Não se deve buscar muito sentido ou profundidade em “Meu coração de pedra-pomes” (Companhia das Letras, 112 pgs. R$ 31), novo romance de Juliana Frank, paulista radicada no Rio de Janeiro “por indolência e lascívia”, entre outros motivos. A narradora-protagonista, Lawanda, encarregada de limpeza em um hospital, derrama em fluxo contínuo suas fantasias e pensamentos, que passeiam erraticamente entre o namorado José Junior, a chefe insuportável Lucrécia, a coleção de besouros e as borboletas que gosta de costurar em suas calcinhas, numa espécie de macumba pessoal.
É certo que Lawanda parece mais um veículo para a imaginação desbocada e sem filtros da autora que um personagem com vida própria. Mas isso não chega a ser um problema, já que Juliana Frank não está preocupada em respeitar qualquer convenção narrativa, como esclarece nesta entrevista. Namorando com elementos surreais e eróticos e bebendo em fontes variadas, de Nelson Rodrigues aos beats, ela aposta numa transgressão light, descomprometida e bem humorada, que cativa seus potenciais leitores justamente pela desambição. Essas características já estavam presentes, aliás, em seu romance de estreia, “Quenga de plástico”, as memórias imaginárias de uma “filosoquenga”, uma atriz pornô aposentada.
Mas não deixa de ser curioso – e revelador do momento atual da literatura brasileira – que Juliana e outros autores de sua geração, de vocação supostamente marginal e transgressora, sejam hoje publicados por editoras mainstream, como a Companhia das Letras, e frequentem festas literárias e páginas dos cadernos culturais da grande imprensa. Juliana, aliás, foi elogiada por um autor radicalmente marginal nas suas origens, Reinaldo Morais (cujo romance “Pornopopeia” ela está roteirizando para o cinema). Sinal de que as margens da literatura foram apropriadas pelo mercado editorial, de que não existem mais brechas? E isso é bom ou ruim? Está aí um bom tema para reflexão.
Leia aqui um trecho de “Meu coração de pedra-pomes”.
- Fale sobre o diálogo com membros de um júri imaginário na abertura do livro. De que maneira esse diálogo reflete sua opinião sobre a crítica?
JULIANA FRANK: O julgamento é um texto em que uso termos do [Wilhelm] Reich para acusar a autora, no caso eu, de ser louca. Quanto à crítica: se você não escreve seu livro desta maneira: “Nasci em …, no ano…, minha mãe morava…, nesta época eu…”!, enfim, se você não usa “e de repente” ou conta histórias mais imaginadas que autobiográficas, eles costumam dizer por aí que é literatura de demente.
- Lawanda, a protagonista de “Meu coração de pedra-pomes”, mostra um grau de articulação inesperada para uma faxineira de hospital. Fale sobre o processo de criação dessa personagem. De que maneira a voz de Lawanda se confunde com a sua?
JULIANA: Eu não saio por aí dizendo ou fazendo as coisas que ela diz e faz. Se eu pudesse eliminar meu superego, seria cada uma das minhas personagens: desceria a rua no caminhão de lixo, gritando, ou simplesmente costuraria borboletas em calcinhas. Gostaria muito que o mundo achasse natural.
- Que comparação você faria entre “Quenga de Plástico” e “Meu coração de Pedra-Pomes”? Você sente que amadureceu como escritora?
JULIANA: A personagem é totalmente diferente, e ela desenha a história. Eu continuo usando minha fórmula antiga de escrever o que me vem à mente, sem planejar. Como as ideias não formam fila na minha caixa-crânio, vou mudando de assunto muito rápido. Eu escrevo como se estivesse me lendo, me divertindo. Isso nunca mudou.
- Sua literatura costuma ser classificada como erótica, mas você não parece escrever para despertar o desejo do leitor. Concorda?
JULIANA: Não fico muito ligada em “surtir emoções”. Cada pessoa me relata uma experiência. Planejar a reação do leitor seria uma atitude leviana.
- Ainda sobre o erotismo, você participou da coletânea de contos 50 Versões de Amor e Prazer, que me fez pensar em “50 tons de cinza”. Você leu esse livro? O que acha dessa moda de best-sellers eróticos?
JULIANA: Li. Acho um romance cor-de-rosa como qualquer outro de banca de jornal. É um livro comum, banal, com histórias sentimentaloides e trechos bastante previsíveis. Inclui, claro, alguma porradaria. De mal a pior, não deixa de ser um livro, ele exercita a mente ao ser lido, portanto, que bom que estão lendo! Faz sucesso como receita de bolo faz sucesso. A escritora criou uma espécie de príncipe encantado sadomasoquista. O cara é todo problemático, milionário, tarado e viciado na boceta da mina protagonista. Taí. Muitas mulheres queriam dominar a situação romântica sem abdicar do chororô amoroso puro, da conversa babalenta. Por isso o livro virou a realização do imaginário feminino atual. Fazer? E é normal que as pessoas sintam tesão sugestionadas por cenas descritivas de sacanagem e amor. Todos querem o amor, não é mesmo? Se vier acompanhado de bife a rolê e um chicote, então…
- Você se sente parte de uma geração de escritores? Quais seriam as características comuns dessa geração?
JULIANA: Não sei te responder isso exatamente. Cada escritor tem o seu papel que é, basicamente, sentar e escrever. Tenho amigos escritores, mas não sei se somos parte da mesma patota!
- Que escritores a influenciaram? Nelson Rodrigues, Hilda Hilst, os beats? Com que autores você dialoga?
JULIANA: Eu leio demais e misturo tudo. Ultimamente tô lendo os russos e umas novelas pornográficas. Mês passado eu só lia os góticos. Tem semanas que passo olhando para a parede e nego até um jornal. Leio muito Nelson, sim. Hilda, sempre. Beats, claro. Filosofia e tragédia grega também.
- O que você achou das polêmicas envolvendo Paulo Coelho e Paulo Lins na Feira de Frankfurt?
JULIANA: Estapafúrdio tudo.
- Como você virou escritora? Fale sobre sua formação, os encontros e episódios determinantes da sua carreira. E por que, sendo paulista, decidiu se radicar no Rio?
JULIANA: Eu sempre escrevi porque sempre fui rouca e tinha que fazer repouso vocal. Então passava às tardes escrevendo, já que não podia falar. Depois que eu melhorei, comecei a falar demais. Minha mãe me pedia pra escrever ou contar ônibus na janela, ou areia na praia, qualquer coisa mais a paz. Moro no Rio porque me sinto bem por aqui, porque trabalho nas produtoras aqui. E porque aqui tenho a indolência e a lascívia: Dodô e Lalá, minhas companheiras.
- Fale sobre sua experiência como roteirista e como dramaturga.
JULIANA: Trabalho há oito anos como roteirista. Já fiz programa de TV, cinema, animação. Agora escrevi uma peça “Por isso Fui Embora”, em parceria com a Renata Corrêa. Foi um surto criativo de 15 dias. Achei maravilhoso e quero escrever mais! Agora estou entrando no segundo tratamento de um longa, tenho uma série para TV e outra para internet. Quando lançar tudo, eu te conto mais.