; entretanto, apesar disso, ainda valemos a mesma coisa”.

San Francisco, Estados Unidos

sex, 30/12/11
por Paulo Coelho |
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Caminho por um parque com meu editor americano, John Loudon, e sua mulher, Sharon. Podemos ver a cidade de San Francisco ao longe, iluminada pelo sol poente.

Sharon escreveu um livro sobre um mosteiro beneditino, e conta que as orações da tarde, chamadas “vésperas”, são cantos de esperança pela certeza de que a noite passará.

“As ‘vésperas’ nos indicam a necessidade que temos de nos aproximar do outro, quando a noite chega”, diz ela. “Mas nossa sociedade esqueceu a importância desta aproximação, e finge prezar muito a capacidade que cada um tem de lidar com as próprias dificuldades. Não rezamos mais juntos; escondemos nossa solidão como se fosse vergonhoso admiti-la”.

Sharon faz uma pausa, e conclui:

“Já fui assim. Até que um dia perdi o medo de depender do próximo, porque descobri que ele também estava precisando de mim”.

Um outro nome

qui, 29/12/11
por Paulo Coelho |
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Um homem se virou para o amigo e disse: “você fala de Deus como se você o conhecesse pessoalmente, e soubesse até mesmo a cor dos seus olhos. Por que esta necessidade de criar algo em que acreditar? Será que você não consegue viver sem isso?”

“Você tem alguma ideia de como o Universo foi criado? Sabe explicar o milagre da vida?”

“Tudo a nossa volta é fruto do acaso. As coisas acontecem”.

“Certo. Então, “As coisas acontecem” é apenas um outro nome de Deus.

O que tenho nas mãos

qua, 28/12/11
por Paulo Coelho |
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Buda reuniu seus discípulos, e mostrou uma flor de lótus – símbolo da pureza, porque cresce imaculada em águas pantanosas.

“Quero que me digam algo sobre isto que tenho nas mãos”.

O primeiro fez um verdadeiro tratado sobre a importância das flores. O segundo comp��s uma linda poesia sobre suas pétalas. O terceiro inventou uma parábola usando a flor como exemplo.

Chegou a vez de Mahakashyap. Este se aproximou de Buda, cheirou a flor, e acariciou seu rosto com uma das pétalas. “É uma flor de lótus”, disse Mahakashyap. “Simples e bela, como tudo que vem de Deus”.

“Você foi o único que viu o que eu tinha nas mãos”, foi o comentário de Buda.

Do que não é importante

ter, 27/12/11
por Paulo Coelho |
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Atravessavam o deserto um administrador, um pintor, um poeta, e um crítico.

Certa noite, para matar o tempo, resolveram descrever o camelo que os acompanhava.

O administrador entrou na tenda; em dez minutos fez um relato objetivo sobre sua importância.

O poeta também usou dez minutos para descrever, em belos versos, a nobreza do animal.

O pintor, em traços rápidos, brindou seus amigos com um desenho.

Finalmente, o crítico entrou na tenda. Saiu duas horas depois, quando todos já se aborreciam com a demora. “Eu tentei ser rápido, mas descobri erros no animal”, disse o crítico. “Ele não corre. Ele é incômodo. Ele é feio”.

E estendeu um calhamaço de páginas para os amigos, intitulado: “O camelo perfeito, ou como Deus devia ter criado o camelo”.

O motorista de táxi e o padre

seg, 26/12/11
por Paulo Coelho |
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Assim que morreu, o padre foi direto ao Paraíso. Ali chegando, foi bem recebido por São Pedro, passeou pelos jardins, e de repente se deu conta que um motorista de táxi de sua paróquia, que tinha falecido alguns anos antes em um acidente de carro porque dirigia muito mal, estava ocupando uma esfera mais alta na hierarquia celeste.
- Eu não entendo – reclamou com São Pedro. – Devotei minha vida inteira à minha congregação, e aquele homem nada fez para merecer estar aqui!
- Bem, aqui no Céu nós sempre damos importância aos resultados. Diga-me     o seguinte: as pessoas estavam sempre atentas ao que o senhor dizia?
- Na verdade, devo confessar que nem sempre conseguia exprimir direito a importância da fé. Às vezes, notava que certos paroquianos dormiam durante meus sermões.
- Pois então agora o senhor entende porque este motorista tem tantos privilégios aqui. Quando as pessoas entravam em seu táxi, até mesmos alguns ateus se convertiam: elas não apenas permaneciam despertas, como rezavam o tempo todo!

Posso ajudar?

dom, 25/12/11
por Paulo Coelho |
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Assim que abriu a igreja, o padre viu uma mulher entrar, sentar-se no banco da frente, e colocar a cabeça entre as mãos. Duas horas depois, reparou que a mulher ainda estava ali, na mesma posição.
Preocupado, resolveu aproximar-se:
“Posso fazer algo para ajudar?”, perguntou.
“Não, obrigada”, respondeu ela. “Eu já estava conseguindo toda ajuda que preciso, quando o senhor me interrompeu”.
O jesuíta Anthony Mello comenta: “num mosteiro não estava escrito Não fale. Estava escrito: Fale apenas se puder melhorar o silêncio”.

Vergonha de ser bom

sáb, 24/12/11
por Paulo Coelho |
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Às vezes temos vergonha de fazer o bem. Nosso sentimento de culpa tenta sempre nos dizer que, quando agimos com generosidade – estamos mesmo é tentando impressionar os outros, “subornar” Deus, etc. Para uma boa parte da humanidade, parece difícil aceitar que nossa natureza é essencialmente boa.
Todos nós conhecemos pessoas que procuram cobrir seus gestos bons com ironia e descaso, como se amor fosse sinônimo de fraqueza. Um famoso escritor caminhava com um amigo, quando um garoto atravessou a rua sem notar um caminhão que vinha a toda velocidade. O escritor – numa fração de segundo – arriscou sua vida, atirou-se na frente do veículo e conseguiu salvá-lo.
Mas, antes que alguém o parabenizasse pelo ato heróico, deu um soco no rosto do menino:
“Não se deixe enganar pelas aparências, meu filho” disse ele. “Só lhe salvei para que você não possa evitar os problemas que terá como adulto!”

Conversando com o Mal

sex, 23/12/11
por Paulo Coelho |
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Às vezes o Mal persegue o guerreiro. Então, com tranqüilidade, ele o convida para a sua tenda.
O guerreiro pergunta ao Mal: “você quer me ferir, ou me usar para ferir os outros?”
O Mal finge não ouvir. Diz que conhece as trevas da alma do guerreiro.
Toca em feridas não cicatrizadas, e clama vingança. Lembra que conhece algumas armadilhas e venenos sutis que o ajudarão a destruir seus inimigos.
O guerreiro da luz escuta. Se o Mal se distrai, ele faz com que retome a conversa, e pede detalhes de todos seus projetos.
Depois de ouvir tudo, levanta-se e vai embora. O Mal falou tanto, está tão cansado e tão vazio, que não conseguirá acompanhá-lo.

O peso da pluma

qui, 22/12/11
por Paulo Coelho |
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Às vezes nos irritamos com reações exageradas de nosso próximo. Fazemos um pequeno comentário, uma brincadeira – e eis que a pessoa chora, ou torna-se agressiva demais conosco.
Uma lenda do deserto conta a história de um homem que ia mudar-se de Oásis, e começou a carregar seu camelo. Colocou os tapetes, os utensílios de cozinha, os baús de roupas – e o camelo aguentava tudo. Quando ia saindo lembrou-se de uma linda pena azul que seu pai lhe tinha presenteado.
Resolveu pegá-la, e a colocou em cima do camelo. Neste momento, o animal arriou com o peso, e morreu.
“Meu camelo não aguentou o peso de uma pena”, deve ter pensado o homem. Às vezes julgamos da mesma maneira o nosso próximo – sem entender que nossa brincadeira pode ter sido a gota que transbordou a taça do sofrimento.